78% do faturamento de empresa que contratou Moro veio de alvos da Lava Jato
Empresa que contratou Sergio Moro (Podemos) após o ex-juiz deixar o Ministério da Justiça em 2020, a Alvarez & Marsal recebeu ao menos R$ 65,1 milhões de empresas envolvidas na operação Lava Jato. Esse valor é 78% de todo o faturamento por administração judicial que a companhia alega ter tido de 2013 até o ano passado.
Os números foram revelados depois que o ministro Bruno Dantas, do TCU (Tribunal de Contas da União), derrubou sigilo sobre o processo que investiga se houve conflito de interesses no contrato entre Moro —ex-juiz da operação em Curitiba— e a empresa norte-americana.
Dantas acolheu pedido feito pelo Ministério Público no começo do mês passado. Segundo o MP, era preciso investigar o fato de o ex-juiz ter "proferido decisões judiciais e orientado condições para celebração de acordos de leniência da Odebrecht e, logo em seguida, ter ido trabalhar para a consultoria que faz a administração da recuperação judicial da mesma empresa".
Na prestação de contas, a A&M lista 23 empresas em processo de recuperação judicial ou falência. Dessas, ao menos 6 estiveram envolvidas na Lava Jato:
- Odebrecht/Atvos: R$ 33,2 milhões;
- Banco BVA: R$ 22,5 milhões;
- Grupo OAS: R$ 5,8 milhões;
- Queiroz Galvão: R$ 3,3 milhões;
- Enseada: R$ 172,5 mil;
- Agroserra: R$ 120,0 mil.
A administradora judicial não revela quanto foi pago a Sergio Moro pela consultoria. Ao UOL, a Alvarez & Marsal afirmou que Sergio Moro foi contratado para compor uma unidade da empresa que não teve resultado incrementado por conta de projetos de reestruturação.
"A Alvarez & Marsal prestou todos os esclarecimentos solicitados pelo TCU de forma tempestiva e colaborativa, sendo que o parecer técnico do TCU demonstrou não haver nenhum tipo de conflito", afirmou a companhia. "A nomeação e definição dos honorários de um administrador judicial são de competência exclusiva do juízo de cada processo, observadas as especificidades do processo e os parâmetros da Lei."
Moro trabalhou na A&M por pouco mais de um ano, atuando na área de "disputas e investigações", que cuida de questões de conduta de funcionários e corrupção dentro das empresas. A consultoria tem pouco mais de R$ 25 milhões a receber de alvos da Lava Jato.
O ex-juiz deixou a empresa em outubro do ano passado para tornar-se pré-candidato à Presidência da República
O que diz Moro
Em nota, Moro afirma que nunca prestou serviços a empresas envolvidas na Lava Jato. Leia a íntegra:
"Meu contrato era com a A&M disputas e investigações, e não com a parte da empresa responsável por recuperações judiciais, que tem outro CNPJ e cujas fontes de receita são diferentes. Nunca prestei nenhum tipo de trabalho para empresas envolvidas na Lava Jato. E isso foi deixado claro, a meu pedido, no contrato que assinei com a renomada consultoria norte-americana.
Nos meses em que estive na empresa, trabalhei com compliance e investigação corporativa, ou seja, ajudando e orientando empresas a construir políticas para evitar e combater a corrupção. Jamais trabalhei para a Odebrecht ou dei consultoria, direta ou sequer indiretamente, a empresas investigadas na Lava Jato.
A empresa de consultoria internacional, para a qual prestei serviço, foi nomeada por um juiz para atuar na recuperação judicial de créditos da Odebrecht, ou seja, para ajudar os credores a receberem dívidas. E eu jamais trabalhei nesse departamento da empresa. Portanto, os argumentos de que atuei em situações de conflito de interesse não passam de fantasia sem base."
No mês passado, Moro havia criticado a apuração do TCU sobre seu trabalho na Alvarez & Marsal.
"Trabalhei 23 anos na carreira pública. Lutei contra a corrupção neste país como ninguém jamais havia feito. Deixei o serviço público e trabalhei honestamente no setor privado para sustentar minha família. Nunca paguei ou recebi propina, fiz rachadinha ou comprei mansões. Não enriqueci no setor público e nem no privado. Não atuei em casos de conflito de interesses. Repudio as insinuações levianas do procurador do TCU a meu respeito e lamento que o órgão seja utilizado dessa forma."
Histórico: Moro e Odebrecht
Em fevereiro do ano passado, o MP junto ao TCU já havia pedido a suspensão de qualquer pagamento à Alvarez & Marsal, no âmbito da recuperação judicial da Odebrecht, até que o papel do ex-juiz na derrocada econômica da empreiteira fosse avaliado pelo tribunal.
A empresa de consultoria global de gestão de empresas, administradora judicial do processo de recuperação do Grupo Odebrecht, anunciou em 2020 a contratação do ex-ministro de Moro como sócio-diretor para atuar na área de disputas e investigações.
A apresentação destacou a atuação do ex-juiz na Lava Jato. O anúncio da contratação foi feito por meio do site da empresa e, segundo a divulgação, "está alinhada com o compromisso estratégico de desenvolver soluções para as complexas questões de disputas e investigações, oferecendo aos clientes da consultoria e seus próprios consultores a expertise de um ex-funcionário do governo brasileiro".
Enquanto juiz federal em Curitiba, em junho de 2015, Moro ordenou a prisão do ex-presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, numa das fases da Lava Jato. Em março do ano seguinte, também condenou Marcelo a 19 anos e quatro meses de prisão por crimes como corrupção e organização criminosa.
Na sentença, Moro considerou que Marcelo repassou R$ 109 milhões e US$ 35 milhões em propina a agentes da Petrobras.
"O comportamento adotado pela Odebrecht e por seu presidente não é consistente com o que seria esperado da empresa e de executivo que de fato não tivessem responsabilidade pelas contas secretas no exterior e com o pagamento através delas de propinas", afirma Moro.
"O comportamento esperado seria o de reconhecer a falta e identificar dentro da corporação os executivos individualmente responsáveis por comprometer o nome e a reputação da companhia", escreveu o ex-juiz num trecho da sentença.
A recuperação judicial da Odebrecht é a maior da história do país, com dívidas totais estimadas em R$ 98,5 bilhões. Desse valor, R$ 54 bilhões são alvo da reestruturação. O restante diz respeito a dívidas entre companhias do grupo e créditos extraconcursais, que não entram no processo.
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