ONG campeã de emendas usa firma de fachada para lucrar com castração animal
A ONG campeã em financiamentos por emendas parlamentares, conforme ranking feito em investigação da CGU (Controladoria Geral da União) — deflagrada por reportagens do UOL —, usa uma empresa de fachada para faturar com aluguel de trailer em projeto de castração animal. Esse tipo de entidade é proibido de ter fins lucrativos.
Como funciona o esquema
Em julho, a ONG ICA (Instituto Carioca de Atividades) pagou R$ 199 mil por um ano de aluguel do chamado "castramóvel" à empresa BH2G Soluções e Serviços Administrativos.
No entanto, a reportagem constatou — por meio da placa do veículo, cuja foto aparece em relatório da Unirio — que o trailer pertence a outra ONG, a Con-tato. Trata-se de mais uma forma de ONGs lucrarem indiretamente com serviços pagos com recursos públicos. O UOL já mostrou, por exemplo, a contratação de empresas de parentes ou dos próprios dirigentes dessas entidades.
Os recursos saíram de emenda do deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ) para o projeto Animais e Cia, tocado em parceria com a Unirio (Universidade Federal do Estado do RJ).
As ONGs ICA e Con-tato integram uma rede que recebeu quase meio bilhão de reais em emendas parlamentares entre 2021 e 2023, como revelou a série de reportagens "A Farra das ONGs".
Após as publicações, o ministro do STF Flávio Dino determinou que a CGU fizesse um pente-fino nos recursos de emendas para ONGs. A Con-tato aparece no topo da lista de um grupo de dez entidades investigadas, com R$ 137 milhões, de 2020 até este ano.
Sede da empresa na casa do tio
Por telefone, Douglas da Silva Castro, 36, dono da BH2G, admitiu que subloca o veículo para o ICA, mas não quis dar detalhes sobre como isso acontece.
Em setembro, o UOL esteve na sede da empresa — uma residência em Jacarepaguá, zona oeste do Rio. No endereço, quem atendeu foi uma pessoa que disse ser tio de Douglas e não ter detalhes sobre a firma.
Douglas confirmou que a sede é na casa do tio e disse que estava em vias de mudar o endereço da empresa.
O contrato da BH2G com o ICA para o fornecimento dos "castramóveis", assinado em março, envolve o valor total de R$ 597 mil pela locação de três trailers por um ano. Até agora a ONG pagou R$ 199 mil, referentes ao aluguel de um veículo por um ano — o valor do aluguel anual bate com o preço médio da compra desse tipo de trailer.
A BH2G também assinou outro contrato, no mesmo projeto Animais e Cia, de R$ 116 mil para "manutenção de equipamentos", sem qualquer documento que especifique quais equipamentos seriam. Pelo serviço, já foram pagos R$ 29 mil.
O que dizem outros citados na reportagem
O deputado Pedro Paulo vem afirmando que cabe à universidade e aos órgãos de controle a fiscalização da execução das emendas.
A Unirio disse que há em atuação uma comissão de monitoramento de projetos. "Despesas não justificadas ou que levem a eventual desvio em relação aos valores aprovados podem implicar devolução do recurso ao erário e responsabilização legal dos dirigentes."
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Quero receberO presidente do ICA, Nicodemos Mota, afirmou, por email, que "não cabe à instituição fiscalizar quem é o dono dos veículos alugados pela empresa".
A Con-tato foi procurada, por meio de sua assessoria de imprensa, mas não se manifestou.
Proposta antes da criação
Criada em 14 de dezembro do ano passado, a BH2G enviou proposta de preços para a venda de insumos para castrações a outro projeto do ICA, o Ação Cidadã, também financiado por emenda de Pedro Paulo.
A proposta, de cerca de R$ 500 mil, foi enviada em 6 de dezembro ao ICA, portanto mais de uma semana antes de a firma ter sido aberta.
A vencedora acabou sendo a AP Santos, que, conforme o UOL já revelou, vendeu o anestésico veterinário cetamina sem autorização do Ministério da Agricultura.
R$ 1,5 milhão em contratos
Apesar de ter menos de um ano de existência, a BH2G já assinou um total de R$ 1,5 milhão em contratos com ONGs que recebem emendas parlamentares.
Além do ICA (R$ 713 mil), a Promacom assinou cinco contratos em fevereiro com a empresa, no valor total de R$ 876 mil. Os serviços variam da realização de eventos a fornecimento de material gráfico e monitoramento de projetos.
A firma ainda foi responsável pela elaboração de cartilhas sobre prevenção ao uso de álcool em um projeto em parceria com a Unirio. A BH2G recebeu R$ 99 mil, apesar de as três cartilhas que constam no site do projeto terem sido feitas por bolsistas da universidade, sem qualquer referência à empresa. Douglas não comentou sobre esse serviço.
A Promacom afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que "o fato de a BH2G ter sido aberta recentemente não gera impeditivo legal, de acordo com a legislação vigente". "Aproveitamos para comunicar que a mesma encontra-se suspensa e nosso processo de compliance interno está na sua fase final."
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