Fraude abala cidade em GO usada por Cid; 'vacinadora oficial' não trabalha
A imunização contra a covid transformou Edynez Farias Costa em figura respeitada em Cabeceiras (GO). Mas, ontem, a "vacinadora oficial" da cidade não foi trabalhar. Estava abalada após seu nome ir parar num inquérito da Polícia Federal sobre fraudes em cartões de vacinação. O esquema envolveria o tenente-coronel Mauro Cid e chegaria ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
Cabeceiras: a origem da operação da PF
Desde terça, só se fala da investigação na cidade de estimados 8.000 habitantes, cercada por plantações de milho e soja e distante mais de 300 km da capital Goiânia.
Os moradores esperam os telejornais para se atualizarem com as novidades, que serão discutidas à exaustão nos grupos de WhatsApp locais.
Mas Edynez não foi a única enfermeira usada no suposto esquema revelado pela PF. Dzirrê de Almeida Gonçalves também teve seu nome anotado em um cartão de vacinação. Ser incluída num inquérito da PF a fez se afastar do trabalho desde terça passada.
A operação da PF ainda manchou a reputação de Farley Alcântara. O médico, que havia deixado saudades ao sair de Cabeceiras, teria usado o nome das duas enfermeiras para falsificar cartões de vacinação, conforme a investigação. Uma decepção para quem o conhecida na cidade.
Edynez: uma lutadora na linha de frente contra a covid
Edynez é a vacinadora oficial de Cabeceiras. Vacinou a cidade toda. Eu mesma tomei vacina com ela.
Débora Enéas, procuradora do município
Edynez acabou de ter filho e já andava bastante preocupada com a maternidade. A operação da PF foi um complicador. Ela acabou não indo trabalhar por motivos psicológicos.
Com a mãe amamentando envolvida na investigação, os colegas de posto de saúde se comoverem ainda mais. Edynez trabalha com status de credenciamento, como a prefeitura chama os funcionários temporários. Foi contratada durante a pandemia e recebeu treinamento para reforçar a equipe de enfrentamento à covid-19.
O título de "vacinadora oficial" veio porque trabalhava no posto de saúde do centro, onde a maioria das pessoas se vacinou.
Dzirrê: doente após nome 'cair na boca do povo'
Ela está afastada desde terça-feira. Pegou atestado porque estava com problemas de saúde.
Ivone de Fátima Castro, enfermeira
Cada equipe de saúde na família tem uma vacinadora e Dzirrê nem era a responsável pela tarefa, informou a Secretaria de Saúde de Cabeceiras. O posto que ela ocupava era de coordenadora de uma equipe do Programa Saúde da Família.
Ivone de Fátima Castro é a responsável por aplicar as vacinas e fala com deferência sobre a superior. Ela lamenta a situação e ressalta que Dzirrê já estava anteriormente com problemas de saúde.
Com o nome da coordenadora indo para "a boca do povo" com a operação da PF, seu organismo sucumbiu. Segundo Ivone, uma forte gripe se intensificou e Dzirrê não pôde trabalhar.
Farley: de conduta correta ao fim de uma reputação
Eu não acreditei, porque a conduta dele aqui sempre foi correta. Nunca teve reclamação.
Jakelaine Vieira, funcionária do hospital municipal, sobre Farley
Hoje, o nome do médico Farley Alcântara é acompanhado de palavras como "decepção" e "traição" em Cabeceiras. Ninguém contesta sua capacidade profissional, mas a população afirma que a cidade ficou com a imagem negativa perante o país por causa de Farley.
Thaynara Luiza Santos, 27, atribui a cura da covid-19 dela e dos filhos aos cuidados do médico. Preocupado com a família, o marido dela procurou o médico e recebeu orientações. Mas, quando a admiração é grande, a decepção é maior ainda.
Farley tem duas passagens por Cabeceiras. A primeira foi no Programa Saúde da Família em 2018. Ele voltaria durante a pandemia para trabalhar um final de semana por mês no plantão do hospital municipal.
Jakelaine Vieira, assistente administrativa, diz que a presença dele era garantia de sossego, porque os pacientes adoravam a atenção nas consultas e confiavam nos diagnósticos. Outro ponto positivo era a facilidade no trato com a equipe.
Prefeitura cria comissão para apurar o caso
Fico triste porque um profissional que a gente confiava fazer uma coisa dessas... A gente fica decepcionada.
Cleide Alencar, secretária de Saúde
A Prefeitura de Cabeceiras abriu uma comissão para apurar o caso. Presidente do grupo de trabalho, o secretário de Administração, Enival Ferreira, declarou que os depoimentos começam na segunda-feira (8).
O objetivo é descobrir se realmente houve fraude por parte do médico e, em caso positivo, se ele agiu sozinho. Vários profissionais de saúde vão ser chamados a depor, a começar por Cleide Alencar.
Ela adiantou ao UOL que mencionará uma série de "furos" no cartão que foi usado na suposta fraude: o nome das enfermeiras está escrito errado, não é a letra delas e o lote da vacina não confere com as doses enviadas à cidade.
Cleide declarou que a Secretaria de Saúde vai prestar apoio jurídico às enfermeiras, caso Edynez e Dzirrê sejam convocadas a depor pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).
O esquema, segundo a PF
Segundo a investigação da PF, o tenente-coronel Mauro Cid, que foi ajudante de ordens de Bolsonaro, montou um esquema para fraudar cartões de vacinação, apontando imunização contra a covid para pessoas que não haviam se vacinado.
O esquema começou em Cabeceiras (GO), liberando lotes de vacina para sua mulher, Gabriela Santiago Ribeiro Cid. Houve problemas para inserir os dados no sistema, porque o cartão utilizado era de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, e não aceitava os códigos vindos do município de Goiás.
Depois, a inserção das informações teria sido refeita com cartões em branco. Os cartões serviram para viagens aos Estados Unidos. Em seguida, foram apagadas do sistema.
O processo teria sido replicado para fazer cartões fraudados para Jair Bolsonaro, sua filha, Laura, as três filhas de Mauro Cid e assessores que acompanhariam Bolsonaro em viagem aos EUA.
Cid e mais cinco pessoas estão presas. Bolsonaro nega as acusações.
Como reagiram os bolsonaristas de Cabeceiras
Perto do que os outros políticos fazem, é coisa pequena.
Liandro Levi, comerciante, sobre Bolsonaro e a possível fraude no cartão de vacina
Segundo pesquisa da Quaest, a operação teve "impacto muito forte" na imagem de Bolsonaro. Conseguiu "furar a bolha", mas, entre os militantes, houve quem defendesse o ex-presidente com o argumento de considerar o crime irrelevante.
Assim foi em Cabeceiras, cidade voltada ao agronegócio e moradia de muitos apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro.
O comerciante Liandro Levi, 30, por exemplo, diz crer que Bolsonaro fraudou o cartão de vacina e não vê problema nisso. Ele afirma que o caso é irrisório diante da "roubalheira" dos outros políticos.
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