Nunes monta aliança para enfrentar Câmara mais radical e vereadores famosos
Com a saída oficial de Milton Leite (União) da Câmara e a chegada de novos vereadores, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), precisou se articular e criar uma estrutura no início de seu segundo mandato para garantir a aprovação dos projetos de lei que serão enviados à Casa.
O que aconteceu
Os vereadores da base ainda são maioria, mas parte deles se diz independente. Embora a situação seja formada oficialmente por 38 dos 55 vereadores, 15 deles já sinalizaram que não estarão 100% alinhados com o prefeito —seja por meio do apoio a Pablo Marçal (PRTB) durante as eleições, seja por posições ideológicas mais à direita.
Filiado ao PL, o vereador mais votado de São Paulo é um dos independentes. Lucas Pavanato reforçou ao prefeito sua posição na última sexta (10) ao ser chamado para tratar de indicação para subprefeitura. "Como base, eu teria de abrir mão do direito de fiscalizar de forma mais incisiva, que é algo que eu pretendo fazer", disse.
No União Brasil e no Progressistas também há vereadores com o perfil de Pavanato. O jornalista e ex-BBB Adrilles Jorge (União) afirma que tem a "postura de independência da prefeitura, mas de comunhão com a gestão, não de oposição ferrenha". Nos bastidores, os políticos afirmam que o prefeito deve ser mais fiscalizado nesse mandato que é integralmente seu, já que anteriormente ele assumiu a gestão de Bruno Covas, que morreu em maio de 2021.
Projetos de lei precisam do apoio mínimo de 28 vereadores para serem aprovados. Para as mudanças na lei orgânica, o prefeito precisa do aval de dois terços dos 55 vereadores —37 votos. Nessas votações, Nunes deve ter mais dificuldade para conseguir os votos necessários. Nos últimos anos, o emedebista teve até o apoio do PT em determinadas pautas, como na votação da lei de zoneamento.
Espero que o prefeito, até pela necessidade que existe de se formar uma maioria dentro da Câmara, enxergue a bancada ideológica como esse fiel da balança e faça uma gestão mais eficiente e mais à direita.Lucas Pavanato (PL), vereador
Liberação de emendas estará em discussões para ter apoio com grupo ligado ao centro, diz vereadora do PSOL. Uma das mais votadas na última eleição, a novata Amanda Paschoal afirma que, com vereadores "mais radicais", o Executivo deve "também se resolver a partir de emendas, mas com concessões mais conservadoras e reacionárias na política".
Oficialmente, a base aliada afirma que o apoio ao prefeito é garantido. Os vereadores dizem que o prefeito e sua equipe conseguirão superar eventuais resistências e levar os próximos quatro anos mantendo uma boa relação com a Câmara Municipal. "O início de toda legislatura é um desafio, mas nós vamos conseguir votar os projetos importantes para a cidade", disse o líder do governo na Casa, Fábio Riva (MDB).
Número de vereadores de oposição representa outro desafio para o prefeito. Para Luna Zarattini (PT), o fato de o grupo contar com 18 representantes "abre espaço para uma atuação mais forte", já que com 19 votos é possível barrar a aprovação de determinados projetos na Câmara.
PT espera ter maior interlocução com prefeito. Representantes do partido afirmaram que Nunes ainda não os chamou para conversas após a posse e que a interlocução com ele está reduzida desde o período eleitoral, quando a legenda apoiou a candidatura de Guilherme Boulos (PSOL) —derrotado no segundo turno por Nunes.
Não sei se esse grupo mais radical vai dar mais trabalho para nós da oposição, para o prefeito ou para população, pelo fato de jogarem muito com a internet, mas entregarem pouco em termos de transformação real da cidade.
Luna Zaratinni (PT), vereadora
Alianças formadas
Trabalho de interlocução da gestão começou em 2024 com a indicação da presidência da Câmara. O prefeito defendeu o nome de Ricardo Teixeira (União), enquanto Milton Leite sugeria seu apadrinhado Silvão (União). Teixeira é conhecido de Nunes e, na avaliação do emedebista, fará a articulação necessária na nova legislatura.
Nunes também nomeou Enrico Misasi (MDB) para secretaria da Casa Civil. Misasi é aliado do prefeito e participou ativamente da campanha eleitoral. O novo chefe da pasta tem experiência na interlocução política, porque além de presidente do diretório municipal do MDB em São Paulo, ele foi deputado federal por um mandato.
A orientação do prefeito na primeira reunião do secretariado era de que os pedidos de vereadores passassem por Misasi. Nunes disse aos novos secretários que uma nova relação deveria ser construída e pediu que os auxiliares sempre envolvessem a Casa Civil nas conversas com o Legislativo. Antes disso, Misasi era presidente do diretório do MDB de São Paulo.
O líder do governo na Câmara afirmou ao UOL que fez duas reuniões com Misasi. Segundo Riva, o secretário tem experiência no assunto e entende da importância de manter o diálogo permanente com os vereadores. "Essa tem sido a tônica do nosso trabalho", disse o vereador.
Vamos ter um início de ano bastante tumultuado, com um debate mais ideológico, mas acredito que em dois e três meses vamos conseguir discutir a cidade com os projetos do Executivo e também dos vereadores.
Fabio Riva, líder do governo na Câmara
Os arranjos foram feitos, porque Nunes se preocupa, segundo aliados, com vereadores autodenominados independentes. Antes, o emedebista contava com a boa articulação de Milton Leite, que presidiu a Câmara por quatro anos. Com Leite, Rubinho Nunes (União) comandou comissões e a corregedoria mesmo com movimentações polêmicas — como a tentativa de CPI contra Julio Lancellotti em 2024.
Apesar dos esforços, prefeito exibe pouca paciência com infiéis da base. Em entrevista no último dia 2, Nunes disse, por exemplo, que só apoiaria uma eventual candidatura de Rubinho Nunes (União) à presidência da Câmara em 2026 caso o vereador —que fez campanha para Marçal na última disputa— demonstre arrependimento pela opção que fez.
Ano começa com expectativas
Vereadores avaliam que mudança na Câmara foi "muito grande". A renovação de 20 das 55 cadeiras trouxe membros com postura "diferente" da usual, como ficou claro na eleição da mesa diretora no último dia 1º —quando parte dos independentes não seguiram um dos acordos, que era votar no PT para 1ª secretaria da Casa.
Influência de Milton Leite deve diminuir, mas não desaparecer. Na opinião de vereadores entrevistados pelo UOL, o ex-presidente da Câmara pode ter um papel importante para "acalmar os ânimos" de novatos mais exaltados e mesmo dentro do União Brasil, partido pelo qual atuou na Casa até decidir não disputar a reeleição em 2024.
Prioridades variam de acordo com o campo ideológico. Enquanto a esquerda planeja privilegiar pautas ligadas à questão social e meio ambiente, membros da direita citam saúde e mobilidade urbana como temas que serão objeto de atenção especial por parte deles.
Vai haver uma federalização da Câmara, segundo Adrilles. Para o vereador, a Câmara de São Paulo "será o espelho de uma guerra cultura e política do que está no país".