Vereadora tucana, evangélica e pró-Lula: 'Bolsonarismo radical é religião'

Ler resumo da notícia
Pastores evangélicos que radicalizaram o discurso durante o governo Bolsonaro e tentaram voltar para o centro político nas eleições 2024 podem ter perdido a influência sobre parte dos fiéis com o movimento. A tese é defendida por Aava Santiago (PSDB-GO), vereadora em Goiânia e aliada do presidente Lula (PT).
Ao UOL, ela afirmou que o campo progressista falha em mostrar aos evangélicos que a vida deles melhorou sob gestões petistas e precisa ser mais rápido em entender tendências se quiser conquistar o eleitorado jovem. Além disso, Aava crê que Lula é o melhor nome para "priorizar agendas de consenso" em 2026.
Bolsolatria
Questionada sobre a relação do governo Lula com o eleitorado evangélico, a vereadora destaca que a idolatria a Bolsonaro por alguns pastores fez com que parte dos fiéis passasse a se identificar mais com o ex-presidente do que com líderes de igrejas, gerando o que chamou de "crise de liderança eclesiástica".
Os grandes líderes evangélicos sentam onde tem poder desde a ditadura militar. Eles ajudaram a 'bolsonarizar' suas ovelhas porque isso era interessante para aquele projeto de poder. Mas agora parte dos fiéis ficou muito radicalizada e discorda dos pastores se eles não apoiam os candidatos do Bolsonaro. O Bolsonaro instalou uma crise de liderança eclesiástica dentro das igrejas. Isso nunca tinha acontecido. Eu não sei se a gente perdeu essas pessoas, mas vai ser muito difícil trazê-las de volta. Quando o radicalismo se aprofunda, quem sempre foi pacífico e generoso se fecha. Esse bolsonarismo é, na minha avaliação, uma outra religião. Nós abrigamos esses parasitas, mas eles não são maioria. A maioria das pessoas está interessada na resolução prática da vida.
Sentar com evangélicos
Aava afirma que atores próximos a Lula "nunca quiseram sentar com evangélicos" para conversar. Para ela, igreja e esquerda não são inimigas e esse afastamento é um dos motivos pelos quais os fiéis têm dificuldade de atribuir aos petistas a melhora de vida vivenciada em seus governos.
Essa relação conflituosa das igrejas com as esquerdas é um espantalho importado. As teologias cristãs sul-americanas são profundamente ligadas à proteção dos pobres. Essa teologia que enxerga o comunismo como uma ameaça é uma teologia estadunidense, que fazia sentido porque eles usavam a fé dentro da lógica da Guerra Fria. E a gente não soube explicar isso nas nossas igrejas. Em 2002, o Lula conseguiu explicar que não seria uma ameaça aos crentes. A gente teve um momento de lua de mel. Eu vi o Malafaia e o Magno Malta no trio elétrico com a Dilma. O que não aconteceu foi uma transição discursiva sobre a razão pela qual a nossa vida melhorou. Isso é um problema de parte das esquerdas intelectuais que cercam o presidente Lula, que nunca quiseram sentar com evangélicos.
Muito perto do abismo
Sobre o cenário político do país nos últimos anos, a vereadora afirmou que houve "profunda instrumentalização das instituições" para "manter o bolsonarismo no poder". Para ela, isso levará tempo até ser revertido e o Congresso Nacional teve um papel importante nesse processo por meio do orçamento secreto.

A gente chegou muito perto do abismo, da ruptura democrática, com a profunda instrumentalização das instituições para obstruir a democracia e manter o bolsonarismo no poder. Isso é impossível de ser recuperado em quatro anos. O Congresso Nacional não é coadjuvante nesse processo. À medida que você estabelece um orçamento secreto que fica na mão dos deputados e esvazia os ministérios, que são os que organizam as políticas, você enfraquece toda a chegada da política pública e funcionamento do Estado. O papel do Congresso —num domínio equivocado do Orçamento que não tem em vista o aprimoramento e a ampliação do acesso a políticas públicas, mas tão somente a política de baixa estatura— enfraquece o país no final das contas.
Lula gosta do 'petêco'
Sobre o eleitorado feminino, Aava destacou que Lula e Bolsonaro têm formas diferentes de governar e que, por conta disso, as cobranças ao petista com relação à participação das mulheres em seu governo tendem a ser mais bem recebidas. "Essas cobranças são fundamentais e elas têm sido atendidas", disse ela.
O bolsonarismo tem como método a adesão integral de tudo. Já Lula estimula divergência. Isso é dele, mais do que inclusive pessoas próximas a ele gostariam que fosse. Ele gosta do 'petêco', como diz o outro. A gente tem a primeira ministra indígena da história do país, calcado no extermínio desse povo. Uma ministra da cultura que veio de movimentos populares, de ocupação de espaços urbanos por música preta. A ministra Marina, que é de uma grandeza em escala global. A Simone Tebet, como um gesto do Lula de 'eu quero conversar com mulheres de todos os espectros ideológicos e não apenas aquelas que estão nas trincheiras comigo historicamente'. Cada uma delas carrega um simbolismo muito grande e inédito. São acertos gigantescos e também marcadores de um compromisso.
Disputar as juventudes
Associada ao eleitorado jovem, a vereadora afirmou que a conquista dessa parcela da população exige dedicação para além do período eleitoral. Ela acredita também que é importante mostrar aos jovens que existe espaço para eles na política como forma de atraí-los, assim como estar por dentro das tendências.
A gente precisa fazer uma disputa que pense para além das eleições. Disputar as juventudes tem que ser a médio e longo prazo. Para isso, disputar esse lugar precisa ser algo que esteja no horizonte deles. A nossa grande falha está aí. A gente não coloca que eles ocuparem esses espaços é possível. Eu nunca falo para alguém votar em mim, mas, sim, "vem ser vereador e ser deputado", porque aí você coloca a perspectiva de poder no horizonte. Também acho que a gente tem que ser mais rápido para entender as tendências. Por que minha comunicação com esse segmento funciona tanto? Porque coleciono vinis, ouço Lamartine Babo, mas entendo tudo de k-pop e anime. Temos que entender signos de comunicação deles e não falar de maneira prepotente, que é algo que afasta os jovens.
2026
A vereadora apontou Lula como melhor opção entre as já colocadas para 2026. Na sua opinião, o presidente é "o melhor nome" para priorizar "agendas de consenso", algo que vê como essencial em meio à polarização. Ela defende ainda que a forma como as redes sociais entram nesse jogo seja mais bem analisada.
Eu me filiei ao PSDB aos 15 anos. Minha família veio da zona oeste do Rio para cá após meu primo ser morto com um tiro na porta da igreja. Aqui, vi um governo social-democrata funcionando com Marconi Perillo e disse para mim: 'Vou estudar para fazer o que esse cara faz'. Por isso, consigo encarar essa disputa ideológica de um lugar que o Brasil precisa olhar mais. Na minha opinião, precisamos priorizar agendas de consenso e Lula é o melhor nome para isso. Ele não é o único, mas o melhor para ganhar. Os estragos que a extrema-direita promoveu no mundo levarão 20 anos para serem resolvidos. Para complicar, as redes sociais que abrigam os debates hoje são controlados por big techs que têm lado. Se esse desequilíbrio não for hackeado, chegaremos baratinados a 2026.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.