Quem é a única mulher denunciada pela PGR por trama golpista de Bolsonaro

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Ex-diretora de Inteligência do Ministério da Justiça no governo Bolsonaro, Marília Ferreira de Alencar é a única mulher denunciada pela PGR (Procuradoria-Geral da República) pela trama golpista após a vitória de Lula (PT) nas eleições de 2022 —34 pessoas foram denunciadas.
Envolvimento nas blitze de 2022
Marília colaborou para que a Polícia Rodoviária Federal impedisse eleitores do Nordeste de votar no segundo turno das eleições de 2022. Na ocasião, ela era diretora de Inteligência do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Servidor percebeu desvio de conduta de Marília. Com a proximidade do segundo turno, Marília pediu coleta de dados sobre os locais onde Lula (PT) havia tido votação expressiva contra o então presidente e candidato Jair Bolsonaro (PL) no primeiro turno, o que levantou suspeita e foi percebido pelo funcionário encarregado da coleta de dados.
Ele expressou perplexidade diante das solicitações de Marília Alencar, dado que o seu trabalho deveria se concentrar na segurança das eleições, e não na análise de resultados que poderiam orientar as ações da PRF.
Trecho da denúncia da PGR
PGR considera que houve "manejo indevido" das forças de segurança para dificultar a votação de eleitores nas regiões onde Lula venceu no primeiro turno. "Verificou-se, nesse momento, o manejo indevido das forças de segurança pública para dificultar a votação de eleitores no candidato da oposição. Ficou evidente que o grupo tentava, pelo uso da força estatal, forjar um resultado eleitoral favorável".
A análise das comunicações confirma o esforço incessante, crescente e coordenado para manipular o processo eleitoral - não somente pelas narrativas infundadas de fraude, mas também pelo empenho de força material impeditiva do acesso de presumidos eleitores do adversário às urnas temidas.
Paulo Gonet, procurador-geral da República, em denúncia apresentada ao STF
Gonet afirma que Marília fez parte do grupo que tentou "sustentar a permanência ilegítima" de Bolsonaro na presidência. "Em um segundo plano, os denunciados com posições profissionais relevantes gerenciaram as ações elaboradas pela organização. Silvinei Vasques (ex-diretor-geral da PRF), Marília Ferreira de Alencar e Fernando Sousa de Oliveira coordenaram o emprego das forças policiais para sustentar a permanência ilegítima de Jair Messias Bolsonaro no poder."
Marília integrava grupo que compartilhava informações sobre coleta de dados. Entre os arquivos, havia planilhas que mostravam onde estava a maior concentração de eleitores de Lula e também de Bolsonaro. Em uma das mensagens, do dia 13 de outubro de 2022, a diretora afirmou que em Belford Roxo o "prefeito é vermelho" —em referência a Lula —e que precisaria reforçar policiamento em rodovia. "Menos 25 mil votos no 9", disse ela —o número nove é uma forma de bolsonaristas se referirem a Lula, que tem nove dedos.
Ela demonstrou também preocupação com cidades do Sul onde Lula havia tido mais votos. Nas conversas, Marília cita que em Pelotas foi "52x36 pro Lula", além de Porto Alegre, onde havia sido "49x39 pro Lula".
Expectativa pela promoção de Silvinei. Nos diálogos do grupo, Marília elogiou o então diretor-geral da PRF pelo empenho, dizendo que ele seria promovido ao cargo de diretor-geral da Polícia Federal.
Em contato com o UOL, a defesa de Marília não quis se manifestar.
Omissão no 8 de Janeiro
Conduta de Marília, Fernando de Sousa Oliveira e Anderson Torres na Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal revelaram "descumprimento deliberado do dever", afirma PGR. A análise do celular de Marília - que depois de deixar o Ministério da Justiça foi para a SSP-DF, forneceu elementos relevantes sobre o comportamento "omissivo" dela em conjunto com Torres, que era o chefe da pasta, e Oliveira, secretário-executivo.
As omissões foram cruciais para a consumação dos eventos de insurgência de 8.1.2023. As práticas malsãs foram identificadas a partir da análise de conversas dos grupos de WhatsApp "Difusão" e "CIISP MANIFESTAÇÕES", que reuniam agentes de diferentes órgãos de segurança pública, e havia sido criado justamente para auxiliar na solução de incidentes durante os protestos previstos para janeiro de 2023.
Trecho da denúncia da PGR contra Marília
Grupos foram criados às vésperas do 8 de Janeiro para tratar de informações pertinentes das manifestações. O coronel Jorge Henrique, coordenador de Assuntos Institucionais da Inteligência da SSP-DF, afirmou, na criação do grupo "Difusão", em 4 de janeiro, que o canal estava aberto para facilitar o compartilhamento de dados e informações pertinentes ao acompanhamento de manifestações, atos e eventos que poderiam causar impacto na segurança estadual.
Manifestação do dia 8 de Janeiro foi comunicada três dias antes. No dia 5, o coronel ressaltou que estavam programados atos para os dias 6,7,8 e 9 de janeiro, incluindo uma convocação para a ação "Tomada de Poder".
No dia 6 de janeiro, Marília discutiu sobre as manifestações com Fernando de Sousa Oliveira. Já no dia 7, véspera dos ataques, ela estava "plenamente ciente" das manifestações contra o resultado das eleições, segundo a procuradoria.
Marília falou ao coronel da possibilidade de confrontos na Esplanada dos Ministérios na tarde do dia 7. Naquele dia, eles já tinham conhecimento dos 105 ônibus fretados que chegavam a Brasília, transportando aproximadamente 3.900 passageiros.
Capitão chamou atenção para "sinais de animosidade" no dia 8. Na manhã dos ataques golpistas, Antônio Dias afirmou que os manifestantes discutiam abertamente a intenção de "tomar o poder". Os diálogos continuaram com relatos sobre a dinâmica das manifestações e a identificação de pessoas armadas com objetos como "pau, estilingue e ripas com pregos".
Ela só voltou a falar no grupo horas após o início dos ataques. Às 16h50, quase duas horas após os golpistas invadirem o Palácio do Planalto, Marília enviou sua primeira mensagem no grupo, dizendo que a Força Nacional estava subindo para o Palácio.
PGR afirma que Torres, Marília e Oliveira agiram em prol da "ruptura institucional". "A vontade do agente deve ser considerada na avaliação de suas ações e omissões, daí se poder afirmar que Anderson Gustavo Torres, Fernando de Sousa Oliveira e Marília Ferreira de Alencar, ao não cumprirem seus deveres, fizeram uma escolha consciente por agir em prol da ruptura institucional."
Os atos omissivos não foram meramente falhas de execução, mas decisões voluntárias que impactaram diretamente a segurança e na integridade do processo democrático, a serviço dos interesses da organização criminosa com a qual estavam implicados. Existem, portanto, elementos probatórios suficientes que demonstram que os denunciados, por meio de omissão imprópria e grave descumprimento de deveres funcionais, aderiram subjetivamente às ações delitivas cometidas por terceiros.
Trecho da denúncia da PGR
A ex-diretora prestou depoimento à comissão dos atos antidemocráticos da Câmara Legislativa do DF em março de 2023. À época, afirmou que a inteligência "não fracassou" no caso dos ataques à praça dos Três Poderes, em Brasília.
Os informes mostravam possibilidade de "fatos alarmantes, embora não confirmados", disse Marília na CPI. Segundo ela, os golpistas apresentavam "ânimos exaltados, dispostos a confronto com as forças de segurança", ocupação de prédios públicos, e que visavam a "tomada de poder". "No dia 7 de janeiro informamos que havia manifestantes com ânimos exaltados e dispostos a enfrentar as forças de segurança. Avisamos isso várias vezes", afirmou Marília.
Quem é Marília Alencar
Marília Alencar começou a carreira como assessora jurídica na PGR, cargo que ocupou de agosto de 1999 a março de 2005. De abril de 2005 a abril de 2006, ela foi assessora no gabinete do subprocurador-geral da República.
Ela entrou na Polícia Federal em julho de 2007. Na corporação, passou pela assessoria do diretor de logística e administração policial e foi chefe da divisão de administração da Academia Nacional de Polícia. Na academia, ela foi assessora do diretor entre 2015 e 2017.
Em 2021, Marília foi nomeada como diretora de Inteligência da Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça e Segurança Pública, chefiada por Anderson Torres. No cargo, ela elaborou um mapa com locais onde Lula (PT) foi bem votado no primeiro turno em 2022, segundo investigação da PF citada pela PGR. Barreiras da PRF foram montadas nestes lugares no segundo turno.
Com a derrota de Bolsonaro, ela foi nomeada para trabalhar na Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, comandada por Torres. Dias após os ataques do 8 de Janeiro, Marília foi exonerada pelo então interventor do Distrito Federal, Ricardo Cappelli. Ela era chefe da inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal.
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