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Política

Condenada por 8/1 oferece ajuda com fugas e hospedagem na Argentina

Uma vendedora que ajudou a organizar ônibus para os atos golpistas do 8 de Janeiro e, após condenação pelos ataques aos Três Poderes, em Brasília, fugiu para a Argentina, agora oferece auxílio a outros condenados e réus que querem fugir para o país vizinho.

Em conversas por aplicativos com militantes bolsonaristas às quais o UOL teve acesso, Fátima Aparecida Pleti, 63, fala em ajudar a fazer "travessia com segurança" na fronteira do Brasil com a Argentina. Ela também alugou uma casa em La Plata, a 56 km de Buenos Aires, onde disponibiliza vagas em quartos por R$ 500 a R$ 600 ao mês por pessoa, segundo relataram foragidos do 8/1 ao UOL.

Se tiver alguém aí do [inquérito número 49] 21 com risco de voltar pra prisão ou do [inquérito número 49] 22, manda falar comigo que eu ajudo a fazer a travessia com segurança e vim [sic] pra cá.
Fátima Pleti, em áudio para militantes

A reportagem visitou duas vezes a casa onde Fátima mora e aluga quartos para foragidos em La Plata —no começo de junho, quando não foi encontrada, e na última quinta-feira (4).

O sobrado possui três quartos, sala, cozinha, dois banheiros e uma garagem. Ao menos seis brasileiros condenados ou investigados por tentativa de golpe no Brasil moravam no local em junho. Uma bandeira do Brasil —que, no mês passado, indicava a presença de brasileiros— já não se encontra mais no interior do imóvel.

Fachada e sala da casa alugada por Fátima Pleti em La Plata
Fachada e sala da casa alugada por Fátima Pleti em La Plata Imagem: UOL e Reprodução/UOL

Na quinta-feira, Fátima se identificou como Aparecida (seu segundo nome) e recusou-se a falar com a reportagem. Na ocasião, ela estava acompanhada de uma brasileira que se identificou apenas como Camila e afirmou ser estudante de medicina. Duas crianças brincavam na garagem.

Fátima, que se apresenta como vendedora autônoma, foi condenada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) a 17 anos de prisão por tentativa de golpe de Estado, entre outros crimes. Em março, ela quebrou a tornozeleira eletrônica e fugiu para a Argentina. As fugas de réus e condenados pelo 8/1 para a Argentina e Uruguai foram reveladas em maio pelo UOL. O governo Lula (PT) negocia com o governo Javier Milei a extradição dos foragidos.

Ela negou os crimes ao UOL, em entrevista por telefone na semana passada, e disse que o relator de seu processo, o ministro do STF Alexandre de Moraes, "vai pagar". Fátima interrompeu a conversa antes de esclarecer as ofertas de ajuda para fugas. O advogado dela disse que não comentará o caso.

'Montei essa casa pensando em outros patriotas'

Nos áudios obtidos pelo UOL, Fátima destaca que é preciso levar dinheiro à Argentina para moradia e alimentação. Com a ajuda de amigos de Bauru (SP), ela fez contatos com argentinos e alugou a casa em La Plata. Segundo afirmou, o objetivo era ajudar militantes.

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"Eu poderia estar pensando só em mim. Montei essa casa pensando em outros patriotas", disse ela a outros envolvidos no 8/1. "A gente está dividindo as despesas", afirmou.

O advogado Mariel Marra, que defende condenados e réus pelos atos golpistas, também afirma que, após organizar ônibus para o 8 de Janeiro, Fátima agora ajuda fugitivos do Brasil.

"Eu tenho conhecimento de que ela participou dessa organização [dos ônibus] de modo ativo e ofereceu agora, recentemente, ajuda para outras pessoas para fugirem para a Argentina", disse. "Essa ajuda era oferecer uma casa, um quarto, um abrigo para essas pessoas que estão fugindo para a Argentina. Naturalmente, esse abrigo não é oferecido de graça. É paga uma quantia."

Na conversa de Fátima com militantes à qual o UOL teve acesso, ela não deu detalhes sobre como se daria a travessia para a Argentina. Sob condição de anonimato, um dos integrantes do grupo dela revelou, contudo, que um taxista em Foz do Iguaçu (PR) é acionado para fazer o transporte de foragidos até Puerto Iguazú (Argentina), região da tríplice fronteira, cobrando R$ 130. O UOL foi à região de fronteira, mas não localizou esse motorista.

Fugas foram financiadas, diz advogado

O transporte e a hospedagem na Argentina de alguns fugitivos foram financiados por terceiros, segundo relata Mariel Marra.

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O advogado diz que pessoas no Brasil pagaram ônibus de foragidos para o exterior, mas ele não soube identificar quem seriam os financiadores. "Existe sim um grupo forte financeiramente por trás que está bancando essas fugas."

Tive conhecimento de pessoas que foram para lá [Argentina] e apareceu essa oferta de ônibus. A pessoa nem sabe quem é que pagou ônibus. Obviamente tem alguém por trás financiando essas fugas.
Mariel Marra, advogado de envolvidos no 8/1

A informação é corroborada por Fátima em conversas por aplicativos com envolvidos no 8/1.

Ela contou que chegou a Buenos Aires e se dirigiu a um albergue, onde permaneceu por dois dias. Segundo Fátima, havia vários fugitivos do Brasil hospedados no local. A foragida disse que teve a estadia paga, mas não identificou quem arcou com os custos. "Eles não deixaram eu pagar minha hospedagem. Eu insisti para pagar. Não me deixaram."

Fátima admite ter organizado ônibus para o 8/1

Ao UOL, Fátima contou que ajudou um empresário chamado William —o nome completo não foi revelado pela militante— a organizar ônibus saindo de Bauru (SP) para o ato de 8 de janeiro.

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Segundo ela, o empresário pagou as despesas do transporte. "Ele [o empresário] alugou um ônibus, queria alugar outro e me pediu para ajudar a encher o ônibus", afirmou.

Fátima Pleti no interior do Senado durante invasão dos Três Poderes no 8 de Janeiro
Fátima Pleti no interior do Senado durante invasão dos Três Poderes no 8 de Janeiro Imagem: Reprodução/STF

Na ocasião, Fátima disse que idosos e crianças não poderiam ir. "O momento é outro", escreveu em uma rede social. No entanto, esse segundo coletivo não chegou a sair de Bauru na noite de 8 de janeiro. Àquela altura, a polícia já havia debelado o quebra-quebra em Brasília, e os militantes que não haviam sido presos tinham retornado ao QG do Exército.

"Nossa ida a Brasília seria em oração pelo Brasil, uma manifestação pacífica", disse. "Era um momento de oração, de adultos, não era momento de misturar crianças porque a gente não sabia o que poderia acontecer. Falaram que iam ter muitos infiltrados e eu fiquei com medo."

Fátima negou ter danificado patrimônio ou praticado outros crimes. "Não sou criminosa e não cometi nada de errado. Todos vão pagar, inclusive Alexandre de Moraes", afirmou ao UOL. "Eu não abaixo a cabeça para ninguém porque eu ando corretamente e vou continuar andando."

A foragida, que também estaria vendendo doces em La Plata para ajudar nas despesas, disse que está "vivendo um inferno" e que deixou um marido doente no Brasil. "Vocês não têm noção do que eu estou sofrendo", disse.

Fátima Pleti interrompeu a entrevista ao UOL antes de a conversa ser concluída. O advogado dela, Hélio Ortiz Júnior, foi questionado sobre as ofertas de ajuda para travessia e hospedagem em sua casa, mas se recusou a responder: "Não irei me pronunciar", afirmou.

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'Pressão' para fugir

O advogado Marra disse que os militantes que decidiram ficar no Brasil para cumprirem suas penas ou fazerem acordos são pressionados a fugirem por quem já está na Argentina. "Quem está na Argentina está tratando essas pessoas como se elas fossem fracas, covardes, por elas não fugirem como eles."

O nível de pressão psicológica é absurdo, desumano, com quem decide ficar aqui porque tem família e filhos, que não quer fugir, que quer encarar as consequência por mais que discorde. Elas estão sofrendo essa pressão de quem fugiu. Eu acho isso aí lamentável.
Mariel Marra, advogado

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