STF isola Fux e conclui votação pela criação do juiz das garantias em 1 ano
O plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) concluiu hoje (23) a votação, por 10 votos a 1, pela obrigatoriedade da criação do chamado juiz das garantias em todo o país em um prazo de até um ano, prorrogável por mais um mediante justificativa.
O julgamento se arrastou por dez sessões e significou uma derrota para o ministro Luiz Fux, uma das vozes mais críticas do modelo. A proclamação do resultado do julgamento será feita no início da sessão de amanhã (24).
Relacionadas
Como foi o julgamento
Na quinta-feira passada (17), os ministros formaram maioria para considerar obrigatória a criação do juiz das garantias. Votaram a favor da figura jurídica Dias Toffoli, Cristiano Zanin, André Mendonça, Edson Fachin, Nunes Marques e Alexandre de Moraes.
Hoje, seguiram a corrente os ministros Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber. Com o voto dos ministros, foi fixado o prazo de um ano para a implementação, com possibilidade de prorrogação por igual período.
Luiz Fux, relator das quatro ações sobre o tema, terminou isolado. O ministro havia proposto que a implementação do juiz das garantias fosse opcional e a cargo de cada tribunal, de acordo com sua realidade. Nenhum colega o acompanhou.
O que muda
Criado pelo pacote anticrime sancionado por Jair Bolsonaro (PL) em dezembro de 2019, o modelo considera que processos criminais devem ser acompanhados por dois magistrados, em vez de um só.
O juiz das garantias fica responsável pelos processos na fase de investigação. Ele será responsável pela aprovação de medidas cautelares e investigativas, como prisões preventivas e quebras de sigilo. O julgamento do acusado, no entanto, fica com outro juiz.
Embora a lei inicialmente fixasse que juiz das garantias atuaria no caso até o recebimento da denúncia contra o acusado - ou seja, quando a pessoa se torna ré - a maioria do STF, porém, entendeu que a competência deve se encerrar no momento em que o Ministério Público oferece a denúncia.
Dessa forma, o juiz das garantias deixará o processo após o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público e outro magistrado ficará responsável por avaliar o recebimento da peça e, também, o julgamento do acusado.
Defensores do juiz das garantias dizem que a figura jurídica permitirá mais imparcialidade nos processos. Críticos apontam que os tribunais não possuem recursos para implantar o mdelo.
Lava Jato foi alvo de críticas
O julgamento do juiz das garantias teve início ainda em junho, antes do recesso do Judiciário, e consumiu dez sessões do STF desde então.
Hoje, Barroso foi o primeiro a votar e seguiu os colegas pela obrigatoriedade da criação da figura jurídica por considerar que a lei não fere princípios constitucionais e se tratou de uma escolha válida do Congresso sobre o tema.
Apesar disso, ele considerou que o modelo não é, em sua opinião, a solução que enfrenta os problemas do sistema penal brasileiro. Barroso relembrou a questão das drogas — também em pauta no STF — e o encarceramento de jovens negros em detrimento de crimes de colarinho brancos, cujos autores são de classes sociais mais elevadas.
O sistema punitivo brasileiro tem uma ambiguidade. Ele é excessivamente punitivo de um lado e excessivamente leniente de outro - nós oscilamos entre punitivismo e impunidade. E o punitivismo e a impunidade costumam ter classe social e cor.
Roberto Barroso, ministro do STF
O decano do tribunal, ministro Gilmar Mendes, fez questão de listar episódios considerados emblemáticos de "falhas" do Judiciário, mencionando as conversas da Vaza Jato a escândalos como o da Operação Carne Fraca e a Operação Ouvidos Moucos - que culminou no suicidio do reitor Luiz Carlos Cancellier.
Para o decano, o juiz das garantias "não configura uma idiossincrasia brasileira" e se tratou de uma "reação legítima" do Congresso mediante episódios de "graves violações a direitos fundamentais".
Quem acha que tudo isso é normal e que não são necessárias reformas estruturantes para evitar a repetição desses escândalos, certamente não está lendo a Constituição e nem conhece o nosso Código de Processo Penal"
Gilmar Mendes, decano do STF
No meio da fala de Gilmar, Toffoli pediu a palavra e disse que o silêncio no plenário durante o voto do decano no plenário foi "eloquente" e, em um aceno ao governo Lula (PT), afirmou que agentes públicos que cometeram irregularidades na Lava Jato deveriam indenizar a quem prejudicaram, como foi o caso de Cancellier.
O agente público que agiu com dolo deve e pode responder diretamente a quem ele causou dano, como em um caso de suicidio. Essa família merece ser indenizada, não pelo Estado, mas por aqueles que fizeram esse dano. Temos que repensar essa jurisprudência
DiasToffoli, ministro do STF
Fux segurou decisão, e terminou isolado
Ministro mais alinhado aos pleitos da magistratura, Fux via a discussão do juiz das garantias como um tema caro. Em 2020, foi o ministro quem suspendeu a implementação do modelo, segurando por mais de três anos a decisão liminar (provisória) que travou a criação da figura jurídica.
No plenário, Fux terminou isolado e foi o único voto contra a obrigatoriedade do juiz das garantias. Para ele, a lei que instituiu o modelo invadiu as competências do Judiciário e a instalação da figura jurídica deveria ser opcional.
Fux chegou a dizer que a medida era um "canto de sereia" para corrigir falhas do Judiciário, mas que poderia acarretar problemas aos tribunais em um cenário de poucos magistrados e comarcas que contam com apenas um juiz.
O juiz das garantias não passa de um nome sedutor para uma cláusula que atentará contra concretização da garantia constitucional da duração razoável dos processos, do acesso à Justiça para normatividade dos direitos fundamentais.
Luiz Fux, ministro do STF
Durante o julgamento, Fux buscou modular o voto para evitar uma derrota no plenário, mas a demora em se discutir o tema foi apontada — em mais de uma ocasião — por Gilmar Mendes. Em uma das sessões, Fux e Gilmar bateram boca. "Paramos três anos isso!", criticou o decano ao colega.