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Entidades: É censura obrigar jornalista a pagar R$ 310 mil a Gilmar Mendes

20.abr.2017 - O jornalista Rubens Valente depõe em comissão no Senado sobre direitos dos povos indígenas - Roque de Sá/Agência Senado
20.abr.2017 - O jornalista Rubens Valente depõe em comissão no Senado sobre direitos dos povos indígenas Imagem: Roque de Sá/Agência Senado

Do UOL, em Brasília

10/05/2022 18h29Atualizada em 11/05/2022 16h47


Associações de jornalismo afirmam que configura censura a condenação do jornalista Rubens Valente, que terá que pagar uma indenização de R$ 310 mil ao ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes por danos morais em razão de trechos do livro "Operação Banqueiro", publicado em 2014 pela Geração Editorial.

A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), que abriu uma ação na Comissão Interamericana de Direitos Humanos pedindo a reanálise do caso, diz ver "precedente perigoso" na decisão da Justiça.

"A Abraji considera a decisão do STF contra Rubens Valente um precedente perigoso para o regime legal e constitucional da liberdade de expressão no Brasil, porque impõe um dever de indenização muito grave para o exercício da liberdade de imprensa, sobretudo quando não se verifica nenhum abuso por parte do profissional", afirma a entidade.

Para a ABI (Associação Brasileira de Imprensa), que reproduziu reportagem da Agência Pública que afirma que a situação "revela nova censura", a condenação de Valente afeta a liberdade de imprensa. "O jornalista fica intimidado pelo assédio judicial", afirmou Octávio Costa, presidente da ABI.

A Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) disse, por meio de nota, que a decisão contra Valente "ameaça o jornalismo e a liberdade de imprensa no Brasil".

"Manifestamos claramente nosso inconformismo, em defesa do direito constitucional da população brasileira à informação, garantido pelo exercício do jornalismo (art. 5º, inciso 14, da Constituição). Não podemos concordar com uma decisão que pode agora dar base a perseguição judicial a jornalistas, atentando contra a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão e a própria democracia", afirmou a entidade.

Após decisão, a Abraji, a organização Media Defense e a Robert Kennedy Humans Right entraram com uma ação na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos). Segundo a Abraji, em março, Valente foi ouvido na OEA, que "reforçou a importância do caso para a liberdade de imprensa no Brasil".

Em 2015, Rubens Valente chegou a ser absolvido em primeira instância, em 2015, mas perdeu nos demais recursos judiciais contra a decisão. A 1ª Turma do Supremo manteve as condenações já determinadas ao jornalista e acrescentou outras duas punições: multa adicional de 1% sobre o valor da causa e determinação de que as próximas reedições e reimpressões do livro contenham a petição de Mendes — além do texto da condenação, já determinada pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça). Nos cálculos dos autores, isso significaria incluir mais 200 páginas na obra.

Seu livro trata dos bastidores da Operação Satiagraha, da Polícia Federal, que prendeu em 2008 o dono do banco Opportunnity, Daniel Dantas — que acabou sendo considerado inocente anos depois, quando o processo foi anulado.

Num dos capítulos, Valente narra o julgamento de habeas corpus de Dantas por Gilmar Mendes, no STF. Ele cita que ministro não se considerou impedido para julgar o caso, apesar da proximidade com advogados envolvidos no caso. O magistrado questionou esse e outros trechos da obra na Justiça e afirmou que o jornalista fez "caviloso uso de informações truncadas para criar, tal como sugere o título, ilações destinadas a colocar em xeque a honra e a dignidade do requerente [o ministro]".

Rubens Valente disse ao UOL que seu livro não contém erro de informações ou ofensas ao ministro do Supremo. Para o jornalista, até mesmo uma possível ausência de certas informações no texto não poderia ser usada como pretexto para alegar danos morais ou exigir pagamento de indenizações.

"O livro é uma narrativa sobre um evento. Pode conter uma ou outra visão que determinado leitor sinta falta. Isso é parte indissociável do fazer jornalístico. É uma interpretação que um leitor pode ter. Daí a qualificar um dano moral que enseje dinheiro expressivo e banimento do livro, é outra coisa", disse Valente, que foi colunista do UOL.

Na primeira instância, o juiz Valter Bueno Araújo, da 15ª Vara do Distrito Federal, que absolveu tanto o jornalista como a editora, afirmou que "não há como afirmar que o réu faltou com a verdade em sua obra".

Mendes recorreu da decisão ao Tribunal de Justiça do DF, onde os desembargadores condenaram Valente e estipularam a indenização de R$ 100 mil. Houve recurso ao STJ, tribunal no qual a condenação foi mantida e foi estabelecido que o acórdão do TJ do DF fosse publicado em futuras reimpressões do livro.

A defesa do jornalista entrou com recurso no STF, mas os ministros da 1ª Turma confirmaram a condenação de Valente e da editora e definiram o aumento do valor que deveria ser pago pela Geração Editorial, em 2021.

Os ministros da turma seguiram o voto do relator do caso, Alexandre de Moraes, para determinar uma multa de 1% sobre o total da indenização em valores atualizados com juros, correção monetária, custas processuais e honorários advocatícios.

O dono da Geração Editorial, Luiz Fernando Emediato, não quis comentar a decisão. "O caso já foi julgado. É uma decisão final do Supremo, que respeito e cumpro", disse

O ministro Mendes também afirmou ao UOL que não comentará o assunto. Em decisão do ministro Alexandre de Moraes consta que Gilmar Mendes alegou "que a publicação da referida obra literária causou-lhe danos morais, diante do manifesto intuito difamatório e atentatório contra a sua honra".

A assessoria de imprensa do Supremo disse à reportagem que não houve "nenhum tipo de análise sobre o valor da indenização ou o conteúdo do livro". "A execução do pagamento, bem como a correção dos valores, é de responsabilidade do tribunal de origem que julgou a causa."

Após jornalista pagar quase R$ 143 mil, amigos fazem vaquinha

A 15ª Vara de Brasília fez as atualizações monetárias após a decisão do Supremo. Em fevereiro de 2022, Valente e a editora deveriam pagar pouco mais de R$ 280 mil. Metade desse valor deveria ser quitada pelo jornalista.

O advogado dele, César Klouri, disse que tentou, sem sucesso, um acordo para parcelar a quantia em 6 ou 7 vezes, Para evitar multa por atraso (desta vez de 10%), Valente pagou R$ 142.965,00 em 9 de fevereiro.

Até o momento, a Geração Editorial não quitou sua parte na indenização. A pedido de Mendes, o jornalista foi cobrado pela Justiça como "devedor solidário" desse restante da dívida, cujo valor subiu para R$ 310 mil.

No último final de semana, amigos do jornalista organizaram uma vaquinha na internet para pagar a indenização. Até esta terça-feira (10), haviam arrecadado R$ 125 mil.