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Grupos de Telegram bolsonaristas mostram ação coordenada em invasão

9.jan.2023 - Golpistas invadiram e depredaram os prédios dos três Poderes em Brasília - Reuters
9.jan.2023 - Golpistas invadiram e depredaram os prédios dos três Poderes em Brasília Imagem: Reuters

Do UOL, no Rio

10/01/2023 04h00

Mensagens compiladas pelo UOL em quatro grupos de Telegram de bolsonaristas —os quais somam mais de 188 mil usuários inscritos— mostram que houve uma ação coordenada para enviar comandos a extremistas em Brasília e insuflar golpistas em outros pontos do país a iniciarem atos terroristas.

Nos chats, é possível notar que havia um plano geral apenas parcialmente realizado:

  • Tomar as sedes dos três Poderes --Congresso, STF e Palácio do Planalto-- em uma espécie de ataque de decapitação;
  • Bloquear estradas e inviabilizar infraestrutura crítica do país, como refinarias e aeroportos;

Apenas o primeiro objetivo foi alcançado, com terroristas invadindo e depredando os três prédios públicos na Esplanada dos Ministérios.

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No Telegram, mensagens coordenadas estimularam invasão dos três poderes, bloqueio de refinarias e estradas
Imagem: Reprodução/ Telegram

Houve tentativas de bloqueios em rodovias e refinarias de sete estados que foram debeladas rapidamente pelas autoridades.

  • Rio de Janeiro (Refinaria de Duque de Caxias - Reduc)
  • São Paulo (marginal Tietê e rodovia Régis Bittencourt, em Embu das Artes)
  • Paraná (refinaria na cidade Araucária)
  • Santa Catarina (bloqueio na BR-101, em Itajaí)
  • Pará (cinco bloqueios na BR-163 em Altamira, Novo Progresso)
  • Mato Grosso (bloqueios na BR-163 em Rio Verde, Matupá e Guarantã do Norte)
  • Mato Grosso do Sul (bloqueios na BR-163, em Campo Grande)

Discurso mudou ao longo do dia

A narrativa criada pelos golpistas foi se alterando ao longo do dia, em momentos semelhantes, em todos os grupos analisados pelo UOL —um indício de que havia um movimento coordenado.

  • 0h - 15h - Convocação para invasões na Esplanada

Durante a manhã e início da tarde, o discurso estava centrado em mobilizar os extremistas para irem até a Esplanada dos Ministérios. Diversas publicações faziam menção explícita ao objetivo de invadir os prédios públicos.

Uma publicação de Bolsonaro no Instagram foi lida em parte dos grupos como um "dog whistle" —apito de cachorro, em tradução livre, um conceito usado para descrever mensagens cifradas que servem para ativar extremistas.

O ex-presidente postou de manhã uma imagem sua pendurado em um trator adornado com bandeiras, acompanhado de um texto divulgando ações de seu governo na área de infraestrutura. Para os golpistas, no entanto, a publicação foi um chamado ao agronegócio.

"Bolsonaro postou.... O agro tem q parar tbm", dizia a mensagem em um dos grupos (a ortografia foi mantida tal como postada).

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Publicação de Bolsonaro foi interpretada como chamado para atos golpistas no Telegram
Imagem: Reprodução/ Telegram

Por volta das 15h, uma mesma transmissão ao vivo da invasão do Congresso foi compartilhada nos quatro grupos acompanhados pela reportagem.

  • 15h - 17h - Invasões e quebra-quebra são exaltados; terroristas são estimulados a resistir à desocupação dos prédios

No auge da invasão nos prédios dos três Poderes em Brasília, as mensagens divulgavam fotos e vídeos dos atos de depredação. A ordem para que os manifestantes ocupassem os prédios —resistindo à desocupação— foi repassada dezenas de vezes.

Os ataques ao STF, em especial, foram comemorados com mensagens idênticas nos grupos. É o caso de uma foto da porta do armário onde era guardada a toga do ministro Alexandre de Moraes, arrancada pelos extremistas, e de uma sala depredada por eles.

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O ministro Alexandre de Moraes foi um dos principais alvos nos chats de extremistas no Telegram
Imagem: Reprodução/ Telegram

Também circularam diversos vídeos de extremistas no plenário do Senado, imitando cenas da invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, em 6 de janeiro de 2021, quando um trumpista se deixou fotografar na mesa da então presidente da Câmara norte-americana, a democrata Nancy Pelosi.

Outro vídeo replicado várias vezes mostrava a destruição no Palácio do Planalto, afirmando se tratar do gabinete do presidente Lula —que não foi acessado.

  • 17h - 19h - Discurso sobre depredação se divide e surgem mensagens falando em "infiltrados"

Com a repercussão negativa das cenas de barbárie em Brasília, criticadas inclusive por alguns extremistas nos grupos, houve um curto-circuito nos chats bolsonaristas.

Enquanto mensagens celebrando a destruição ainda eram distribuídas, começou a ser criada a narrativa de que o quebra-quebra era, na verdade, obra de "petistas infiltrados". Não há nenhuma evidência de que pessoas alheias ao movimento golpistas de extrema direita tenham participado dos atos de depredação.

Vários vídeos de supostos infiltrados circularam. Em um deles, um homem é preso pela Força Nacional com bombas. O narrador do vídeo, supostamente um dos policiais, fala que se trata de um infiltrado. Em outro, um homem quebra vidraças carregando uma bandeira do PT.

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O deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP) foi atacado nos grupos extremistas no Telegram após discurso de Lula
Imagem: Reprodução/ Telegram
  • 19h - 23h - Narrativa de infiltrados se torna dominante e ataques à esquerda monopolizam discurso

Com a repressão policial e as providências do governo federal —como a decretação da intervenção federal na segurança do Distrito Federal—, os grupos passam a se concentrar em martelar que a destruição havia sido feita por infiltrados da esquerda, enquanto os "patriotas" estavam protegendo o patrimônio público durante as invasões.

Ao mesmo tempo, rebatem um ponto do discurso de Lula que disse que a esquerda nunca havia atacado os Poderes em Brasília. Começaram a circular vídeos e montagens de atos de esquerda tirados de contexto.

As mensagens publicadas por Bolsonaro se desvinculando dos atos terroristas e tentando associar o vandalismo à esquerda foram replicadas minutos depois de serem postadas no Twitter, dando nova força a essa narrativa.

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Mensagens de Bolsonaro se desvinculando dos atos foram reproduzidas imediatamente no Telegram
Imagem: Reprodução/ Telegram


Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que informava a primeira versão da matéria, a invasão ao Capitólio ocorreu em 2021, e não em 2020. O texto foi corrigido.