Maricá: Com salários atrasados e críticas, Quaquá foca em futebol e samba
Ler resumo da notícia

Figura que divide opiniões dentro do PT, o prefeito de Maricá, Washington Quaquá, aposta no apoio ao time de futebol e escola de samba da cidade, que devem alcançar bons resultados neste ano, enquanto enfrenta críticas à sua gestão, com atraso em pagamentos de servidores terceirizados.
O que aconteceu
Maricá F.C. está entre os quatro primeiros no Campeonato Carioca. Em seu primeiro ano na divisão de elite, o time está à frente de equipes tradicionais — como Fluminense e Botafogo — e chegou a liderar o torneio em alguns momentos. Presidente do clube, Arlen Pereira é secretário de Gestão de Quaquá.
Pereira foi coordenador de transição do atual prefeito após a vitória no ano passado. Quaquá participou das articulações para criar o clube em 2017. À época, o então prefeito Fabiano Horta (PT) chegou a fornecer estrutura da prefeitura para realização de seleções de jogadores, as chamadas peneiras.
Patrocinadora do clube é gerida por mulher de Quaquá. Com um anúncio na parte de trás da camisa do Maricá, o Camarote Favela — espaço vip para assistir desfiles na Sapucaí — tem como gestora a primeira-dama Gabriela Lopes.
A prefeitura afirmou, em nota, que o clube de futebol é uma entidade privada que não recebe recursos públicos.
Prefeitura investiu R$ 8 milhões no desfile da União de Maricá. Nove vezes maior que o valor a ser recebido pelas concorrentes, a quantia torna a escola uma das favoritas ao título na Série Ouro — divisão que dá acesso ao Grupo Especial. Em 2024, o então prefeito Horta fez aporte igual na agremiação.
Favoritismo exagerado incomoda concorrentes. Durante ensaio no último dia 26, o presidente da União da Ilha Ney Filardi fez menção à Maricá. "Não invejo o dinheiro que vocês têm. Tem dinheiro? Enfia naquele lugar!", disse ele. Na Câmara Municipal, a oposição também se opõe ao apoio financeiro dado à agremiação.
A prefeitura afirmou, em nota, que aprova o investimento na escola de samba União de Maricá —realizado pela gestão passada, segundo a administração municipal— e o considera fundamental para a divulgação da cidade durante o Carnaval.
É uma ligação muito promíscua, na qual público e privado se confundem o tempo todo. O presidente do clube é secretário de Governo e há patrocinadores com relação direta com o prefeito. Votei contra a doação dos R$ 8 milhões à escola de samba.
Ricardo Netuno (PL), vereador em Maricá
Caso de servidores-dirigentes se repete na escola de samba. Diretor executivo na União de Maricá, João Carlos Birigu chefia a Secretaria de Direitos Humanos de Maricá. Já o presidente Juliano Oliveira é subsecretário de Saúde. A agremiação espera alcançar resultado melhor do que em 2024, quando ficou com o 4º lugar.
União de Maricá homenageará neste Carnaval a mãe de santo Cacilda de Assis. O desfile será assinado por Leandro Vieira, campeão pela Mangueira em 2019, com um tributo a Marielle Franco e outros heróis brasileiros. Em janeiro, Quaquá, que é também vice-presidente do PT, recebeu críticas após reunião com o clã Brazão, acusado de ser mandante do assassinato da vereadora.
Subvenção a escola de samba já rendeu problemas a Quaquá no passado. No último dia 27, o TCE-RJ (Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro) negou um recurso da Prefeitura de Maricá em um processo relativo a uma ajuda de R$ 3 milhões concedida em 2013 pelo órgão à Acadêmicos de Grande Rio, que homenageou a cidade naquele ano. A cidade era governada por Quaquá nessa época.
Tribunal entendeu que houve "injustificado dano ao erário municipal". Para conselheiros, prestação de contas da subvenção continha "irregularidade decorrente de despesas impugnadas" — ou seja, parte dos gastos feitos pela escola com dinheiro público para o desfile não foi vista como justificável.
O 'neodesenvolvimentismo' de Quaquá x reclamação da população

Quaquá vê time e escola como partes de um projeto maior. Em vídeo nas redes sociais, ele se refere às entidades como "duas construções que nós fizemos para colocar Maricá no centro do mundo". "É o neodesenvolvimentismo que nós queremos trazer para o Brasil a partir da nossa querida Maricá", diz ele na gravação.
Maricá enfrenta problemas e foco em futebol e Carnaval gera críticas. Motoristas, merendeiras e outros funcionários terceirizados que recebem pela prefeitura afirmam que estão com salários atrasados. O UOL conversou com servidores —que não se quiseram se identificar— e eles relataram dívidas e outras dificuldades diante da falta de pagamento. Procurada, a prefeitura afirma que "resolverá a situação em breve".
Nosso subsecretário é presidente da União de Maricá e, talvez por isso, não tenha tempo para resolver os nossos problemas.
Funcionário que recebe da prefeitura e preferiu não se identificar
Maricá nega atrasos. Após a publicação da reportagem, a Prefeitura de Maricá afirmou, em nota, que não há qualquer atraso no pagamento dos salários.
"Aguardei mais de um ano por um exame", diz moradora. A mulher, que também preferiu não se identificar por temer represálias, diz que faltam médicos e remédios no Hospital Conde Modesto Leal, o único do município —o que a prefeitura nega.
O hospital está abastecido com os medicamentos, conta com equipe completa e realiza, em média, 600 atendimentos por dia. Em relação aos exames, eles são agendados pela Central de Regulação, com marcações de acordo com critérios de classificação de risco, como preconiza o SUS. Com isso, os casos classificados como de urgência possuem prioridade, seguindo para os quadros menos graves.
Prefeitura de Maricá, em nota enviada ao UOL
Quase 70% de Maricá não tinha acesso à coleta de esgoto em 2022. Segundo dados da ultima edição do Censo, realizada em 2022, menos de 70 mil dos 200 mil moradores viviam em locais conectados à rede — contra mais de 125 mil que usavam fossas ou despejam dejetos em lagos e rios. Prefeitura afirma que cobertura saltou de 3% para 30% desde 2019 e que investiu R$ 500 milhões na área só em 2023 e que outros R$ 160 milhões foram repassados no ano seguinte pela União para obras de saneamento e drenagem.
Gratuitos desde 2014, ônibus de Maricá são alvos de queixa por demora para passar. Passageiros reclamam que as linhas circulam com intervalos que variam entre 30 minutos e até uma hora na maioria dos bairros da cidade. "A EPT segue monitorando o fluxo de usuários para viabilizar melhorias", afirma a prefeitura. A EPT é a Empresa Pública de Transportes, que pertence ao município.
Amado por uns, odiado por outros

PT comanda Maricá há 16 anos. Quaquá está em sua terceira gestão à frente do município, as outras duas foram entre 2009 e 2016. Houve ainda outras duas de Horta, entre 2017 e o ano passado. Neste mandato, Quaquá planeja emplacar seu filho, Diego, como presidente do diretório estadual do partido. Diego é secretário de Habitação da cidade do Rio atualmente.
Quaquá é motivo de discórdia no partido e elogio aos Brazão fez crescer movimento por expulsão.O UOL apurou que uma ala, composta pelo deputado federal Lindbergh Farias (RJ) e outros nomes próximos à cúpula, não o aprova. Já a ala integrada pelo deputado federal Jilmar Tatto (SP) e outros críticos dos rumos adotados pelo partido, simpatiza com Quaquá. Procurados, os parlamentares não retornaram.
Capacidade de diálogo seria um ativo dentro da legenda, avalia cientista política. "Sua capacidade de manter relações e construir diálogos é um ativo importante para o PT", afirma a professora de ciência política da UFRJ, Mayra Goulart
Apesar de força nos bastidores do PT, influência de Quaquá é limitada na região. O prefeito nunca emplacou aliados no comando de municípios próximos. Um exemplo é São Gonçalo, onde o atual prefeito, Capitão Nelson, é do PL — partido que faz oposição a Lula e tem Jair Bolsonaro como um dos chefes.
Quaquá é uma figura não-óbvia, que vai para além do binarismo direita-esquerda
Mayra Goulart, professora de Ciência Política da UFRJ e coordenadora do Laboratório de Partidos, Eleições e Política Comparada
Município é o que mais recebe royalties de petróleo no país. O dinheiro é pago por empresas que exploram o óleo. Segundo a Agência Nacional do Petróleo, foram R$ 224 milhões apenas em janeiro e cerca de R$ 2,7 bilhões ao longo de 2024 — quase metade do orçamento da cidade no ano, que foi de R$ 7 bilhões.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.