Vídeo inédito mostra abandono do antigo Dops no RJ; MPF pede 'providências'
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A antiga sede do Dops (Departamento de Ordem Política Social) no Rio tem salas com aspecto abandonado e outros problemas, de acordo com imagens obtidas pelo UOL. As condições levaram o MPF (Ministério Público Federal) a solicitar à União as "providências necessárias" para a "preservação e proteção" do local.
O que aconteceu
Vídeo mostra celas com piso apodrecido e sem iluminação. Além disso, há sinais de ferrugem em várias portas de metal e até um buraco na parede de uma das salas. De acordo com o MPF, o prédio está fechado há 15 anos.
O Dops foi criado para assegurar e disciplinar a ordem militar no país. Foi usado principalmente durante o Estado Novo (1937 e 1945), sob Getúlio Vargas, e na ditadura militar (1964-1985). O edifício foi usado como um aparato do Estado para perseguir e torturar quem se opunha aos regimes autoritários.
O vídeo foi gravado em janeiro. Apesar dos problemas, algumas salas usadas no passado para reuniões, organização e produção de documentos e outras finalidades mantém a configuração original —além de inscrições feitas por presos que estiveram no local ao longo dos anos, que têm valor de registro histórico.
O MPF identificou outros problemas após uma visita em 2024. Vazamentos, risco de queda de vitrais e de pane no circuito elétrico e infestação de morcegos e cupins em algumas salas foram algumas das situações verificadas. O órgão também afirmou que não há "qualquer equipamento para combate a incêndio" no local.
Ainda existe documentação referente ao Dops no imóvel, que está acumulada em sacos de lixo, sem a devida identificação e armazenamento com vistas à preservação histórica.
Trecho de documento produzido pelo MPF
Ativistas manifestam preocupação. Membro do coletivo Memória, Verdade, Justiça e Reparação, Felipe Nin saudou a iniciativa do MPF e defendeu que o governo federal retome o prédio para a criação do Centro de Memórias e Direitos Humanos.
O Rio de Janeiro precisa de um espaço para a memorialização das violências de Estado, para a reparação, a arte e a educação voltada ao direitos humanos.
Coletivo Memória, Verdade, Justiça e Reparação, em nota à imprensa
A Polícia Civil do Rio tem outro plano para o prédio. Enquanto os ativistas querem criar um centro de memória de direitos humanos, a polícia planeja construir ali um museu da instituição. Até agora, não há solução à vista para o impasse. Procurada, a polícia do Rio não se manifestou. Na próxima semana, o coletivo de Nin lança a campanha "Sem memória não há democracia", em defesa da criação do memorial.
Ministério da Cultura pode viabilizar criação de centro de memória e direitos humanos. Em fevereiro, o órgão sinalizou que poderia requerer a retomada do imóvel pela União para preservá-lo e transformá-lo em um memorial "que honre as vítimas da repressão política e promova a reflexão sobre os valores democráticos".
Posse do prédio é da União, diz MPF
Imóvel já foi usado por governo do estado. Construído nos anos 1910, ele abrigou a sede da polícia do Distrito Federal, no Rio, até 1962, quando o Dops passou a ocupá-lo. Em 1965, a União o transferiu para o então governo do estado da Guanabara, que não registrou a transferência. Por isso, para o MPF, o espaço pertence à União.
"Péssimo estado de conservação do imóvel" é citado por promotores. Mencionando "a necessidade urgente de medidas que permitam a separação, análise e destinação de documentação histórica oriunda do Dops ao Arquivo Público do Estado do Rio", o MPF deu à União prazo de 60 dias para adoção de providências. Procurado, o Ministério de Gestão e Inovação (que representa a União) não retornou ao UOL.

"O acesso às narrativas apagadas das vítimas das violências perpetradas pelo regime militar é uma questão de justiça", afirmam promotores. Na recomendação divulgada esta semana, eles dizem que há um dever por parte do Estado brasileiro em relação à preservação da memória do período.
Além da perseguição política, o MPF destaca o papel do prédio na perseguição às religiões de matriz africana. No começo do século 20, o imóvel era um dos pontos de partida das equipes da polícia que destruíam templos de umbanda e candomblé na cidade do Rio.
MPF cita envolvimento de agentes do Dops em mais de dez assassinatos durante ditadura. Os crimes são citados no relatório final da Comissão Nacional da Verdade e em outros estudos, de acordo com o órgão. Além da sede do Dops, a antiga sede do Instituto Médico Legal do Rio também está em mau estado de conservação.
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