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'Disseram que meu óbito viria em dias', diz paciente da Prevent

Sara Baptista, Luciana Amaral e Hanrrikson de Andrade

Do UOL, em São Paulo e em Brasília

07/10/2021 15h07Atualizada em 07/10/2021 16h56

Tadeu Frederico de Andrade, que ficou internado com covid-19 em um hospital da Prevent Senior, contou hoje em depoimento na CPI da Covid que, depois de 30 dias de internação, médicos da operadora de saúde informaram sua família que ele morreria em poucos dias e, por isso, seria colocado em cuidados paliativos.

Esse período de UTI durou praticamente, mais ou menos, uns 30 dias, quando uma das minhas filhas recebe um telefonema da Dra. Daniella de Aguiar Moreira da Silva, informando, comunicando que eu passaria a ter os cuidados paliativos, ou seja, eu sairia da UTI, iria para um chamado leito híbrido e lá teria, segundo as palavras da Dra. Daniella, maior dignidade e conforto, e meu óbito ocorreria em poucos dias."
Tadeu Frederico de Andrade, paciente da Prevent Senior

A paliação é uma abordagem que visa colocar o paciente com uma doença incurável no cerne do cuidado e diminuir o seu sofrimento, respeitando até o último momento os seus desejos e a sua individualidade. Ou seja, é um conjunto de práticas de assistência recomendada a pessoas que se encontram em fase terminal e irreversível.

Segundo Tadeu, neste novo regime de tratamento, ele receberia morfina e todos os equipamentos que o mantinham vivos seriam desligados. Além disso, haveria uma recomendação para que, em caso de parada cardíaca, ele não fosse reanimado. A família de Tadeu, no entanto, não concordou com os procedimentos.

O paciente reportou ainda que a médica responsável por seu tratamento incluiu os cuidados paliativos no prontuário, mesmo após a filha de Tadeu ter discordado do procedimento em uma ligação telefônica. "Ela escreve: 'Em contato com a filha Mayra, a mesma entendeu e concorda'. Isso é mentira, minha família não concordou."

Depois disso, a família de Tadeu se reuniu com uma equipe de médicos que argumentaram a favor dos cuidados paliativos, afirmando que ele era do grupo de risco por ter marca-passo. Porém, Tadeu explicou que ele não tem marca-passo ou outras comorbidades. Segundo ele, os médicos estavam com o prontuário de outra paciente.

Eles tentam convencer minha família de que, pelo prontuário, eu tinha marcapasso, tinha sérias comorbidades, problemas arteriais e que eu tinha idade muito avançada. Mas o prontuário não era meu, era de uma senhora de 75 anos. Eu não tenho marcapasso, tenho pressão alta, é a única coisa que sempre tive."
Tadeu Frederico Andrade, paciente da Prevent Senior

Caso Andrade tivesse passado a um leito híbrido a fim de receber cuidados paliativos, ele deixaria de fazer hemodiálise —fundamental para manter a atividade renal— e não receberia mais antibióticos, entre outros procedimentos. Sem a assistência intensiva, de fato, ele teria morrido, na avaliação de senadores da CPI que são formados em medicina.

07.out.21 - Paciente da Prevent Senior, Tadeu Frederico de Andrade, ao chegar ao Senado para prestar depoimento na CPI da Covid - Edilson Rodrigues/Agência Senado - Edilson Rodrigues/Agência Senado
07.out.21 - Paciente da Prevent Senior, Tadeu Frederico de Andrade, ao chegar ao Senado para prestar depoimento na CPI da Covid
Imagem: Edilson Rodrigues/Agência Senado

"Teria sido assassinado", concluiu Rogério Carvalho (PT-SE), médico sanitarista e membro do bloco de oposição ao governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Andrade contou que a equipe do hospital da Prevent recuou depois que a família ameaçou levar o caso à Justiça e à imprensa.

Bom, e finalizando, minha família não concorda nessa reunião com o início dos cuidados paliativos, se insurge, ameaça ir à Justiça para buscar uma liminar para impedir que eu saia da UTI e ameaça procurar a mídia. Nesse momento, a Prevent recua e cancela o início do tratamento paliativo, ou seja, eu, em poucos dias, estaria... Eu estaria vindo a óbito e hoje eu estou aqui."
Tadeu Frederico de Andrade, paciente da Prevent Senior

O depoente afirmou que seus filhos precisaram contratar um médico particular a fim de oferecer uma segunda análise e mostrar que ele não se encaixava no quadro de paciente em fase terminal. Disse ainda que, após deixar a UTI, em abril de 2021, recuperou-se normalmente em casa e não apresenta sequelas pós-contaminação.

Questionado por senadores sobre o argumento usado pelos médicos, Tadeu contou que eles diziam que o caso não tinha mais solução. "Que eu estava com rins e pulmões comprometidos e que, eventualmente, se eu sobrevivesse, seria um paciente com problemas renais crônicos e respiratórios também. No entanto, meus últimos exames mostram que os pulmões e rins estão ótimos".

O que diz a Prevent Senior

Em nota, a operadora de saúde refutou ter iniciado tratamento paliativo em Tadeu Frederico de Andrade sem o consentimento da família. Segundo a Prevent, a médica apenas sugeriu os cuidados paliativos e o paciente recebeu todo o suporte necessário. Veja a íntegra da nota:

"A Prevent Senior refuta ter iniciado tratamento paliativo ao paciente Tadeu Frederico de Andrade sem autorização da família. Já tornado público via imprensa, o prontuário do paciente é taxativo: uma médica sugeriu, dada a piora do paciente, a adoção de cuidados paliativos. Conversou com uma de suas filhas por volta de meio-dia do dia 30 de janeiro. No entanto, ele não foi iniciado, por discordância da família, diferentemente do que o sr. Tadeu afirmou à CPI. Frise-se: a médica fez uma sugestão, não determinação. O paciente recebeu e continua recebendo todo o suporte necessário para superar a doença e sequelas."

Denúncias contra a Prevent

A Prevent Senior é investigada pela CPI da Covid por supostas irregularidades cometidas durante a pandemia.

Um grupo de 12 médicos e ex-médicos da Prevent apresentou um dossiê com informações que apontam infrações cometidas pela empresa.

Tadeu Frederico de Andrade foi chamado a depor na comissão para relatar o que viveu na empresa ao lado do médico ex-funcionário Walter Correa de Souza Neto, que confirmou ter ajudado a compor o material.

A advogada dos médicos denunciantes, Bruna Morato, já foi ouvida na CPI. Segundo ela, a Prevent implementou uma política interna de "coerção", e os profissionais de saúde acabaram receitando o chamado "kit covid" por medo de sofrerem retaliações, inclusive demissão.

Em depoimento na CPI, Bruna também contou que a Prevent se aproximou do governo federal para defender o tratamento com medicamentos ineficazes contra a covid.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.