Demissão de economista expõe racha no PSOL entre ala de Boulos e radicais

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A demissão do economista David Deccache pelo PSOL revelou o aprofundamento da divisão interna sobre a relação do partido com o governo Lula. O episódio expôs a disputa de poder pelos rumos da sigla entre quem defende o apoio ao petista e aqueles que querem o endurecimento das críticas à gestão.
O que aconteceu
Deccache foi demitido após uma reunião da bancada do PSOL na Câmara dos Deputados, na quarta-feira (5). O economista era assessor do partido na Casa e teve o desligamento decidido por maioria, em uma votação feita pelos parlamentares. A iniciativa de levar o assunto para votação foi da deputada federal Talíria Petrone (RJ), nova líder do partido na Câmara.
A exoneração dividiu deputados do PSOL. Votaram pela demissão sumária Guilherme Boulos, Érika Hilton, Luciene Cavalcante e Ivan Valente, de São Paulo; Henrique Vieira, Tarcísio Motta e Talíria Petrone, do Rio de Janeiro; e Célia Xacriabá, de Minas Gerais. Luiza Erundina e Sâmia Bomfim, de São Paulo; Glauber Braga e Chico Alencar, do Rio de Janeiro; e Fernanda Melchionna, do Rio Grande do Sul votaram para que Deccache tivesse direito à defesa e fosse ouvido pela bancada antes da decisão.
Deccache é crítico da política econômica do governo Lula. Em publicações nas redes sociais, ele já chamou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de "agente do mercado" e culpou a gestão petista pelo aumento da taxa básica de juros e o "arrocho fiscal". O economista também acusou o governo de "tentativas de ataque" ao piso constitucional da educação e da saúde e ao BPC (Benefício de Prestação Continuada).
O economista alega que foi exonerado por causa dos ataques ao governo e acusa Boulos de perseguição. Em publicações no X (antigo Twitter), Deccache afirma que o deputado federal tem capitaneado um movimento de "assédio", "coerção" e "autoritarismo" contra críticos de Lula para entregar o partido ao governo. Ele ainda reclama de supostamente não ter sido ouvido pela bancada antes de ser demitido.
Há uma crise interna profunda no PSOL — mas ela é apenas a superfície de algo ainda maior: a falência de uma esquerda hegemônica que, incapaz de liderar pelo consenso, recorre agora à coerção e a métodos inadmissíveis na nossa tradição política. Em seu desespero por? https://t.co/tufsYSbEOo
-- David Deccache (@deccache) February 6, 2025
Deputados negam as acusações de Deccache. Em nota divulgada nesta quinta-feira (6), os parlamentares que votaram pela demissão afirmaram que ele foi exonerado por fazer ataques públicos a deputados e à presidente do partido. Eles relataram que o economista se referia a integrantes da sigla como "oportunistas", "covardes" e "mentirosos" e classificaram o comportamento como "inadmissível". A nota também disse ser mentira que Deccache não foi ouvido antes do desligamento e informou que dois deputados próximos a ele foram designados pela liderança da bancada em dezembro para conversar com o economista sobre os ataques, mas a postura continuou.
Esposa de Boulos fez críticas a Deccache. Natália Szermeta publicou na quinta-feira, na sua conta no X, que o desligamento do economista não tem relação com divergências políticas. Ela escreveu que ele tem uma "prática inaceitável" de usar as redes para "constranger e ofender" os parlamentares do PSOL e que a bancada do partido "acertou" ao demiti-lo.
Não tenho o costume de usar as redes para fazer debates sobre o PSOL, mas desde o 8Congresso Nacional, em 23, a minoria de 1/3, vem fazendo debates internos de forma pública e agora passaram dos limites. Se vc tem interesse no assunto segue o
-- Natália Szermeta (@NSzermeta) February 6, 2025
Racha sobre rumos do PSOL
A demissão do economista tem como pano de fundo o racha no PSOL sobre o futuro do partido. O episódio opôs os dois grupos que protagonizam essa disputa. De um lado, o MES (Movimento Esquerda Socialista), ala liderada por figuras como Sâmia e hoje minoritária na sigla. Do outro, o PSOL de Todas as Lutas, que reúne nomes como Boulos e Érika Hilton e é o campo majoritário.
Radical, MES defende que partido endureça críticas ao governo. A avaliação desta ala, mais afinada com o pensamento de Deccache, é de que o PSOL precisa fazer o enfrentamento a políticas consideradas neoliberais da gestão petista, como o arcabouço fiscal, que retiraria direitos sociais. O MES já havia sido contra o apoio do partido à candidatura de Lula em 2022, defendendo o lançamento de Glauber Braga (PSOL) na disputa. A posição, no entanto, não prevaleceu.
"Todas as Lutas" acusa MES de querer jogar partido na oposição a Lula. Grupo que representa cerca de 70% da direção partidária, o campo afirmou em nota que a ala minoritária faz um debate interno de "maneira pública e desrespeitosa" e que é um erro grave de parte da esquerda não compreender "os riscos do avanço da extrema-direita aqui e no mundo e tenha seu horizonte limitado a disputas internas". O grupo defende o apoio ao governo, mas com enfrentamento das contradições e limites da gestão.
Grupo minoritário avalia que Boulos quer deixar o partido menos à esquerda. Segundo integrantes do partido ouvidos pela reportagem, o deputado estaria articulando um movimento semelhante ao feito na candidatura a prefeito de São Paulo em 2024, quando adotou um discurso mais moderado. A ideia seria aproveitar a revisão do programa político da sigla, a primeira após 20 anos de fundação, para amenizar a filosofia mais à esquerda da legenda. As discussões sobre o tema devem começar ainda neste mês.
Glauber Braga afirmou que corrente liderada por Boulos discute formar federação entre PT e PSOL. Em live no Instagram nesta sexta-feira (7), o deputado disse que a revisão do programa político seria para "facilitar a possibilidade de federação futura, a partir de um elemento efetivamente moderador das nossas posições". Atualmente, o PSOL integra uma federação com a Rede Sustentabilidade.
Boulos é um dos integrantes do PSOL mais próximos a Lula. O deputado articulou a aliança do partido com o petista nas eleições de 2022 e, em troca, recebeu o apoio do presidente na disputa pela prefeitura da capital paulista. O psolista também ampliou a influência dentro do PSOL em 2023, com a eleição de Paula Coradi para presidente nacional da legenda, com apoio dele. A vitória representou uma derrota para a MES, que havia lançado outra candidatura.
Fontes ligadas a lideranças do partido negam negociações com PT. De acordo com elas, não há nenhuma conversa em curso sobre o assunto e as afirmações neste sentido seriam uma tentativa da ala minoritária de vociferar publicamente para movimentar a militância, diante da falta de espaço dentro da sigla.
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