'Guardei essa carta na manga', diz advogado sobre diálogos com Cid

O advogado Eduardo Kuntz disse que guardou "carta na manga" para ser usada "em momento oportuno", em relação aos supostos diálogos com o ex-ajudante de ordens Mauro Cid apresentados hoje ao STF. Kuntz defende o réu Marcelo Costa Câmara, ex-assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

O que aconteceu

Momento é oportuno para a divulgação, diz advogado. Kuntz afirma que cogitou divulgar o material antes, na ocasião do inquérito das vacinas, mas preferiu guardar "a carta na manga". "Nesse caso, em que a denúncia foi recebida e vai ter andamento, me parece que não teve melhor momento para divulgar isso. Momento processual definiu a estratégia."

Advogado diz que evitava falar com Cid e preferia mensagens em texto. "Ele cria o perfil e manda um 'opa'. [Eu] Evitava ao máximo atender ele, para tentar deixar tudo registrado. A ligação maior foi a inicial, foi mais para estabelecer contato, matar a saudade, falar da família", afirmou ao UOL.

Kuntz disse que inicialmente não sabia se Cid buscava advogado ou se o contato era uma "ação controlada". Segundo o advogado, ele e Cid já se conheciam, mas o ex-ajudante de ordens nunca o teria procurado para falar sobre o processo de tentativa de golpe de Estado. "Tem uma parte em que eu digo que estou à disposição dele, tomo esse cuidado de ser bem explícito".

O advogado diz que deu corda para desabafos de Cid, em um "processo de investigação defensiva". "Pressupõe que você queira obter informações", afirma. "Dei corda e dei linha, de forma investigativa. Não interferi, não perguntei 'você não quer mudar o que está falando?' Dei corda para os desabafos."

Kuntz diz ter feito perguntas de interesse dos clientes defendidos por ele. "Fiz pergunta de interesse dos meus clientes. Tenho obrigação profissional de juntar isso nos autos para privilegiar os meus clientes", relata. "Tomo o cuidado de fazer por áudio para não ser mal interpretado, dentro da legalidade da minha atuação."

Prints enviados por advogado Eduardo Kuntz ao STF; Cid teria mantido contato com Kuntz por perfil falso, o que pode anular delação
Prints enviados por advogado Eduardo Kuntz ao STF; Cid teria mantido contato com Kuntz por perfil falso, o que pode anular delação Imagem: Reprodução

Advogado nega 'ação conjunta' com defesa de Bolsonaro

Advogado diz que mostrou conversas com Cid ao advogado de Bolsonaro. "É natural, as defesas se conversam. Quando ele me perguntou, não menti", diz Kuntz. O advogado afirma que mostrou os diálogos para Celso Vilardi no dia 10 de junho, data em que o ex-presidente foi interrogado no STF. "Confirmei uma informação que ele perguntou."

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Conversas entre Kuntz e Cid podem ser utilizadas pela defesa de mais réus. "Uma coisa pode ser aproveitada para o processo todo. Se o Cid, no interrogatório dele, diz, por exemplo, que não existe a operação Punhal Verde e Amarelo, os outros iriam se aproveitar. Uma coisa repercute na outra".

Kuntz nega que haja "ação conjunta" com as defesas de Bolsonaro e demais réus. Segundo ele, falar de ação conjunta "pode ser pejorativo". Mas ele admite que argumentos podem se repetir. "Pode ser que coincida de falar a mesma coisa [da defesa do Bolsonaro]. Temos, às vezes, as mesmas ideias, não quer dizer que foi combinado, o raciocínio é o mesmo. É natural que as coisas se repitam", disse.

Advogado defende nulidade da delação premiada de Mauro Cid. Ele usa dois argumentos: a falta de voluntariedade (pelo fato de a delação ter ocorrido enquanto Cid estava preso) e a quebra da comunicação. "Se for analisado sob o prisma da voluntariedade, me parece que sim [deve ser anulada]."

Kuntz defende que "falta de voluntariedade" vem antes da suposta quebra da comunicação. "Ele é preso, faz uma delação ilícita, quebra a comunicação. Estamos numa situação em que a delação pode ser quebrada pelo descumprimento dos termos ou pela falta de voluntariedade", diz ele. "Pela ordem cronológica, deve prevalecer a falta de voluntariedade."

Moraes nega pedidos anteriores de anulação de delação

Alexandre de Moraes negou pedidos para anular a delação de Cid. Ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) considerou como "irrelevantes, impertinentes ou protelatórios" pedidos da defesa de Bolsonaro para ter maior prazo para analisar materiais da investigação da PF e para anular a delação de Cid com base em supostas mensagens dele na rede social Instagram reveladas pela revista Veja.

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Decisão não envolve novas mensagens apresentadas por outro advogado. Kuntz, que representa o ex-ajudante de ordens Marcelo Câmara, apresentou em outro processo cópias de supostas trocas de mensagens entre ele e Mauro Cid nas quais o delator criticaria o suposto direcionamento das investigações. Este pedido está sendo analisado no processo envolvendo Marcelo Câmara e não tem relação com o processo do "núcleo crucial".

Supostas mensagens podem anular delação e desmontar inquérito?

Mesmo se a delação caísse, a denúncia se manteria com outros indícios da investigação, dizem especialistas ouvidos pelo UOL. Os advogados explicaram que os dados fornecidos só poderiam ser desconsiderados no processo se fossem falsos ou tivessem sido obtidos de forma forçada.

Cid seria o principal prejudicado. Ele poderia perder os benefícios negociados na delação: o acordo firmado pelo tenente-coronel com a Justiça diz que ele pode pegar pena máxima de até dois anos —os crimes pelos quais ele é investigado poderiam render mais de 40 anos de prisão.

Deslegitimar a delação faz parte das estratégias das defesas. Bolsonaro, Braga Netto e demais réus questionaram ao STF a credibilidade da delação de Cid. "O acordo firmado por Mauro Cid possui grave vício de voluntariedade e, entre mentiras e coações, sua delação é absolutamente desprovida de credibilidade", diz uma petição da defesa do general, ex-ministro da Casa Civil.

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