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Governo empenhou 90% do orçamento secreto dias antes do prazo eleitoral

Do UOL, em Brasília

18/08/2022 04h00Atualizada em 18/08/2022 10h25

O governo federal liberou a quase totalidade do chamado orçamento secreto entre os dias 13 de junho e 1º de julho, às vésperas do prazo limite da legislação eleitoral.

Dados levantados pelo UOL no sistema Siga Brasil, do Senado — que é abastecido com informações do programa que registra os gastos do governo, o Siafi — mostram que a gestão empenhou (ou seja, se comprometeu a pagar) R$ 7,4 bilhões em emendas de relator no período.

Isso é muito? O valor corresponde a 91% das emendas prometidas desde o começo do ano (R$ 8,1 bilhões). Nesses 18 dias, o governo pagou efetivamente R$ 6,6 bilhões em emendas — 99% de todos os pagamentos do ano.

Para efeito de comparação, esses R$ 6,6 bilhões que caíram nas contas bancárias de prefeituras, estados, ONGs ou empresas em apenas três semanas de junho e julho equivale a mais da metade dos R$ 10,4 bilhões em emendas pagas durante todo o ano passado.

Até quando os pagamentos poderiam ser feitos? Pelas regras eleitorais, os empenhos e pagamentos precisam ser feitos até 2 de julho, três meses antes do primeiro turno das eleições. Os pagamentos realizados depois da data-limite só podem ocorrer se estiverem vinculados a obras já iniciadas ou se os empenhos forem considerados urgentes, de acordo com estudo da Consultoria de Orçamentos da Câmara.

A lógica se assemelha ao que acontece em finais de ano, época em que os parlamentares, empresários, prefeitos e lobistas pressionam o governo federal a empenhar os recursos públicos antes de 31 de dezembro. Quem não faz isso perde todo o dinheiro antes autorizado a ser gasto. No ano passado e em 2020, praticamente metade do orçamento secreto foi comprometida em novembro e dezembro daqueles anos.

Para onde foram os repasses? Cinco estados lideram o ranking de recebimento de verbas: Minas, Maranhão, Bahia, Roraima e Alagoas.

Quando o critério é a verba total empenhada, os estados que mais receberam foram:

  1. Minas Gerais, que obteve R$ 780 milhões neste ano;
  2. Maranhão, com R$ 775 milhões;
  3. Bahia, com R$ 724 milhões.

Proporcionalmente, que estado lidera? Quando o valor é avaliado de acordo com a população, Roraima sai na frente. O estado obteve 114 milhões em empenhos, mas, com apenas 652 mil pessoas, isso significa R$ 175 por habitante — a média nacional é de R$ 38 por habitante.

Alagoas possui 3,3 milhões de pessoas e vem em segundo. Foram empenhados lá R$ 366 milhões ou R$ 109 por habitante. O Maranhão aparece em terceiro nesse critério, com R$ 108 para cada um de seus 7,1 milhões de habitantes.

Por que o apelido orçamento secreto? Diferentemente das emendas parlamentares individuais e coletivas, as emendas de relator, ou do orçamento secreto, não identificam o congressista que é autor da indicação dos repasses nos portais de transparência.

Mesmo após ordem do STF (Supremo Tribunal Federal) — de divulgar os nomes dos responsáveis pelas emendas — -, ONGs e prefeituras costumam ser apontadas como indicação para essas modalidades de transferência de dinheiro. Elas quadruplicaram no governo de Jair Bolsonaro (PL).

Segundo a cientista política e professora do Insper Mariana Almeida, esse é um dos motivos que trazem tantos questionamentos sobre o uso das emendas de relator. "O orçamento brasileiro já é bastante enrijecido. Há compromissos assumidos que já 'mordem boa parte do dinheiro'. Sobra uma parte pequena para falar o que eu quero fazer com isso?"

Elas não têm um mecanismo transparente e aberto, de tomada de decisão. E elas consomem um pedaço do orçamento muito grande"
Mariana Almeida, cientista política do Insper

Ela afirma ainda que o fato de grande parte dos empenhos das emendas acontecer no limite dos prazos eleitorais traz uma dúvida sobre a possibilidade de uso eleitoral da máquina para conseguir votos. "Ou quanto isso realmente foi pensado dentro de uma política pública de benefício da população?".

Lira defende o orçamento secreto. A assessoria de Arthur Lira disse ao UOL na semana passada que as prefeituras justificam as necessidades e os deputados liberam as emendas.

Os recursos são autorizados após o cumprimento de critérios técnicos previstos em lei. Isso traz benefícios para o povo, que é o mais importante."
Assessoria de Arthur Lira, presidente da Câmara

O deputado afirmou que eventuais desvios de dinheiro devem ser apurados pelos órgãos de investigação e controle. "Cabe aos órgãos de controle a fiscalização eficiente para o bom uso dos recursos", afirmou a assessoria.

Aliado de Lira foi beneficiado. Como mostrou o UOL, parte dessas emendas neste ano foi paga em apenas oito dias para ações de saúde na cidade de Rio Largo (AL), município de um aliado de Lira.

O prefeito local, Gilberto Gonçalves (PP), foi afastado do cargo por ordem da Justiça, suspeito de participar de esquema de desvio de verbas da saúde e da educação. A prefeitura não se manifestou sobre as obras bancadas com os recursos do orçamento secreto.

A Polícia Federal fez buscas na semana passada durante da Operação Beco da Pecúnia. O nome é referência ao local nas ruas da cidade em que foram flagrados repasses de dinheiro vivo depois que eram feitos saques nas contas bancárias de uma empresa com contratos com a prefeitura.

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