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Por unanimidade, Conselho de Ética pede cassação de mandato de Do Val

Leonardo Martins e Pedro Vilas Boas

Do UOL e colaboração para o UOL, em São Paulo

12/04/2022 04h00Atualizada em 12/04/2022 22h14

Os deputados estaduais do Conselho de Ética da Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) aprovaram, por unanimidade, o parecer do relator Delegado Olim (PP-SP), que indica a cassação de Arthur do Val (União Brasil-SP). Foram dez votos a zero. A decisão ainda passará pelo plenário.

A sessão foi marcada por críticas de deputados contra Do Val, apoio a ucranianas que estavam na sala e pelo barulho de manifestantes a favor do parlamentar alvo do processo, que permaneceram no corredor. Do Val, conhecido como Mamãe Falei, saiu pelos fundos do auditório após a votação. Ele não falou com a imprensa.

O processo foi aberto após o vazamento de áudios do deputado com comentários sexistas. Nas gravações, ele afirma que as mulheres ucranianas "são fáceis porque são pobres".

Para o Delegado Olim, "foi feita justiça". "Agora vamos aguardar no plenário, com certeza todos os deputados estarão juntos com esse relatório", disse, após o fim da sessão.

"Eu acredito que vai ser mantido esse resultado [no plenário]. Procuramos dar celeridade sem comprometer a legalidade durante todo processo. Hoje, a resposta que queríamos dar para a sociedade está aí", disse a presidente do Conselho, deputada estadual Maria Lúcia Amary (PSDB). O processo foi aberto em 8 de março.

Ao lado de seu advogado, Do Val falou aos deputados antes da votação. Começou pedindo desculpas às mulheres ucranianas e às que "verdadeiramente se ofenderam" com os áudios, mas logo passou a criticar os colegas, adotando o tom combativo com que se tornou conhecido. Eleito na onda antipolítica de 2018, disse hoje que tem dó dos parlamentares que, "no final do dia", "precisam ficar pedindo voto com muita hipocrisia" e rebateu as acusações feitas durante a sessão.

"A verdade é que todos aqui me odeiam, não nego isso", afirmou. "Todo mundo sabe que o que está acontecendo não é pelo que eu disse, é por quem disse".

Em nota após a decisão do conselho, afirmou que "os integrantes do Conselho de Ética" promovem "uma perseguição política". Ele ainda lamentou os áudios e reafirmou que espera não ser cassado.

Arthur do Val reconhece que enviou comentários impróprios sobre mulheres ucranianas e lamenta por isso. Mas não há dúvidas de que a cassação do seu mandato seria uma medida desproporcional."
Arthur do Val (União Brasil), deputado estadual

Ucranianas acompanharam a votação na Alesp

Mulheres ucranianas compareceram à votação para protestar contra as falas de Mamãe Falei. "Eu quero defender a dignidade das mulheres ucranianas. Estão sendo matadas, estupradas; crianças são estupradas; elas estão correndo para fora da Ucrânia para países em que não conhecem ninguém, não conhecem língua, não têm dinheiro, apartamento", disse ao UOL Myroslavia Moroz, 37.

Do lado de fora do auditório, apoiadores de Arthur do Val gritaram em apoio ao parlamentar, socando as paredes da Casa. Dentro do auditório, era possível ouvir gritos de "Não à cassação" e "Fica, Arthur". Os manifestantes foram convocados no último fim de semana por Arthur do Val para o apoiarem nesse dia de votação.

A sessão começou com uma confusão interna, porque a presidente do conselho, Maria Lúcia Amary, chegou a convocar uma reunião reservada com os membros do colegiado e Do Val. Isa Penna (PCdoB), que não faz parte do colegiado, protestou. Houve uma votação e a conversa privada foi cancelada.

Em seguida, o relator Delegado Olim leu seu parecer. Ele chegou a errar a pronúncia da palavra "misógino" e de outros termos, causando alguns risos. Mas o clima permaneceu tenso.

Todos os deputados —mulheres e homens, de direita, centro e esquerda, os mais novos e os mais velhos— criticaram duramente Do Val. Alguns chegaram a se desculpar com as ucranianas presentes na sala.

Gil Diniz (PL), antigo desafeto de Mamãe Falei, o chamou de "covarde" e "playboy". "Esse cidadão está com cara de vítima, não é vítima de absolutamente nada. Ele foi fazer campanha na Ucrânia", afirmou. Na época da viagem, Do Val era pré-candidato ao governo paulista pelo Podemos. O próprio partido anunciou a desfiliação após o vazamento dos áudios.

Barros Munhoz (PSDB) citou outros parlamentares que entraram na Casa criticando o sistema político mas, segundo ele, "amadureceram".

"Tive sentimento de asco [ao ouvir o áudio]", disse a deputada Valéria Bolsonaro (PSL). "Quero me solidarizar com todas as ucranianas. Essa pessoa não representa a mim em absolutamente nada."

A deputada Monica Seixas (Psol) exibiu um vídeo em que a ucraniana Myroslavia Moroz leu um texto.

Algumas mulheres ucranianas escolhem o Brasil como país seguro para estar. Mas será que estão seguras aqui, se os homens brasileiros acham que elas são fáceis?"
Myroslavia Moroz, em gravação exibida pela deputada Monica Seixas

Isa Penna defendeu a cassação de Mamãe Falei —ela foi vítima de assédio no plenário da Alesp pelo deputado estadual Fernando Cury (sem partido) em dezembro de 2020, e pediu para Do Val não comparar os dois casos. Cury teve o mandato suspenso por seis meses —e não foi cassado.

"Todos vocês são testemunha de quanto lutei pela cassação de Fernando Cury. É injusto que não tenha sido cassado, mas a injustiça é comigo, com mulheres, não com Arthur do Val. Portanto, tire meu nome, a violência que passei, das suas justificativas públicas e jurídicas", afirmou.

Grupo faz manifestação em apoio a Arthur do Val em corredor da Alesp, durante sessão do Conselho de Ética - ROBERTO CASIMIRO/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO - ROBERTO CASIMIRO/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
Grupo faz manifestação em apoio a Arthur do Val em corredor da Alesp, durante sessão do Conselho de Ética
Imagem: ROBERTO CASIMIRO/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

Próximos passos

O parecer foi entregue na semana passada pelo relator, o deputado estadual Delegado Olim. Por se tratar de uma possível perda de mandato, o resultado de hoje segue para a Mesa Diretora da Alesp, que comanda as atividades administrativas e parlamentares. Ela é composta por três deputados (presidente, primeiro e segundo secretários) e dará o aval para o caso seguir ao plenário.

Não há previsão para a conclusão do processo. O presidente da assembleia, deputado estadual Carlão Pignatari (PSDB-SP), decidirá quando o tema será pautado e votado pelos deputados. A aprovação depende de maioria simples (48 votos).

Em plenário, os deputados estaduais poderão rever a decisão do Conselho de Ética. As punições previstas são:

  • advertência,
  • censura verbal ou escrita,
  • perda temporária ou perda de mandato.

O único caso de cassação analisado pelo Conselho de Ética ocorreu em 1999, segundo o próprio colegiado. O então deputado Hanna Garib teve seu mandato extinto depois de ser acusado de envolvimento em esquemas de corrupção na administração da cidade de São Paulo.

Relator cita histórico de Do Val

Em seu relatório, Delegado Olim chamou a ação de Arthur do Val de "flagrantemente atentatórias ao decoro parlamentar".

"Assim, sem mais digressões, estando evidenciada a gravidade das condutas do representado, flagrantemente atentatórias ao decoro parlamentar, conclui-se este parecer com a proposta —que não pretende ser exaustiva, mas pode e deve ser completada pelos nobres pares —que, tramitado por completo o feito, pelas razões que encerra e pelas disposições emanadas nos dispositivos legais invocados, seja aplicada ao Deputado Arthur Moledo do Val a medida disciplinar de perda do mandato", escreveu o parlamentar do PP em sua conclusão.

Olim ressaltou o que chamou de prejuízo à imagem da própria assembleia com as falas de Arthur e lembrou que o deputado já havia recebido duas advertências anteriores, do mesmo Conselho de Ética.

Arthur do Val chegou a pedir judicialmente ao colegiado que fosse realizada uma perícia nos áudios vazados —para identificar se houve edição ou alteração. A solicitação foi negada.

A defesa entrou com ação judicial no Tribunal de Justiça de São Paulo pedindo a paralisação do processo até que seja feita uma perícia dos áudios, o que foi negado pelo tribunal.

Desde que o processo começou, Arthur do Val e aliados políticos se movimentam na Alesp para convencer os parlamentares a não cassarem seu mandato. O argumento é que a cassação é uma punição "exagerada, desproporcional e ilegal" —como o próprio deputado disse hoje.

O advogado de defesa Paulo Henrique Franco Bueno afirma que as afirmações não são "suficientemente graves" para justificar a cassação do mandato.