Ofensiva contra funk com apologia ao crime chega a 12 capitais e Congresso

Vereadores de 12 capitais, deputados estaduais e federais e um senador apresentaram projetos de lei para proibir a apresentação de artistas que façam apologia ao consumo de drogas e ao crime organizado em eventos promovidos pelo poder público.

O que aconteceu

Cantores de rap e funk têm sido citados como alvos principais da ofensiva. O movimento surgiu a partir de um projeto de lei protocolado pela vereadora Amanda Vettorazzo (União Brasil) na Câmara Municipal de São Paulo. A proposta foi batizada de "PL anti-Oruam", em referência ao rapper do Rio de Janeiro. Ele é filho de Marcinho VP, líder do Comando Vermelho que foi preso em 1996, fugiu e foi recapturado no ano 2000. A parlamentar convidou ele e o funkeiro MC Poze do Rodo para debater o projeto na Casa.

Pelo menos 12 capitais já têm projetos parecidos, a maioria apresentada por vereadores do União Brasil e do PL. Além da capital paulista, a proposta foi protocolada em Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Campo Grande, Fortaleza, Curitiba, Vitória, João Pessoa, Porto Alegre, Cuiabá, Porto Velho e Natal.

Proposta apresentada pelos parlamentares é inconstitucional por aplicar censura prévia, afirma pesquisador. "É inconstitucional você preventivamente deixar de contratar um artista com a suposição de que uma ou outra música dele pode fazer apologia ao crime", diz Danilo Cymrot, doutor em Direito pela USP e autor do livro "O funk na batida: Baile, rua e parlamento".

Vettorazzo criou um site com o nome e fotos de Oruam para incentivar vereadores a protocolar o projeto em outras cidades. Apesar de não citar nenhum gênero musical no texto, ela já disse que as músicas de Oruam "abriram as porteiras para que rappers e funkeiros começassem a produzir músicas endeusando criminosos e líderes de facções". Procurado, o cantor não se manifestou até a publicação desta reportagem.

População está cobrando que vereadores protocolem projeto em suas cidades, diz a parlamentar da Câmara de São Paulo. "O vereador cobrava: 'Posso protocolar? Onde está o projeto?' A gente recebeu muita ligação nesse sentido. Agora, o que a gente sente é que muito município está cobrando vereador", conta Vettorazzo.

No Congresso

Projeto também chegou ao Congresso na semana passada. O deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP), que é coordenador do MBL (Movimento Brasil Livre) ao lado de Amanda Vetorazzo, apresentou o texto na Câmara. Outros 46 deputados assinaram. No Senado, a iniciativa foi do senador Cleitinho (Republicanos-MG).

Kataguiri alega que Oruam é "uma figura emblemática que promove o crime em seus shows". Ele também afirma que recebeu ameaças de seguidores do cantor, assim como Amanda Vettorazzo, que registrou um BO contra o artista.

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Sem mais exemplos de artistas para citar. Questionado se tinha nomes de outros artistas ou músicas que se enquadrem no projeto, o deputado não soube responder.

Não vamos recuar e a causa só ganha tamanho. Quando a gente levar para a comissão de segurança pública, se bobear pode ser aprovado até por unanimidade devido à composição. Deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP)

Iniciativas parecidas já foram aprovadas em outros lugares. As Câmaras Municipais de Cruzeiro e São José dos Campos, no interior de São Paulo, aprovaram o projeto. Em Santa Catarina, o governador Jorginho Mello (PL) sancionou uma lei que proíbe a reprodução de músicas, videoclipes e coreografias que façam apologia ao crime, ao uso de drogas ou a sexo nas escolas públicas e privadas do estado. Já o prefeito de Carmo do Rio Claro (MG), Filipe Carielo (PSD), proibiu especificamente o funk nas escolas.

Retaliação à cultura periférica

Produções culturais da periferia são "criminalizadas", diz deputada do PSOL. Coordenadora da Frente Parlamentar do Funk na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo), a deputada Ediane Maria fala em "perseguição" ao rap e ao funk, fazendo com que outros projetos que proíbam investimento na cultura periférica avancem no legislativo se essa proposta for adiante.

A deputada acredita que o projeto serve para instaurar medo na população. "Colocam aquele medo de que 'sua criança está usando droga por causa do funk'. Esse projeto instaura medo e um receio na sociedade".

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Proposta abre um "precedente" perigoso, afirma articulador nacional do Movimento Funk. O cientista político Bruno Ramos acredita que qualquer expressão cultural poderia ser "restringida" com base em suposições e não em fatos concretos.

Para ele, a proposta pode ser interpretada como "retaliação" à cultura preta e periférica. "Atinge, diretamente, expressões culturais que nascem e se desenvolvem nesses territórios. A criminalização prévia de manifestações artísticas específicas ignora a diversidade, e a importância dessas expressões na construção da identidade cultural do país".

Quando você vai lá, abre a boca e ganha espaço, eles silenciam. Hoje, o medo vai ser instaurado com essas pautas conservadoras que são danosas aos pretos.
Ediane Maria (PSOL), coordenadora da Frente Parlamentar do Funk na Alesp

Eu pergunto se esses deputados também vão proibir o sertanejo que fala sobre bebida alcoólica. Inúmeros shows são contratados em ambientes e praças públicas em que os cantores cantam sobre bebida alcoólica.
Danilo Cymrot, doutor em Direito pela USP

Kataguiri nega censura. Ele alega que seu projeto não impede a contratação, mas prevê que haja uma cláusula no contrato que proíba a expressão, veiculação ou disseminação de apologia ao crime organizado no decorrer da apresentação.

Errata:

o conteúdo foi alterado

  • Diferentemente do informado antes, Marcinho VP não foi preso em 2009, e sim em 1996, fugiu, e depois foi recapturado no ano 2000. A informação foi corrigida.

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