Áudios dão munição a defesas e complicam Cid, mas não devem beneficiar réus

Os áudios atribuídos ao tenente-coronel Mauro Cid têm potencial para prejudicá-lo e até anular sua delação, mas dificilmente mudarão os rumos do julgamento sobre a tentativa de golpe de Estado, segundo advogados ouvidos pelo UOL.

O que aconteceu

Áudios trazem pouco benefício ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros réus, dizem especialistas. Os criminalistas consultados afirmam que as gravações podem complicar a situação de Cid, mas que outras provas são suficientes para sustentar as acusações contra os demais réus.

"Difícil mudar o rumo do processo", diz o advogado Rafael Mafei, professor de direito na USP e ESPM. "O efeito principal que esses áudios podem ter é de prejudicar o Mauro Cid por meio de uma eventual anulação da delação dele."

Áudios trazem novos argumentos e dão munição para as defesas. Para Rogério Taffarello, sócio do escritório Mattos Filho e professor da FGV-SP, os diálogos trazem elementos para os advogados tentarem reduzir a credibilidade da delação. "As defesas não tem uma bala de prata, mas tem um argumento a mais para construir suas teses defensivas nas alegações finais, na última fase do julgamento", diz.

Defesas do "núcleo crucial" não confirmaram uso de novo material. Ao UOL, o advogado Demóstenes Torres, que representa o ex-almirante Almir Garnier, disse que não usará os novos materiais agora, mas deixou aberta a possibilidade de usar depois. Já Eumar Novacki, da defesa de Anderson Torres, também disse que não vai usar os áudios porque o ex-ministro não é citado na delação de Cid. O UOL procurou os outros membros do núcleo 1, mas não teve resposta.

Delação de Cid exerce papel secundário na acusação, avaliam especialistas. "Tem muitas provas absolutamente independentes dela, e mesmo aquilo que foi trazido através da delação se sustenta, independente do relato dele", diz Mafei.

Expectativa no meio jurídico é de que réus acusados de tentativa de golpe sejam condenados. A qualidade dos indícios reunidos pela investigação combinada às condenações dos envolvidos no 8 de Janeiro são fatores para a crença.

Entenda o caso

Conversas atribuídas a Cid foram divulgadas ontem. Os áudios mostram supostos desabafos do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e foram encaminhadas ao STF (Supremo Tribunal Federal) por Eduardo Kuntz, advogado de Marcelo Câmara, um dos réus do núcleo 2 da tentativa de golpe. Ele pede a anulação da delação de Cid.

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Nas mensagens, Cid teria criticado a condução da delação premiada. Ele supostamente revelou medo de voltar à cadeia se denunciasse possíveis irregularidades no acordo e teria dito, por exemplo, não ter usado a expressão "golpe" durante os depoimentos. Os áudios indicam que o termo foi atribuído a ele pelos próprios investigadores.

Bolsonaro e Braga Netto pediram nulidade da delação após divulgação de mensagens.Reportagem da revista Veja publicada na última quinta mostrou conversas entre o perfil do Instagram @gabrielar702, atribuído a Cid, e alguém próximo ao ex-presidente entre 29 de janeiro e 8 março de 2024.

Acordos de delação têm regras. Em geral, o colaborador não pode sair do país até o fim do processo nem conversar com terceiros sobre conteúdo revelado.

Uso do perfil poderia configurar quebra de acordo. "Cid tinha o dever de guardar sigilo sobre a delação. Se esses diálogos demonstrarem que houve quebra de sigilo, esse acordo pode acabar sendo anulado pela Justiça", diz o advogado criminalista Pedro Bueno de Andrade.

Rescisão do acordo de delação é uma possibilidade excepcional, segundo Taffarello. "Nem toda violação dessas regras vai impor uma consequência jurídica relevante. Não é uma canetada de um juiz que vai determinar a rescisão da delação", explica.

General Braga Netto pediu para o STF investigar informações do perfil atribuído a Cid. Moraes já havia determinado, na semana passada, que a Meta fornecesse informações sobre a conta. A defesa de Bolsonaro pede mais prazo para aguardar o retorno das informações.

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Delator negou ter usado o perfil. No interrogatório no STF, questionado pelo advogado de Bolsonaro, Cid disse que nunca havia utilizado o perfil para se comunicar com outras pessoas.

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