Maioria dos projetos dos vereadores de SP ignora prioridades do paulistano

A maioria dos projetos em discussão na Câmara Municipal de São Paulo ignora segurança, saúde e outros temas vistos como prioridades pelos paulistanos, segundo levantamento feito pelo UOL com base em informações oficiais e dados da Rede Nossa São Paulo.

O que aconteceu

Segurança, saúde e transporte coletivo foram apontados como principais problemas da cidade em pesquisa. Realizado pelo Ipec (antigo Ibope), o levantamento identificou ainda habitação, educação, geração de emprego e renda, enchentes e falta de áreas verdes como as maiores preocupações do paulistano.

Como foi feita a pesquisa. Foram entrevistadas 700 pessoas a pedido da Rede Nossa São Paulo, organização que busca mobilizar setores da sociedade para discutir e promover soluções pelo desenvolvimento da capital paulista. O resultado foi divulgado em dezembro do ano passado.

Só 61 dos 284 projetos apresentados (22%) entre janeiro e fevereiro tratavam diretamente dos principais problemas da cidade. Análise do UOL identificou que temas como a criação de datas comemorativas (34) e pets (16) foram objeto de mais proposições do que saúde e transporte, que lideram a lista de prioridades, por exemplo.

Vereadores usam propostas sobre câmeras para abordar segurança. Os textos em debate propõem a instalação dos equipamentos em regiões da cidade com maior incidência de crimes, o uso das câmeras nas fardas dos guardas municipais e o acesso a imagens de sistemas de monitoramento privados mediante desconto de IPTU. Apesar de a segurança ser a maior preocupação do paulistano, há apenas três projetos que produzem soluções e impactos diretos na área.

Dentre as áreas prioritárias, saúde teve o maior número de projetos apresentados. Ao todo, foram 15. Tratam de aspectos que vão de um maior orçamento para a área com base no reajuste de IPTU para imóveis de luxo à determinação de que pacientes submetidos a mastectomia (cirurgia para remoção das mamas) tenham direito a acompanhante durante a internação.

Isenção de tarifa se repete em projetos sobre transporte. Há propostas de gratuidade para crianças entre 3 e 6 anos, bolsistas de instituições privadas e mães de prematuros internados. A criação de teleféricos, instalação de termômetros em ônibus e disponibilização de cadeiras de rodas em rodoviárias também estão em discussão.

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Aceno para eleitores

Propostas miram mobilizar eleitores, mas sem conexão com a cidade. Rubinho Nunes (União-SP), por exemplo, sugeriu um projeto para tornar o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, "persona non grata" na cidade. Questões de gênero e sexualidade motivaram dez proposições. Em compensação, a área de segurança só teve três.

Projetos acirram polarização. Eles agradam as bases eleitorais dos vereadores e refletem a nova formação da Câmara, marcada pela chegada de nomes com atuação mais ruidosa, como Lucas Pavanato (PL) e Amanda Vettorazzo (União), à direita, e Amanda Paschoal (PSOL), à esquerda.

É preciso ficar alerta para distorções, diz especialista. Há casos em que o vereador quer apenas agradar setores do eleitorado, mas o projeto não possui conexão alguma com demandas da sociedade, alerta Leonardo Quintiliano, doutor em direito constitucional pela USP.

Quando a demanda provém da sociedade, podemos entender como legítima. Pode haver distorções, como o parlamentar que fica buscando categorias profissionais para homenagear, ou locais para dar nome, apenas para captar aquela parcela do eleitorado. Embora esse tipo de conduta faça parte do jogo político, cabe ao eleitor julgar se é o que ele espera de seu representante
Leonardo Quintiliano, doutor em direito constitucional pela USP e especialista em processo legislativo

A análise do UOL considerou as propostas com impacto direto e imediato nas áreas prioritárias. Projetos que autorizam o prefeito a criar políticas — os chamados autorizativos— ou que preveem iniciativas com efeito de longo prazo, como a criação de campanhas de esclarecimento, por exemplo, foram considerados de interesse da cidade.

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Nove propostas tinham caráter autorizativo. Os projetos versavam sobre temas como a criação de um programa para distribuição de medicamentos (PL 54/2025), de novas escolas cívico-militares (PL 19/2025), de parques em diferentes pontos da cidade (PL 110/2025 e PL 111/2025) e da implementação de aulas de educação financeira e de empreendedorismo (PL 6/2025).

Sugestões da população

Dos quase 300 projetos apresentados, só três surgiram de ideias de cidadãos paulistanos. O PL 168 prevê uma campanha contra cigarros eletrônicos em escolas e foi inspirado em um texto da estudante Maria Zukeran, da Emef José Bonifácio, na zona leste. Ela teve oportunidade de apresentar a ideia a vereadores durante sessão do Parlamento Jovem, iniciativa da Câmara que permite a estudantes que exerçam simbolicamente a atividade de vereador.

Acompanhante para mastectomia e plano de arborização. O PL 60, que determina que pacientes submetidos a mastectomia tenham direito a acompanhante, foi sugerido por uma pessoa que passou pela cirurgia. Previsto pelo PL 176, o plano Municipal da Arborização Viária se inspira em ação da Anda (Agência de Notícias de Direitos dos Animais).

Ampliar participação popular pode melhorar qualidade dos projetos e aproximar Legislativo do cidadão. O professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Marco Carvalho Teixeira afirma, entretanto, que iniciativas populares são cada vez mais raras.

Um caminho importante seria a construção de projetos de lei com base em iniciativa popular. Mas a gente vem perdendo essa cultura democrática ao longo do tempo, e poucos são os parlamentares que adotam essa prática. Talvez o último grande projeto na cidade de São Paulo que tratou dessa questão tenha a ver com o plano de metas.
Marco Carvalho Teixeira, cientista político e professor da FGV

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Paulistano tem imagem negativa da Câmara

A Câmara Municipal está em penúltimo lugar entre as instituições que mais contribuem para melhorar a vida do paulistano, de acordo com percepção dos próprios cidadãos. Pesquisa divulgada em janeiro pela Rede Nossa São Paulo questionou quais instituições ajudam a aumentar a qualidade de vida da população da capital. Das 17 listadas, o Legislativo municipal apareceu em 16º (2% das menções) nas respostas dos entrevistados, à frente apenas dos partidos políticos.

Nos três primeiros lugares, aparecem ONGs de bairro (1º), igreja (2º) e associações de bairro (3º). Prefeitura, governo estadual e governo federal estão em 5º, 7º e 9º lugares, respectivamente.

Atuação da Câmara é considerada majoritariamente negativa. De acordo com o mesmo levantamento, 55% dos entrevistados consideram o trabalho do Legislativo ruim ou péssimo, enquanto apenas 7% o avaliam como ótimo ou bom. Para 29%, a atuação é regular, e 9% não souberam ou não responderam.

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