Velório de bispa expõe conexão da igreja com direita e distância para Lula

O culto fúnebre da bispa Keila Ferreira, líder da Assembleia de Deus Ministério Madureira, na última segunda-feira (3) expôs os laços da direita com as igrejas evangélicas de maior representação no país e mostrou como o governo Lula segue distante desse setor da sociedade.
O que aconteceu
Uma das mais poderosas Assembleias de Deus, o Ministério Madureira angariou força política nos últimos anos. Não à toa, além do legado na comunidade evangélica, o falecimento de bispa Keila levou lideranças a divulgarem notas de pesar —o presidente Lula foi uma deles. No culto fúnebre, entretanto, apenas nomes da direita marcaram presença.
A ausência de representantes do governo foi vista como um sinal de desprezo pelo pastor Silas Malafaia. Para o líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, "quando um segmento social é importante, você manda um representante, isso é política". As críticas foram rejeitadas pelo pastor batista Oliver Goiano, que coordena o núcleo de evangélicos do PT. "Lula não instrumentaliza a fé como faz o bolsonarismo", disse.
Para especialista, a ida de representantes do governo poderia ser vista como oportunismo. "Claro que a ausência é percebida, mas pode ter ali uma preocupação de causar algum tipo de atrito numa situação como essa", afirma Vinicius do Valle, diretor do Observatório Evangélico e doutor em ciência política pela USP.
Bolsonaro não discursou no culto fúnebre, mas foi citado com honras. "Chega aqui para o povo te ver, o povo tá com saudade", disse o bispo Abner Ferreira, que conduzia a cerimônia, em referência ao ex-presidente. Na sequência, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) tomou lugar no púlpito, citou passagem bíblica e discursou. "Existem pessoas que são dignas do sacrifício de Cristo na cruz, e a bispa Keila é uma dessas pessoas", disse.
A boa recepção a Bolsonaro se deve à relação construída com as lideranças da igreja. A Assembleia de Deus Ministério Madureira chegou a receber candidatos de esquerda no passado, como Dilma Rousseff em 2014 (leia mais abaixo). Entretanto, é a aliança do bispo Samuel Ferreira, líder da denominação no Brás, com o ex-presidente Bolsonaro, que prevalece.
A aliança política do bispo Samuel com nomes da direita é de longa data. Imagens divulgadas do culto fúnebre, por exemplo, mostram ele sendo acolhido pelo presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab. O partido foi escolhido pela igreja para filiar seus representantes na política —Cezinha de Madureira (SP), na Câmara dos Deputados, e Oséias de Madureira, na Alesp.
Presença de políticos no local é algo "natural", explica o deputado federal Cezinha de Madureira. Segundo o parlamentar, o político tem que estar em todo lugar, ainda mais na "maior igreja do país".
Ali é um lugar que é a liderança nacional da igreja. É natural as pessoas se fazerem presentes ali. O político tem que estar em todo lugar.
Cezinha de Madureira, ao UOL
Sobre a presença de nomes da direita, o deputado conta que, ao longo dos anos, "muita gente" conheceu a bispa Keila. "Quando há pessoas que exercem uma influência sobre o povo, é natural que o político esteja próximo. No caso, havia muita gente que tinha uma vivência ao longo dos anos com ela", afirmou.
Eleições à vista e a relação do PT
A presença de políticos no entorno da igreja é estratégica para as eleições de 2026. A bispa Keila, por exemplo, além de ser conhecida nacionalmente entre os evangélicos, presidia a Confederação de Irmãs Beneficentes Evangélicas Nacional e do Congresso Feminino em São Paulo.
Ida de políticos de direita ao velório é uma forma de "marcar território", aponta especialista. "Principalmente para mostrar um alinhamento para o eleitorado evangélico, para o público evangélico, e também uma demonstração de respeito", diz Guilherme Galvão Lopes, pesquisador da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
Dentro de uma corrente do pentecostalismo, que é dominada pelos homens, isso é uma demonstração de respeito. Em primeiro lugar, em reconhecimento a essa importância e a repercussão que isso teve no meio evangélico, em especial no meio feminino.
Guilherme Galvão, sobre a morte da bispa Keila
Mulheres evangélicas estão entre os indecisos. O grupo integra o eleitorado que interessa aos candidatos em uma corrida eleitoral em que cada voto importa. Em 2022, Bolsonaro contou com o apoio da mulher, Michelle, para atrair esse eleitorado, por exemplo. A então primeira-dama fez um tour pelo Brasil —diferentemente do marido, ela é declaradamente evangélica.
A força da Madureira influencia o conjunto de igrejas que não estão sob a "mesma placa", diz Valle. Para o diretor do Observatório Evangélico, brasileiros de outras denominações olham para essas lideranças e, por isso, a atuação dos políticos é a de jogar de "forma pragmática".
Em 2021, antes do período eleitoral, Lula saiu em uma foto com o bispo primaz Manoel Ferreira. Na época, houve a especulação de uma possível aliança —a costura política, entretanto, ficou a cargo do bispo Samuel, que se manteve com Bolsonaro.
Manoel teve boas relações com o PT desde os primeiros governos de Lula. Em 2010, ele apoiou a candidatura de Dilma publicamente e foi coordenador do movimento evangélico da campanha. Na ocasião, lideranças de 15 igrejas apoiaram a candidatura da petista.
"Flexibilidade política" de Manoel é um dos fatores que faz a igreja ser visada pelos políticos, diz especialista. A proximidade do bispo com figuras que vão do ex-deputado federal Roberto Jefferson ao ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho o colocam como alguém que transita com "facilidade no meio político", segundo Galvão.
É por isso que o pastor petista diz acreditar que o governo Lula tem espaço para furar a bolha. Para Goiano, enquanto o bolsonarismo defende o debate teológico e moral, o PT quer uma discussão focada em propostas. "O governo quer diminuir o uso de drogas, a Assembleia de Deus também quer", exemplificou.
O ano de 2010 começou com uma fração importante dos evangélicos junto com os governos do PT, mas rapidamente esse apoio foi se perdendo ao longo dos anos. E mesmo antes da crise do impeachment, quando a gente está falando do PNDH3 [documento lista medidas de combate à desigualdade de gênero, raça e a LGBTfobia], a gente já via um certo afastamento. A década de 2010 marcou o afastamento dos evangélicos da esquerda.
Vinicius do Valle, diretor do Observatório Evangélico
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