Novo secretário de Nunes teve gestão denunciada por racismo institucional

O secretário de Segurança Urbana de São Paulo, Orlando Morando, teve a gestão denunciada no Ministério Público de São Paulo e no Fórum Permanente sobre Afrodescendentes da ONU por prática de racismo institucional quando era prefeito de São Bernardo do Campo, de 2017 a 2024. Morando nega as acusações.

O que aconteceu

Denúncia foi entregue ao Ministério Público de São Paulo, em 2022, e ao fórum da ONU, em 2023. O documento foi elaborado pela Uneafro, Movimento Negro Unificado, Instituto de Referência Negra Peregum e pelo Projeto Meninos e Meninas de Rua de São Bernardo do Campo. Procurado pelo UOL, o MP-SP informou que a Promotoria de Justiça de São Bernardo do Campo afirma que acompanha o caso (leia mais abaixo).

A gestão de Morando na prefeitura é acusada de desmonte de políticas públicas. Em janeiro de 2019, o município deixou de repassar verba para o programa Casa Abrigo Regional, destinado ao acolhimento de mulheres e ao enfrentamento à violência de gênero, segundo a denúncia feita pelas entidades e confirmada pelo UOL junto ao Consórcio Intermunicipal Grande ABC.

A iniciativa existe desde dezembro de 2003 e é custeada e administrada pelo consórcio do ABC. São Bernardo deixou a entidade em 2022, mas, nos últimos dias, teve a volta autorizada à entidade.

São Bernardo do Campo era responsável por 43% da verba de R$ 1 milhão anual da iniciativa. Por mês, a cidade repassava R$ 36,3 mil —totalizando R$ 435,6 mil por ano.

Prefeitura ficou por dois anos sem custear o programa, o que teria fragilizado o atendimento. De 2019 a setembro de 2021, a Prefeitura de São Bernardo do Campo repassou apenas R$ 59 mil ao programa, valor correspondente a uma parcela da iniciativa, disse o consórcio.

Como consequência disso, os relatos informais de mulheres que visitaram essas Casas Abrigo apontam a precariedade das instalações e a necessidade urgente de reformas [...] O município de São Bernardo do Campo ao fragilizar esse atendimento, de modo a sucatear o orçamento, prejudicando a oferta e a qualidade dos serviços das Casas Abrigo, incorre em mais uma prática inficionada pelo racismo institucional.
Trecho da denúncia dos movimentos contra São Bernardo do Campo

Prefeitura também teria movido ação de despejo contra projeto que atende crianças e adolescentes em situação de rua. O município moveu, em 2021, ação judicial para despejo do imóvel em que funcionava o Projeto Meninos e Meninas de Rua, que só "não ocorreu em razão da atuação conjunta da comunidade e resistência pacífica do projeto", segundo a denúncia.

Gestão queria terreno para construir centro para idosos e contestou uso do imóvel. Segundo o processo consultado pelo UOL, os advogados que representaram o município alegaram que não havia foto de salas ocupadas por crianças em aprendizado interno nas redes sociais da entidade e que havia "agrupamento de crianças voltadas a ideologia política".

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Falta de recorte racial nas estatísticas do município também foi alvo da denúncia. Até 2021, o Painel de Estatística da Prefeitura de São Bernardo do Campo não comportava recorte racial, servindo como um dos elementos denunciado pelas entidades. Após a denúncia, o anuário de 2022, publicado em outubro de 2023, continha recorte racial, conforme verificado pela reportagem.

Falta de celebrações para a população negra

Prefeitura realizou OktoberFest, mas cancelou Carnaval. As entidades reclamam que, em novembro de 2021, a prefeitura realizou um evento similar à OktoberFest, que atraiu 70 mil pessoas em dois finais de semana, enquanto cancelou o Carnaval de 2022.

Mudança do Dia da Consciência Negra também gerou reação de entidades. A prefeitura adiantou a data de novembro para março de 2021 para conter uma variante da covid-19, não celebrando a data no período. "Em oposição à importância da data, a prefeitura de São Bernardo do Campo em 2021, não promoveu nenhum evento de pequena ou grande monta para resgatar a memória de resistência da população negra na cidade", reclamam as entidades.

Movimentos também apontaram falta de isonomia com espaços de religiões de matriz africana. Os movimentos afirmam que um terreiro de candomblé ficou sem lugar após sair de uma comunidade que passou por urbanização, enquanto os espaços para as religiões cristãs, que também foram afetados, tiveram locais cedidos para continuarem as atividades.

Todas as denominações religiosas cristãs conseguiram seus espaços na nova organização do território, e as denominações de religião de matriz africana não, demonstrando flagrante falta de isonomia e quebra do acordo, que não foi cumprido.
Trecho da denúncia sobre as religiões

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Denúncia gerou outra disputa judicial

Após a denúncia, Morando entrou com queixa-crime contra membros de entidades. Morando alegou na Justiça que Marco Antonio da Silva, coordenador do Projeto Meninos e Meninas da Rua, e Fabíola Carvalho, coordenadora da Uneafro, cometeram calúnia e difamação na denúncia.

Não há dúvidas de que imputação dessa natureza afeta a pessoa de Orlando Morando e macula tanto sua imagem pública quanto privada, vez que provoca indevida desonra do querelante principalmente perante a população preta do município de que é prefeito, acusando-lhe ofensivamente de condutas com as quais jamais coadunaria.
Trecho da queixa-crime de Morando

Morando perdeu em duas instâncias e tese foi derrubada pelo relator do recurso, Aguinaldo de Freitas Filho. "Apesar de serem críticas contundentes, não foi demonstrado que os recorridos tiveram a intenção de atingir a honra do querelante, mas, sim, objetivaram relatar fatos que estariam ocorrendo na cidade, buscando melhores atuações políticas".

Assim, não se verifica a intenção de macular a honra do recorrente, apenas criticar a atuação como agente político e buscar mudanças de conduta, diante das medidas praticadas por ele, que consideram prejudiciais.
Trecho da decisão de Aguinaldo de Freitas Filho

O que diz o Ministério Público

Promotoria de Justiça de São Bernardo do Campo afirma que acompanha o caso. O Ministério Público de São Paulo informou ao UOL que a Promotoria de Justiça de Inclusão Social de São Bernardo do Campo instaurou um Procedimento de Acompanhamento Administrativo a partir da denúncia.

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Neste procedimento, está sendo acompanhado o cumprimento do acordo assinado no Projeto Cidade Antirracista. No âmbito do projeto, o município criou, no ano passado, o Conselho Municipal da Igualdade Racial. O MPSP aguarda a implementação de outras iniciativas.
Ministério Público de São Paulo, em nota ao UOL

Gestão de Morando agiu após denúncia e criou políticas afirmativas, segundo MP. "O município também criou a lei de cotas raciais em concursos públicos. São Bernardo foi a primeira cidade da Grande São Paulo a aderir do Projeto Cidade Antirracista".

O que diz o agora secretário

A gestão de Orlando Morando em São Bernardo do Campo afirma que avançou no combate ao racismo, em nota enviada ao UOL. E lista uma série de projetos que teriam sido implementados pelo governo municipal.

Foi a primeira cidade da Região Metropolitana a aderir ao Projeto Cidades Antirracistas junto ao Ministério Público, criou o Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial, fez a entrega de cartilha com reflexões sobre educação antirracista para todos profissionais da educação, estudantes e famílias, e implementou, ainda, Lei Municipal que reserva 25% das vagas oferecidas nos concursos públicos da cidade aos negros e legislação que pune atos de discriminação ou preconceito por conta da raça, cor e etnia dentro dos equipamentos esportivos com multa de R$ 5 mil até R$ 15 mil.

Prefeitura diz que passou a contar com a Casa da Mulher e rebate denúncia sobre a falta de custeio do programa Casa Abrigo Regional. "O município passou a contar com a Casa da Mulher, serviço especializado que oferece acolhimento às vítimas de violência doméstica e seus filhos temporariamente por meio de convênio com a Prefeitura de São Caetano. A cidade também ganhou a primeira Casa da Mulher Paulista da região do ABC, equipamento para apoio psicossocial, orientação jurídica e atendimento especializado".

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O que diz a prefeitura de São Bernardo do Campo

Nova gestão mira políticas afirmativas. Sob a gestão de Marcelo Lima (Podemos), a prefeitura de São Bernardo do Campo disse ao UOL que tem feito estudos e vem adotando medidas para colocar políticas afirmativas em prática.

Administração avalia novo convênio com o programa Casa Abrigo. "Em julho de 2023, o convênio com o Consórcio foi encerrado, e a prefeitura firmou nova parceria com São Caetano para manutenção da Casa Abrigo - esse acordo segue vigente até 31 de dezembro de 2025. Com o retorno de São Bernardo ao Consórcio, a gestão avalia a ampliação do atendimento, por meio de um novo convênio com a Casa Abrigo", diz a gestão Marcelo Lima em nota.

Conselho e fundo para igualdade racial e combate ao racismo sairão da Secretaria de Cidadania e da Pessoa com Deficiência. "A partir de 1º de fevereiro de 2025, a política afirmativa de igualdade racial passará a ser de responsabilidade da Secretaria de Assistência Social. No entanto, a lei que formaliza essa transição ainda não foi publicada, e a gestão está em processo de adequação para começar a implementação desta política".

Mais discussões de políticas públicas sobre igualdade racial. "A primeira reunião do conselho ocorreu no fim de 2024. A segunda se dará em fevereiro e, neste encontro, será deliberado em relação ao plano de ação municipal de Combate ao Racismo", diz a nova gestão.

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