Lula chega ao ano da COP30 sem cumprir promessa sobre Autoridade Climática

A poucos meses da COP30, o presidente Lula (PT) não cumpriu a promessa de criar uma Autoridade Climática, que seria responsável por coordenar ações do governo federal para o enfrentamento das mudanças climáticas e seus efeitos. A estrutura do órgão tem gerado divisão na Esplanada dos Ministérios.

O que aconteceu

Não houve consenso dentro do governo sobre a estrutura do órgão. O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima elaborou um texto que estabelecia que a autoridade climática deveria estar vinculada à pasta. A Casa Civil, porém, defende que a entidade fique subordinada à Presidência da República.

Pessoas próximas à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmam que o texto inicial está engavetado na Casa Civil. Interlocutores alegam que há resistência do ministro Rui Costa à proposta, e que o debate sobre o assunto sequer tem ocorrido dentro do governo.

Também há divergências sobre o formato. Não foi definido se a autoridade seria uma secretaria com status de ministério ou uma autarquia. Na prática, para criar uma nova estrutura de governo, o Executivo precisa do aval do Congresso, o que poderia ser um obstáculo, considerando a atual composição da Câmara, que está mais alinhada à direita.

Outra alternativa seria criar o órgão por meio de decreto, subordinado a um ministério. Nesse caso, no entanto, a autoridade ficaria sem orçamento próprio e com menos poder.

A retomada da política ambiental foi uma das bandeiras de campanha de Lula. Neste ano, o Brasil sediará a COP30, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, marcada para novembro, em Belém (PA). O evento tem grande investimento do governo federal.

Promessa de campanha

A criação da autoridade climática foi uma das condições que Marina Silva estabeleceu para apoiar formalmente a candidatura de Lula. Ela entregou uma carta de compromissos ao petista em setembro de 2022, durante a campanha eleitoral, após anos de afastamento.

Criar a autoridade Nacional de Segurança Climática, responsável pelo estabelecimento de metas e verificação da implementação das ações para a redução das emissões de gases de efeito estufa, aumento de resiliência e preparação para adaptação às mudanças climáticas. Carta de Marina Silva a Lula, em setembro de 2022

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Em setembro do ano passado, diante das queimadas que atingiam a Amazônia, Lula anunciou a criação do órgão, mas a medida não saiu do papel. "Nosso foco precisa ser a adaptação e preparação para o enfrentamento a esses fenômenos. Para isso, vamos estabelecer uma autoridade climática e um comitê técnico científico que dê suporte e articule implementação das ações do governo federal", declarou, em visita a Manaus.

Ao tomar posse como ministra do Meio Ambiente, em janeiro de 2023, Marina afirmou que o órgão seria criado até março daquele ano. "De imediato, foi recriada a Secretaria Nacional de Mudança do Clima no MMA, que inclui um departamento de políticas para oceano e gestão costeira. Além disso, até março deste ano será formalizada a criação da Autoridade Nacional de Segurança Climática, no âmbito do Ministério do Meio Ambiente", disse à época.

Durante a transição, a própria Marina chegou a ser cotada para ocupar o cargo. Ela defendeu publicamente que a Autoridade Climática seja um órgão técnico e diretamente vinculado ao Ministério do Meio Ambiente.

Na COP27, no Egito, antes mesmo de assumir, Lula prometeu que o combate às mudanças climáticas teria "o mais alto perfil na estrutura" de seu governo. A declaração aumentou a expectativa de ambientalistas sobre a criação da autoridade climática.

Especialistas sinalizam decepção com a política ambiental do governo. "A melhor autoridade climática que o Brasil poderia ter é o presidente da República. É preciso que o presidente esteja plenamente envolvido nessa agenda e que o ministro da Casa Civil cumpra as atribuições que lhe foram dadas no Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima", diz Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima. "Se isso acontecesse, a autoridade climática faria menos falta."

O que diz o governo

Em nota, a Casa Civil disse que está em diálogo permanente com o Ministério do Meio Ambiente para avaliar "quais seriam os contornos" da medida de criação da Autoridade Climática. "Ainda não há proposta formalizada e as áreas técnicas dos ministérios estão trabalhando nisso", informou a pasta.

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Em entrevista publicada em setembro no jornal O Globo, Rui Costa disse que criar o órgão não seria suficiente para resolver os efeitos das mudanças climáticas. "Vamos discutir. Tem que refletir muito. Ela não existe em nenhum lugar do mundo no conceito que veio. Encontramos só nos Estados Unidos, que tem um caráter muito mais diplomático. Se vamos ser os primeiros, temos que refletir quais os limites e as possibilidades", disse.

Não é isso que vai resolver. Se fosse assim, a Europa e os Estados Unidos já tinham resolvido. Bastava criar a Autoridade Climática e não tinha mais incêndio florestal no mundo. Rui Costa, ministro da Casa Civil

O ministro também criticou o modelo elaborado pelo ministério. "Na proposta que veio, está subordinada ao Meio Ambiente. Autoridade Climática subordinada ao ministro, (como cargo de) segundo escalão... Então, ou é autoridade ou é um departamento. Eu não sei. Precisamos refletir e fazer mais perguntas. A meu ver, a discussão da estrutura não pode ser maior do que a discussão dos objetivos e do conteúdo", declarou.

Procurado pelo UOL, o Ministério do Meio Ambiente disse que os encaminhamentos sobre o enfrentamento à mudança do clima no governo federal estão sendo realizados com a coordenação da Casa Civil. A pasta afirmou que o debate envolve outros ministérios mais diretamente ligados à questão, como Integração e Desenvolvimento Regional, Defesa, Justiça e Segurança Pública e Meio Ambiente e Mudança do Clima. Mas não se manifestou sobre a situação da autoridade climática.

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