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Poder das big techs a serviço de Trump é ameaça à civilização

Não bastava Elon Musk, o homem mais rico do mundo, ser promovido a grande conselheiro do segundo governo de Donald Trump, depois de financiar parte da sua campanha. Agora, outro magnata Mark Zuckerberg, da Meta, rendeu-se também aos encantos do presidente americano que toma posse no próximo dia 20. Juntos, eles controlam boa parte das redes sociais do planeta.

Os três bilionários, afinal, são homens de negócios, acima de tudo, e se acham os donos do mundo. Me lembram aquele personagem do Charlie Chaplin, o Carlitos, equilibrando e chutando uma bola com o mapa-mundi, no tempo em que ainda não se falava em big techs.

Quem ameaçava a civilização naquela época era um europeu de bigodinho na Alemanha, em busca do "lebensraum", o tal espaço vital da "Deutschland Über Alles", o movimento nazista que levou o mundo à Segunda Guerra Mundial, após a invasão da Polônia, em 1939. Também não se levavam muito a sério as ameaças de Hitler, assim como agora muitos acham que Trump está blefando ao falar em anexar o Canadá, o Panamá e a Groenlândia ao seu projeto MAGA (Make America Great Again).

Em lugar de tropas, canhões e aviões de bombardeio, as novas armas são mais silenciosas e invisíveis. Atendem pelo nome de algoritmos, que capturam corações e mentes mundo afora, no embalo das fake news, enquanto movem montanhas de dinheiro para as big techs colocadas a serviço da megalomania de Trump e seus comparsas cibernéticos.

Se tudo der certo para eles, nós outros estaremos lascados. O mundo não será mais o mesmo que conhecíamos até o final do ano passado. Será muito mais perigoso, dominado por governos de extrema direita, sem mediação entre capital e trabalho, sem direitos fundamentais. Será um retrocesso civilizatório, com a destruição das democracias ocidentais como as que conhecemos hoje.

Antes mesmo da posse de Trump, Elon Musk já está fazendo campanha aberta para a Alternativa para a Alemanha (AfD), o partido neonazista que está em segundo lugar nas pesquisas das eleições marcadas para fevereiro, e já se ofereceu para combater o que chamou de "ditadura" do governo trabalhista do Reino Unido.

Zuckerberg, até agora, se limitou a liberar geral as fake news e teorias da conspiração nas suas redes (Facebook e Instagram), eliminando qualquer serviço de checagem, e a denunciar "tribunais secretos" na América Latina e a "censura" praticada por países da União Europeia, que estão buscando estabelecer regulamentações para a atividade das big techs.

Em outras palavras, os dois aliados de Trump querem liberdade absoluta para promover sua guerra política e cultural planetária, faturando lucros cada vez maiores, sem respeitar as leis nacionais e colocando em risco a soberania dos países.

Por aqui, o governo do presidente Lula já acendeu o sinal de alerta e convocou uma reunião de ministros na sexta-feira para estudar como reagir à ofensiva da Meta de Zuckerberg. O advogado-geral da União, Jorge Messias, vai coordenar um grupo interministerial para estudar que medidas podem ser adotadas para impedir o clima de "terra de ninguém" instalado nas redes.

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Messias deu 72 horas para a Meta explicar quais das mudanças anunciadas por Zuckerberg esta semana serão adotadas no Brasil. O governo pretende também pressionar a nova direção do Congresso para desengavetar o PL das Fake News, que Arthur Lira, o atual presidente, engavetou no ano passado depois de tramitar por 5 anos na Câmara. A oposição bolsonarista e o poderoso lobby das big techs impediram até agora que o PL fosse a votação.

Até o momento em que escrevo, os parlamentares não deram nenhum pio sobre o assunto. A primeira reação veio, mais uma vez, do Supremo Tribunal Federal em que vários ministros se manifestaram contra as mudanças da Meta no mesmo dia em que foram anunciadas por Zuckerberg. E é o STF que está mais perto de estabelecer regras claras para a regulamentação das big techs, diante da omissão do Congresso.

Foi ao tribunal brasileiro que o dono da Meta se referiu ao falar de decisões secretas, depois que Alexandre de Moraes enquadrou o X de Elon Musk e o obrigou, depois de suspender suas atividades, a nomear um representante no Brasil.

Mas o enfrentamento das big techs não pode ser uma iniciativa só do Judiciário e do Executivo. A sociedade civil também deveria se manifestar, pois este é um assunto que afeta a todos os brasileiros ligados nas redes. Na verdade, trata-se de algo tão grave, tão disruptivo, que precisaria unir os países democráticos, como já aconteceu na União Europeia, contra este ataque cibernético fora de qualquer controle, a mais poderosa arma dos tempos modernos.

Caso contrário, em breve, não teremos mais eleições livres em nenhum lugar, sem a interferência direta dos que pretendem ser os donos do mundo, montados no dinheiro e nos algoritmos, empoderados pela nova administração Trump.

Carlitos não poderia imaginar que um dia isso pudesse acontecer.

Vida que segue.

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