Interesses eleitorais afetam tramitação da PEC da Segurança, diz Jungmann

Ex-ministro de Segurança Pública na gestão Michel Temer, Raul Jungmann afirmou que não é possível combater o crime organizado internacional sem uma coordenação nacional.

Em entrevista ao UOL, ele argumentou que esse avanço será possível com uma eventual aprovação da PEC da Segurança Pública no Congresso, mas observou que os interesses eleitorais dos governadores complicam sua tramitação.

Marco na segurança pública

O presidente Lula (PT) entregou nesta semana aos presidentes da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, (Davi Alcolumbre), o texto da proposta de emenda à Constituição (PEC) que reorganiza a atuação das forças de segurança pública no país.

O documento deve ir à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania) nos próximos dias. Motta afirmou que vai dar celeridade à tramitação da proposta. Jungmann, que implementou o Susp (Sistema Único de Segurança Pública) em 2018, defende que a PEC seja colocada acima da polarização entre governo e oposição.

A PEC significa um marco na luta contra a violência e a insegurança que afligem os brasileiros e ameaçam a própria democracia. Simboliza que o governo federal se rendeu à dimensão do problema, sua repercussão social dramática, e decidiu assumir um compromisso com a segurança pública. Mas não basta: para que ele possa, efetivamente, participar desse processo, precisa que o texto da Constituição não restrinja o dever com a segurança pública apenas aos estados, como está posto desde 1988.

A questão da segurança transcende essa disputa entre governo e oposição. É uma questão fundamental para a população e para a democracia. A PEC é apenas o começo de um longo e complexo trabalho sempre adiado com medidas paliativas, geralmente às vésperas de eleições, quando o clamor público encontra ressonância política.

Enquanto outras áreas sociais são mais organizadas, com sistemas operacionais e coordenação nacional pelo governo federal, a única que está fora disso é a segurança pública. Esse fator foi o responsável por deixar a segurança pública como ela está.

Combate ao crime organizado internacional

O ministro Ricardo Lewandowski (Justiça e Segurança Pública) tem ressaltado que o Brasil tem maior participação em cooperações internacionais do que troca de informações entre estados. Exemplo disso, segundo ele, é o acordo de cooperação da Polícia Federal com a Europol (Agência da União Europeia para a Cooperação Policial), firmado em março.

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Já entre os estados, o cenário é crítico. O Brasil tem 27 certidões de antecedentes criminais distintas, 27 formatos de boletins de ocorrência, 27 modelos de mandados de prisão e 27 carteiras de identidade estaduais.

A PEC pretende padronizar protocolos, informações e dados estatísticos, estabelecer diretrizes para a segurança, atualizar atribuições da PF, da RPF e das guardas municipais, criar corregedorias e ouvidorias com autonomia e instituir uma polícia ostensiva para a União. Jungmann defende a unificação das informações para que se desenvolvam políticas públicas mais eficientes na área.

A informação unificada é fundamental para se fazer política pública e combater o crime nacionalmente. Combatia-se o crime sem ter informações que servissem de base para esse trabalho. Não se combate o crime sem informações integradas. A inteligência era compartimentada e não unificada.

O crime se transnacionalizou. Apesar disso, permanecemos descoordenados e sem condições de combatê-lo. Por isso, a PEC se torna o principal marco histórico na luta do Brasil. A partir daí podemos construir uma coordenação nacional de segurança pública com mais recursos, uniformidade dos dados criminais essenciais para a formulação de uma política pública nacional, acesso e funcionamento sinérgico das inteligências policiais estaduais para um modelo de investigação preventiva.

Não se pode avançar no combate ao crime internacional sem uma coordenação nacional. O PCC [Primeiro Comando da Capital], por exemplo, está em 23 países. O sistema prisional se transformou em um home office do crime organizado, e isso impõe a necessidade de uma coordenação de todas as forças.

Pressão da oposição

O texto chega ao Congresso sujeito a pressões. À reportagem, deputados da oposição afirmaram que vão trabalhar para modificar o documento — que já passou por modificações após ao menos seis reuniões entre Lewandowski e governadores. "Iremos apresentar propostas de alteração daquilo que entendemos ser pertinente. No momento, a oposição e a bancada de segurança trabalham para impedir a aprovação deste texto como está", afirmou o deputado Capitão Alden (PL-BA).

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Lewandowski se empenhou pessoalmente na costura de acertos e negociações com governadores. Contudo, o texto enfrenta críticas tanto de governadores como Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás, quanto de prefeitos como Ricardo Nunes (MDB), de São Paulo. Caiado já se lançou como presidenciável para 2026 e terá na segurança pública seu mote de campanha. Já Nunes tem criticado as corregedorias policiais e falado em controle de "instituições externas".

Nenhum estado, por mais forte que seja, tem condições de combater o crime sozinho, se não já teria feito isso. Uma lei, como a proposta da PEC, é algo permanente, o que implica ser cumprida. Outro aspecto a chamar a atenção é que, na arquitetura montada pela Constituinte de 1988, os municípios não participam do sistema de segurança, o que é um erro capital.

Esse barulho todo [sobre a tramitação da PEC] vem do fato de estarmos num período pré-eleitoral. O que mais impulsiona essas críticas são projetos eleitorais de governadores, que são legítimos, mas infundados. Eles não partem da realidade. Mesmo os que se opõem de boa-fé, ou seja, por convicção e não pela politização do tema, contribuem, sem saber, para o avanço do crime organizado.

Para ficar num exemplo, temos essa imensa oposição a uma providência essencial para cessar o recrutamento de jovens pelo crime no sistema penitenciário, que é separar o consumidor do traficante. Já são 40%, ou mais, a legião de jovens em regime fechado por delitos de pequena gravidade, que vão conviver, quase sempre sem processo sequer, com criminosos de alta periculosidade, que vendem proteção em troca da filiação desses jovens.

É atribuição do Congresso debater qualquer texto, mas lembro que o Congresso que aprovou o Susp também era conservador. Ele foi aprovado tendo como um dos relatores um membro da oposição [deputado Alberto Fraga, então do Democratas-DF].

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