PEC da Segurança chega ao Congresso sob resistência da oposição

A PEC da Segurança Pública, entregue ontem por Lula aos presidentes do Legislativo, pretende estabelecer diretrizes para a atuação dos estados e propor o compartilhamento de bancos de dados entre eles, padronizando protocolos. O texto, que passará pelas comissões nos próximos dias, deve sofrer novas alterações.
O que aconteceu
O texto foi apresentado ao Congresso após diversos embates com governadores. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, se reuniu em 7 de abril com líderes partidários para apresentar o texto.
Negociações e acertos foram costurados pelo próprio ministro. Lewandowski tem dito que as "objeções" dos governadores foram "arredondadas" e que o texto da proposta estava maduro para ser enviado ao Congresso. Questionado sobre a aceitação entre os chefes de Executivos estaduais, ele mostrou-se otimista.
Os governadores do Nordeste estão todos conosco. Recentemente recebi um aceno do Tarcísio [de Freitas], governador de São Paulo, após as reformas que fizemos [no texto]. Ibaneis [Rocha], do Distrito Federal, também está conosco.
Ricardo Lewandowski, ministro da Justiça e Segurança Pública
Proposta não intervém no comando das polícias sob gestão estadual, segundo o texto. Contudo, representantes da oposição têm centrado as críticas no argumento de que a proposta retira poderes dos estados. "É um ponto de preocupação", diz o senador Sérgio Moro (União-PR). "Os estados têm que ter sua autonomia, precisamos ter cuidado com o texto."
Lula disse que não quer "interferir na autonomia dos estados" e, sim, unir as forças. "O governo vai se colocar à disposição, com inteligência e dinheiro, para amenizar o susto que o povo brasileiro vive. O governo não vai permitir que povo ande assustado nas ruas", disse, ontem, em reunião no Planalto com Lewandowski, Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), presidentes do Câmara dos Deputados e do Senado, respectivamente.
PEC deve passar por alterações. Lewandowski admite que o texto deve mudar no Congresso, o que para ele é um processo natural. "O Congresso, que representa as diferentes visões da sociedade, tem condição de melhorar o texto. Não creio que haja uma ideia deliberada do Congresso de piorar [o texto da PEC]", disse.
Proposta é redesenho para a área, mas há espaço para aperfeiçoamento. Diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima diz que ela é um ponto de partida para um redesenho da área. "É bem-vindo", afirma. Segundo ele, desde 1988, vários projetos, leis, programas e ações propuseram mudanças na área. "Mas nunca se discutiu o modelo. Então, sim, há espaço para o aperfeiçoamento legislativo".
PEC concentra normas no governo federal, apesar de não interferir no poder dos estados. "A principal fragilidade é concentrar normas gerais no governo federal", afirma Lima. "No SUS, essas normas são discutidas e definidas em órgãos colegiados entre União, estados, DF e municípios, e só depois o governo federal as formaliza em portarias e decretos. É importante que existam espaços paritários de pactuação, e nisso a PEC não avança", diz.
"Barulho" vem do fato de estarmos num período pré-eleitoral, diz ex-ministro da Justiça de Temer. Para Raul Jungmann, que foi ministro de Segurança Pública em 2018, já se defendia a integração de dados dos estados desde aquele período. "O que impulsiona essa crítica [à PEC] são os projetos eleitorais, que são legítimos, mas infundados."
Segurança é "pura força" para muitos deputados, diz ex-ministro petista. Para Tarso Genro, ex-ministro do governo Lula entre 2007 e 2010, maioria do Congresso tem uma visão conservadora sobre o tema. "A maioria da base do governo e do Congresso acredita que segurança é pura força. Mas o uso da força tem que ser mediado pelo respeito à cidadania."
A sociedade tem muito a oferecer com relação a sugestões, representações. Vamos colocar a corregedoria e a ouvidoria na Constituição. Passa a ser um direito do cidadão.
Ricardo Lewandowski, em evento com a comunidade jurídica de São Paulo, em 13 de abril
Texto sofre resistências
Governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União) diverge publicamente da proposta desde o início das discussões. Ele, que se lançou pré-candidato à presidência da República, tem na segurança pública a principal plataforma de campanha.
Vice-líder da oposição, o deputado coronel Meira (PL-PE) é contrário ao texto. Segundo ele, a proposta interfere na autonomia dos estados. "É uma enrolação total, a PEC traz uma interferência nos governos e nos municípios", afirmou. "Não vamos permitir que isso passe. Ele [Lewandowski] não respeita o Congresso, essa PEC deveria ter sido construída na Casa".
"Falta rigor nas penas", diz senador. Segundo Moro, uma lei não necessariamente garante a melhora da segurança pública. "O que falta são mais ações do governo federal na direção certa, no tratamento dos criminosos, como mais rigor nas penas", diz o ex-ministro, autor do pacote anticrime, que propunha o endurecimento de leis penais, mas foi desidratado no Congresso.
Saída do governo para baixa popularidade, diz oposição. Os deputados da oposição, por sua vez, dizem que a PEC é uma forma de o governo federal acenar para a população em um momento em que pesquisas mostram que o tema é a maior preocupação dos brasileiros.
Criação de ouvidorias com participação da sociedade é ponto de discórdia. A PEC sugerida pelo governo traz trecho sobre a criação de ouvidorias externas, com participação da sociedade, para fiscalizar e opinar sobre o tema. Isso inclui, por exemplo, sugestões sobre abordagens ou violência policial, calcanhar de Aquiles dos governadores.
Resistência também aparece na esfera municipal, como mostrou o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB). Ele disse é preciso ter "um olhar atencioso" para a PEC, que prevê a criação de ouvidorias e corregedorias com autonomia para monitorar forças de segurança federal, estadual e municipal. "É importante que o governo tenha a iniciativa, mas tem algumas questões que é preciso corrigir, como, por exemplo, a questão das corregedorias."
Tem que ter [fiscalização], se não, temos as laranjas podres no meio e acaba contaminando. Você tem que valorizar as Forças Armadas com pessoas boas, preparadas, com vocação e sem transgredir naquilo que lhes é de competência. Agora, você colocar instituições externas para ficarem controlando a corregedoria, você não vai ter corregedoria que vai dar sossego para o policial.
Ricardo Nunes, prefeito de São Paulo, em entrevista ao UOL
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