Topo

Censura no Lolla: Ministro barrou inquérito de magistrado que negou máscara

O desembargador Eduardo Siqueira, do TJ-SP - Reprodução/Twitter
O desembargador Eduardo Siqueira, do TJ-SP Imagem: Reprodução/Twitter

Igor Mello

Do UOL, no Rio

28/03/2022 18h34

O ministro Raul Araújo Filho, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), responsável por proibir manifestações contra o presidente Jair Bolsonaro (PL) no Lollapalooza, tentou barrar uma investigação contra o desembargador Eduardo Siqueira, do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), no primeiro ano da pandemia do novo coronavírus.

Siqueira se recusou a respeitar o uso obrigatório de máscara ao ser abordado por um guarda municipal em Santos, no litoral sul de São Paulo.

Araújo também é ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) desde 2010, tendo sido escolhido pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em uma lista tríplice e posteriormente aprovado pelo Senado. Por fazer parte do STJ, ele integra atualmente o órgão máximo da Justiça Eleitoral.

Em julho de 2020, Eduardo Siqueira foi flagrado humilhando um guarda municipal que tentou multá-lo por desrespeitar decreto da prefeitura que obrigava o uso de máscaras em áreas públicas. O desembargador chamou o servidor de analfabeto, ligou para o secretário de Segurança Pública de Santos para tentar intimidar o guarda e, por fim, rasgou a multa aplicada.

Com base nas filmagens, o MPF (Ministério Público Federal) pediu ao STJ a abertura de um inquérito para apurar os possíveis crimes de abuso de autoridade, infração de medida sanitária e desacato.

Monocraticamente, Raul Araújo Filho, relator do caso, negou a abertura da investigação, sob o argumento de que não havia "justa causa" para uma investigação criminal. O caso foi levado à Corte Especial do STJ, onde Araújo acabou derrotado, e o inquérito foi autorizado.

No julgamento, Araújo reiterou não ver possíveis crimes na conduta do desembargador de SP —que foi condenado a indenizar o guarda municipal atacado em R$ 20 mil.

Sobre o caso, que teve grande repercussão à época, Araújo sustentou que não se pode "subtrair direitos constitucionais" apenas "para satisfazer a sanha popular".

"Não se compactua aqui nem se admite como aceitável a grosseria e a arrogância da parte de quem exerce uma parcela de poder estatal. Porém, tais atributos de incivilidade não são tipificados como crime", afirmou o ministro Araújo.

Posteriormente, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes barrou o prosseguimento do inquérito, sob o argumento de cerceamento da defesa do desembargador.

Na Justiça de São Paulo, Siqueira afirmou sofrer de "mal psiquiátrico". "No dia do incidente, estava o apelante [Eduardo Siqueira] privado da medicação em função da pandemia, o que alterou ainda mais seu estado anímico", diz um trecho da apelação assinada pelos advogados do magistrado.

Censura no Lollapalooza

O nome de Raul Araújo entrou no debate político nacional depois que ele decidiu proibir manifestações políticas dos artistas que participariam do terceiro dia de shows do festival Lollapalooza, ontem (27).

Pabllo Vittar carregava uma bandeira com uma foto de Lula (PT) durante show no Lollapalooza 2022 - Reprodução/Multishow - Reprodução/Multishow
Pabllo Vittar carregava uma bandeira com uma foto de Lula (PT) durante show no Lollapalooza 2022
Imagem: Reprodução/Multishow

Araújo acatou pedido de liminar do PL, partido de Bolsonaro, e entendeu que as manifestações das cantoras Pabllo Vittar e Marina durante os shows de sábado (26) configuraram propaganda eleitoral antecipada.

Ele estabeleceu multa de R$ 50 mil, caso artistas descumprissem sua decisão, mas ela não pode ser aplicada porque o partido de Bolsonaro indicou a empresa errada como alvo da ação.

No Lolla, Pabllo desfilou com uma bandeira do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que estava com um espectador, durante seu show. A cantora é declaradamente apoiadora de Lula, que lidera as intenções de voto na corrida presidencial.

Já a cantora britânica Marina mandou o presidente brasileiro ir "se f*der" durante sua performance.

Araújo tomou a decisão após ser indicado em fevereiro pelo então presidente do TSE, o ministro Luiz Roberto Barroso, como um dos três membros da Corte responsáveis pelos processos sobre propaganda eleitoral até o pleito de outubro

A decisão foi criticada por juristas, que consideraram um ato de censura à liberdade de expressão e artística. Após a liminar, vários artistas fizeram críticas a Bolsonaro no Lollapalooza.

Ministro liberou outdoors pró-Bolsonaro

Araújo não adotou o mesmo rigor que mostrou na ação contra os artistas ao julgar uma representação movida pelo PT, que denunciou a instalação de outdoors em prol de Bolsonaro, alguns deles com pedido explícito de voto, colocados por instituições do setor agrícola.

Em fevereiro, o PT apresentou no TSE uma representação contra Bolsonaro, a Aprosoja (Associação Brasileira dos Produtores de Soja), a Copper (Cooperativa dos Produtores Agropecuaristas do Paraíso e Região), a Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso do Sul) e o Sindicato Rural de Cuiabá.

O PT mostrou que, em alguns casos, havia inclusive pedido de voto em Bolsonaro nas peças publicitárias.

"Em seguida, o representante apresenta duas fotografias de outdoors que teriam sido localizados no Estado do Rio de Janeiro, um em São João da Barra e outro em Campos dos Goytacazes, ambos com a imagem do representado Jair Messias Bolsonaro e as hashtags #EM2022VOTE22 e #2022BOLSONAROPRESIDENTE, imagens que evidenciariam o pedido explícito de votos, além de enaltecer supostas qualidades do pré-candidato à Presidência da República", diz o ministro em seu relatório, citando a petição do PT.

Porém, Araújo entendeu que não é possível afirmar que Bolsonaro tinha conhecimento do material publicitário em seu benefício.

"No entanto, relativamente a esses artefatos publicitários, que poderiam em tese configurar propaganda de cunho eleitoral, o representante deixou de apresentar provas do prévio conhecimento do representado Jair Messias Bolsonaro, não requereu diligência para identificação dos responsáveis pela confecção, nem forneceu os elementos indispensáveis para a obtenção dos dados, conforme disciplina expressa no § 1º do art. 17 da Res.-TSE nº 23.608/2019[2], razão pela qual indefiro nesta parte a petição inicial", disse Araújo na primeira decisão, tomada ainda em fevereiro.

Em março, o PT novamente questionou os outdoors, apresentando novos elementos. Araújo voltou a negar a retirada das propagandas.