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Após críticas, PT corre atrás de candidatos negros mirando bancada em 2022

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em reunião com a Coalizão Negra por Direitos, que reúne mais de 170 entidades dos movimentos negros - Reprodução/Twitter/Douglas Belchior
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em reunião com a Coalizão Negra por Direitos, que reúne mais de 170 entidades dos movimentos negros Imagem: Reprodução/Twitter/Douglas Belchior

10/10/2021 04h00Atualizada em 11/10/2021 11h43

Postada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na última segunda-feira, uma foto da bancada petista no Congresso desencadeou uma série de críticas de movimentos sociais, devido à presença de apenas três parlamentares negros em meio a quase seis dezenas de políticos brancos.

A reclamação ocorre em meio a uma guinada do partido, que passou a cortejar pessoas negras de outros partidos, como o PSOL, e a apostar em quadros internos antes desprestigiados. Com caráter nacional, a estratégia conta com o endosso de Lula, que tem feito acenos ao movimento negro, e é turbinada pelo ex-candidato petista à presidência, Fernando Haddad.

Martvs Chagas, secretário nacional de combate ao racismo do PT, admite que a organização interna começou no ano passado após a eclosão das manifestações antirracistas no Brasil e no mundo.

"Estamos nos reunimos com políticos negros das cinco regiões do Brasil para formar e fortalecer candidaturas. Esse processo crescente pode nos levar à primeira bancada negra do PT tanto nas assembleias legislativas estaduais, quanto na Câmara e no Senado Federal", afirma ao UOL.

A reportagem apurou que há um mapeamento de lideranças regionais, mas Chagas diz não haver uma meta de quantos parlamentares negros a sigla pretende lançar. Organizações que orbitam a legenda também fazem parte da costura, como a Fundação Perseu Abramo e o Instituto Lula, dirigido por Tamires Sampaio. A ex-ministra da SEPPIR (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) Nilma Lino também participa das negociações.

Para as eleições estaduais de 2022, Sampaio confirma que novos nomes já estão confirmados. A vereadora de primeiro mandato do Rio de Janeiro, Tainá de Paula, será lançada a deputada federal pelo Rio, ao lado de Benedita da Silva e Vicentinho. Para a Assembleia de São Paulo, algumas das novas apostas são as vereadoras Thainara Faria, de Araraquara, e Paolla Miguel, de Campinas.

O balanço das últimas eleições

A disputa eleitoral do ano passado foi a primeira em que passou a valer a obrigatoriedade de repasses proporcionais de verbas do Fundo Eleitoral para financiamento de campanha a candidatos brancos e negros, assim como divisão igualitária do tempo de propaganda eleitoral gratuita na televisão e no rádio. A regra, no entanto, só foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no início de outubro, quando a campanha já tinha começado.

As eleições municipais de 2020 bateram o recorde de negros eleitos. Segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), 43% dos eleitos se declararam como pretos ou pardos.

O PT foi o partido com mais pessoas negras eleitas, 51,35%, sendo 40,1% autodeclarados pardos e 11,25%, pretos. O partido que menos elegeu pessoas do grupo em 2020 foi o Novo, com 3% dos eleitos autodeclarados pardos. Em números absolutos, apenas um nome. Mais de 96% dos candidatos eleitos são brancos.

Nas eleições estaduais e federais de 2018, o percentual de pessoas negras eleitas foi de 27,85%. Naquele pleito, o percentual de negros eleitos pelo foi de 49,85% do total. Em 2016, o índice era de 43,65%, o que indica uma crescente.

Para a cientista política Juliana Silva, do Centro Universitário do Distrito Federal, o aumento de pessoas negras eleitas pelo PT na última eleição tem relação direta com o repasse de verbas do fundo eleitoral, porque a falta de recursos para o financiamento de campanhas é um dos fatores principais para a baixa inclusão de pessoas negras eleitas na política.

Esta também é a opinião de Cristiano Rodrigues, cientista político e doutor em sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais:

Essa ação de aproximação do PT com candidaturas negras é um ato pragmático. Eles precisam distribuir dinheiro, então é melhor que sejam candidatos bem preparados e viáveis do que investir dinheiro em políticos sem chances.

Efeito PSOL

Ainda que com índices altos, o PT vê o PSOL ganhar centralidade na pauta racial. A sigla registrou 30% de candidatos autodeclarados pretos eleitos no último pleito, maior índice entre todos os partidos. Em 2018, mesmo ano em que a vereadora psolista Marielle Franco foi assassinada no Rio de Janeiro, a legenda elegeu as deputadas federais Taliria Petrone, a nona mais votada do estado, e Áurea Carolina, a mais votada em Minas Gerais.

Em São Paulo, Érica Malunguinho se tornou a primeira mulher negra e transexual a compor a Assembleia Legislativa do estado. Outro nome emplacado pelo PSOL paulista foi Mônica da Bancada Ativista, que encabeça um mandato coletivo.

Apesar da ascensão do PSOL nos últimos anos, Martvs Chagas defende o legado do PT ao dizer que o partido é pioneiro na luta antirracista e na projeção de pessoas negras, como a deputada federal Benedita da Silva, o senador Paulo Paim e a ex-ministra Marina Silva, que saiu da legenda para fundar a Rede Solidariedade).

Na avaliação de Tamires Sampaio, "o caso da Mariele fez com que mais pessoas negras tivessem mais coragem de se lançar candidatos pela repercussão internacional".

Essas candidaturas vieram na perspectiva de revolta para mostrar que apesar do silenciamento, a voz dela não seria calada
Tamires Sampaio, diretora do Instituto Lula

Alguns candidatos deixaram o partido recentemente, caso dos educadores Wesley Teixeira, de Duque de Caxias (RJ) —que disputou as eleições de 2020 — e Douglas Belchior, de São Paulo, que concorreu em 2018. Ambos não foram eleitos e se desfiliaram este ano. "É evidente que pesa também na decisão pela saída do partido toda a violência política, a prática do boicote, do apagamento, do silenciamento, da desqualificação e do racismo institucional que sofri nesses anos de embate", afirmou Belchior, em carta pública.

Enquanto Teixeira se filiou ao PSB, Belchior deve ir para o PT ainda neste ano. No fim de setembro, ele foi o organizador de um encontro entre Lula e integrantes da Coalizão Negra Por Direitos, que reúne 170 organizações dos movimentos negros.

Lula e a questão racial

Mesmo com a aproximação do PT com lideranças negras em curso, a legenda enfileira deslizes na questão racial. Em entrevista ao rapper Mano Brown para o podcast "Mano a Mano", o ex-presidente Lula, aborda a questão racial foi alvo de críticas ao atrelar a pessoas negras a ideia de "vitimismo". Ele disse o seguinte:

A direção do PT tinha uma maioria branca e uma maioria de homens. Há uma evolução política dos negros, tanto homens como mulheres, um grande número de gente está adquirindo consciência de que não basta ficar achando que é vítima. Resolveram ir à luta, resolveram brigar

Para Tamires Sampaio, o posicionamento de Lula se dá na prática, a partir da relação com os movimentos sociais, do incentivo à SEPPIR e da política de relações internacionais com países da África. Ela acrescenta que Lula leu bastante sobre o tema durante o cárcere. "Com essas leituras, acho que ele conseguiu absorver a questão do racismo estrutural, sobre a estrutura do poder ser branca e a importância de ter pessoas negras na Câmara dos Deputados", conta.

Embate interno constante em partidos de esquerda, o enfoque em questões raciais costuma ser criticado por militantes que acreditam que isso esvazia pautas sociais. Para Martvs Chagas, a inclusão de pessoas negras e suas pautas não pode ser interpretada como política identitária, uma vez que a maioria da população brasileira é negra.

"Nós temos um racismo que é estrutural, está presente em todos os segmentos e com certeza está presente nas organizações partidárias. Precisamos alterar essa realidade", afirma.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Douglas Belchior disputou as eleições de 2018 e não as de 2020, como o texto informava anteriormente. A informação foi corrigida.