Governo Lula não conversa com a 'dona Maria' que o elegeu, diz sociólogo

O sociólogo e cientista político Rudá Ricci deixou o PT na década de 1990, quando, segundo ele, o partido começou a se aproximar do "centrão" e a priorizar os interesses do mercado financeiro. Em 2014, ele publicou o livro "Lulismo: Da era dos movimentos sociais à ascensão da nova classe média brasileira", no qual analisa as mudanças na sigla.

Ricci avalia que Lula está "perdido", sem a mesma capacidade de leitura da realidade que antes o caracterizava, e que parece "cansado": "Este não é o Lula que eu conheci", diz o presidente do Instituto Cultiva.

Há uma frustração crescente, especialmente com as políticas econômicas liberais do ministro Haddad, que não atendem às demandas da base eleitoral de Lula. O governo Lula está com 'a perna quebrada' e não sabe como reagir. Ele anunciou mudanças no ministério, mas são trocas que não empolgam ninguém.
Rudá Ricci, sociólogo autor de livro sobre "lulismo"

Para Ricci, a tentativa do presidente de conquistar o centrão com uma reforma ministerial "que não agradou a ninguém" só aumentou o distanciamento entre o governo e a sua base histórica.

O sociólogo alerta que o voto nordestino, negro, periférico, pragmático e feminino —que elegeu Lula três vezes à Presidência da República— pode deixar o petista, já que ele não tem atendido às demandas dessas camadas sociais.

"Governo não fala com 'dona Maria'"

Para o especialista, a reforma ministerial de Lula foi mais uma amostra de subserviência ao centrão. "Nada de importante foi anunciado", avalia Ricci. A redução do número de mulheres nos ministérios prejudica a imagem do governo, acredita.

Padilha tem importância para o Congresso porque ele é político, ele vai negociar com o centrão. Mas não fala nada para a 'dona Maria'. Vinte e cinco por cento das famílias brasileiras são monoparentais; só a mãe mora com os filhos, e é para elas que o governo tem que falar.

Fico espantado com a falta de sensibilidade, de leitura política para fazer a reforma ministerial. Ele está o tempo inteiro pensando no palanque, mas o problema dele agora não é esse, é o eleitor que ele está perdendo. Lula está sinalizando errado com a reforma administrativa.

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Ele tira mais uma mulher [Nísia Trindade]. Se não é o objetivo, é subjetivo. A 'dona Maria' vê que ele não gosta de mulher. Ela percebe, talvez inconscientemente, que ele gosta de político. Ele não gosta de gente como ela ['dona Maria'], que fala a verdade, que trabalha de sol a sol.

Queda na aprovação entre as mulheres. A aprovação ao governo Lula caiu ao nível mais baixo desde o início de seu terceiro mandato: atualmente, 24% consideram a gestão do petista ótima ou boa, uma queda de 11 pontos em relação ao resultado registrado em dezembro de 2024 (35%), segundo pesquisa Datafolha divulgada em fevereiro. O recuo na aprovação foi de 14 pontos entre as mulheres (de 38% para 24%).

O que seria a "bala de prata" de Lula

Uma mudança que faria sentido no governo Lula, na opinião do sociólogo, seria no ministério que modifica a relação do presidente com a agricultura familiar e que interfere na reserva de alimentos para o mercado interno.

Para fazer sentido, ele teria que mudar o Ministério do Desenvolvimento Agrário, que lida com a agricultura familiar, e o Ministério da Fazenda, porque define investimento direto em alimentos. E, talvez, o Ministério da Agricultura.

Quem vota em Lula é a mãe que vai ao supermercado. Para recuperar esse voto, não importa aumentar a produção para exportar para a China. Essa produção precisa ser endereçada para o mercado interno.

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É levando a produção para o mercadinho da esquina que o arroz fica mais barato. Mas o Brasil derrubou seus estoques reguladores de alimentos que controlavam o preço do mercado interno, e o governo desaprendeu a segurar a inflação nos alimentos em períodos de crise.

Haddad joga contra Lula

Para o especialista, uma das trocas essenciais seria a de Fernando Haddad, que avalia como liberal demais quando deixa o agronegócio decidir sozinho sobre valores dos alimentos e conta com a safra e a queda do dólar para redução da inflação.

Ricci defende uma política econômica de esquerda, criticada pelo mercado financeiro.

Para a Faria Lima e o agronegócio, Haddad está ótimo. Mas, para 'dona Maria'... Está muito ruim. Tanto que Lula está perdendo voto.

O governo está refém do agronegócio, que prioriza a exportação em detrimento do mercado interno, o que afeta os preços dos alimentos e o abastecimento. Enquanto isso, políticas como as do Haddad, que prometem queda nos preços com a próxima safra, são vistas como liberais e distantes das necessidades reais da população.

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Essa política assumida por Fernando Haddad está alimentando o bolsonarismo. Ele coloca a responsabilidade com a população mais pobre nas mãos do mercado.

O Brasil precisa ter um Ministro da Fazenda que mande dinheiro para a base, para a periferia, para os mais jovens, para a agricultura familiar. Precisa gerar emprego, e isso é o que chamamos de democracia. Se a maioria do país é pobre em um país rico, o presidente tem que assumir essa responsabilidade democrática. O Lula tem que responder ao voto que ele recebeu nas urnas.

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