EUA x Moraes: entenda o caminho que o projeto fará no Congresso americano

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O Comitê Judiciário da Câmara dos Representantes dos EUA aprovou um projeto de lei que pode impedir a entrada do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes no país. Especialistas apontam "viés seletivo" e "distorção intencional" no projeto, que pode ser usado como retaliação política contra o Brasil.
O que aconteceu
O projeto de lei estabelece a proibição de entrada e deportação de estrangeiros que supostamente violem a liberdade de expressão de cidadãos americanos. Aprovado pelo Comitê Judiciário da Câmara dos Representantes dos EUA, o projeto batizado de "No Censors on Our Shores Act" (Sem Censores em Nosso Território) ainda precisa passar pelo plenário do Congresso e ser sancionado pelo presidente Donald Trump para virar lei.
Embora não mencione diretamente Alexandre de Moraes, a proposta foi apresentada como resposta às decisões do ministro sobre plataformas digitais no Brasil. Em especial, a suspensão temporária do X (antigo Twitter) no ano passado e, mais recentemente, a do Rumble, plataforma de vídeos conservadora associada a apoiadores de Trump.
As decisões de Moraes exigiram que as plataformas removessem perfis investigados e tivessem um representante legal no Brasil, como prevê a legislação nacional. Ontem, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que o Brasil deixou de ser colônia e reforçou a "soberania do Brasil".
Nesses 73 anos de inauguração da sede oficial da ONU, é importante que todos nós reafirmemos os nossos compromissos com a defesa da democracia, dos direitos humanos, da igualdade entre as nações e o nosso juramento integral de defesa da Constituição Brasileira e pela soberania do Brasil, pela independência do Poder Judiciário e pela cidadania de todos os brasileiros e brasileiras, pois deixamos de ser colônia em 7/9/1822 e com coragem estamos construindo uma república independente e cada vez melhor.
Alexandre de Moraes, sobre ataques dos EUA
Especialistas apontam que a postura dos EUA pode ser baseada em uma "distorção intencional" das decisões do ministro. A advogada internacionalista Talita Dal Lago Fermanian, doutora em Relações Internacionais pela Universidade de Lisboa, explica que "Alexandre de Moraes está aplicando as leis brasileiras, que exigem que empresas estrangeiras cumpram as normas nacionais para operar no Brasil".
O advogado Acacio Miranda da Silva Filho, especialista em direito constitucional e penal, ressalta que questões relacionadas à regulação de plataformas digitais e ao cumprimento das leis brasileiras devem ser resolvidas no próprio Brasil, sem interferência externa. Ele usa uma metáfora para ilustrar o caso: "É como se alguém tivesse problemas no casamento e os sogros viessem ditar as regras. Isso é uma discrepância diplomática".
Passo a passo
O Comitê Judiciário da Câmara dos Representantes é responsável por avaliar propostas legislativas, mas não tem autonomia para determinar a entrada ou proibição de estrangeiros nos EUA. Segundo Fermanian, "suas decisões são somente o primeiro passo; qualquer projeto precisa ser aprovado na Câmara, no Senado e sancionado pelo presidente para se tornar lei".
Miranda explica que esse comitê equivale à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) no Brasil. "A diferença é que lá eles possuem uma comissão permanente para acompanhamento das atividades judiciais. Qualquer proposta que envolva o Poder Judiciário começa ali", afirma.
Para virar lei, o projeto precisa passar por várias etapas antes de entrar em vigor. Segundo os especialistas, a tramitação inclui:
- Aprovação no Comitê Judiciário da Câmara, que já ocorreu.
- Possível análise pela Comissão de Relações Internacionais, caso o texto seja considerado relevante para a diplomacia.
- Votação no plenário da Câmara dos Representantes, onde precisa de maioria simples para ser aprovado.
- Tramitação no Senado, podendo passar por comissões antes da votação final.
- Sanção presidencial, onde o presidente pode aprovar ou vetar o projeto.
Fermanian destaca que o processo pode ser acelerado se houver urgência nacional declarada ou consenso político, mas também pode ser barrado se enfrentar forte oposição.
Defesa brasileira
O governo brasileiro poderia recorrer a organizações internacionais, como a ONU e a OMC, alegando violação de tratados sobre liberdade de circulação. No entanto, Fermanian explica que "os EUA têm um histórico de aplicar suas leis de maneira extraterritorial sem grande repercussão internacional".
Para Miranda, o Brasil poderia até reclamar, mas a eficácia dessa reclamação seria mínima. Ele destaca que, "mesmo que seja contestado, o projeto provavelmente não será declarado inconstitucional pela Suprema Corte americana, que tem maioria republicana".
O projeto ignora restrições à liberdade de expressão dentro dos EUA, reforçando sua seletividade. Em vez de garantir um princípio universal, a medida parece ser um instrumento político contra autoridades estrangeiras específicas.
"Atitude infantil"
A proposta legislativa e a reação do governo dos EUA foram classificadas por Miranda como um ato de "pequenez" por parte de Donald Trump. Ele compara a atitude do ex-presidente a uma "criança que leva a bola embora porque não quer mais jogar".
"A maior potência do mundo se envolver nesse embate ideológico demonstra um desvio das tradições diplomáticas baseadas na reciprocidade", afirma Miranda. Para ele, a medida não apenas fere princípios do direito internacional, mas também revela uma postura imatura e desproporcional diante de um conflito jurídico que deveria ser tratado exclusivamente no Brasil.
Além disso, o advogado criticou a atuação de parlamentares brasileiros que viajam aos Estados Unidos para buscar apoio a medidas contra autoridades do próprio país. Para ele, esse tipo de conduta reflete uma incapacidade de lidar com as regras do sistema democrático interno.
Fermanian reforça que essa movimentação política acontece num contexto mais amplo, no qual autoridades americanas distorcem deliberadamente as ações de Alexandre de Moraes para alimentar um discurso ideológico. Segundo a advogada internacionalista, os EUA evitam explicar a seus próprios cidadãos que empresas americanas devem seguir as leis do Brasil para operar no país, transformando um conflito jurídico em uma bandeira política. Esse viés seletivo reforçaria a intenção estratégica por trás da tramitação do projeto.
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