Comitiva presa em bunker viajou paga por Israel para feira de segurança

Os prefeitos e autoridades brasileiras que ficaram presos em bunkers para se proteger de ataques no conflito entre Israel e Irã tiveram a viagem ao território israelense paga agência do Ministério das Relações Exteriores, para conhecer tecnologias de segurança daquele país.

O que aconteceu

A viagem foi custeada integralmente pela Mashav, uma agência israelense de cooperação internacional. Segundo o a Embaixada de Israel no Brasil, duas delegações oficiais do Brasil visitaram Israel nos últimos dias a convite do ministério israelense. Segundo a embaixada, as visitas tiveram como foco a troca de conhecimentos em áreas relacionadas à inovação, métodos de trabalho e tecnologias avançadas em segurança pública, cidades inteligentes, medicina, agricultura e desenvolvimento social.

Delegação —que incluiu prefeitos, vice-prefeitos e secretários de segurança urbana— visitou "municípios inteligentes" do país. Segundo a embaixada, eles também conheceram programas israelenses focados na segurança nas cidades, incluindo um programa especial chamado "Cidade Sem Violência" —que tem como ponto central serviços de inteligência e vigilância.

Evento com programação para 10 dias previa visita a feira de tecnologia e vigilância para prefeitos. O UOL teve acesso a programação completa da viagem. Os eventos voltados à segurança pública se concentravam nos dias 17, 18 e 19. Na terça-feira, pela manhã, havia a previsão de uma reunião com autoridades da cidade de Rishon Letzion, a cerca de 20 km de Tel Aviv. No encontro, seriam abordados "equipamentos municipais e modelos de atuação em situações de emergência". Nesse encontro, estava prevista uma visita a uma empresa municipal de segurança.

Comitiva visitaria feira de "inovação e tecnologia urbana", mas o evento foi cancelado após ataques se intensificarem. Na programação entregue aos prefeitos, constava uma abertura de gala com a presença do presidente de Israel, Israel Yitzhak Herzog. As visitas a feira aconteceriam também na quarta e na quinta-feira, nos dias 18 e 19, respectivamente, e uma reunião com o ministro das Relações Exteriores do Estado de Israel.

Comitiva tinha maioria dos prefeitos de direita ou extrema direita. Entre eles, estavam Álvaro Damião (União), prefeito de Belo Horizonte, Cícero Lucena (PP), prefeito de João Pessoa, Jhonny Maycon (PL), prefeito de Nova Friburgo, Gilson Chagas, secretário de Segurança de Niterói, e as vice-prefeitas de Goiânia, Claudia Lira, e Divinópolis, Janete Aparecida, do Avante. O UOL entrou em contato com todos para questionar o objetivo da viagem, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem. A reportagem também questionou a Confederação Nacional dos Municípios, mas não obteve retorno.

Prefeitos miram segurança pública

Delegação reflete interesse crescente na área da segurança pública, diz especialista. Contudo, a área faz parte das atribuições dos estados, e não das administrações municipais. "A ida dos prefeitos a Israel para uma feira de segurança com tecnologias na segurança pública é mais um sinal de um processo que se constrói há alguns anos, de avanço dos municípios na pauta da segurança pública", afirma Pablo Nunes, coordenador adjunto do CESeC (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania) e da Rede de Observatórios da Segurança Pública.

Tecnologia tem sido "grande ferramenta" para municípios em relação à segurança. O cientista político do CESeC integra o projeto Panóptico, cujo objetivo é monitorar a adoção de tecnologias de reconhecimento facial a partir da leitura do Banco Nacional de Mandado de Prisão. "Desde 2019, muitos municípios têm comprado câmeras para uso na segurança pública, ou seja, para cumprimento de mandado de prisão. Isso tem ocorrido antes das decisões recentes do Supremo em relação às guardas municipais."

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Prefeitos veem na segurança pública pauta que galvaniza a opinião pública, ressalta especialista. Apesar de a Constituição estabelecer que a segurança pública é uma atribuição dos estados e que os municípios não têm prerrogativas para atuar nessa área, mudanças recentes demonstram interesse das administrações municipais no segmento.

Constituição foi flexibilizada, avalia Nunes. Segundo ele, a permissão de que guardas municipais em determinadas cidades tenham porte de armas e a decisão do STF que reconhece as guardas municipais e as incluem como parte do sistema de segurança pública são exemplos dessa flexibilização. "Tem um processo que está sendo levado a cabo de maneira paulatina e também sob muita pressão de prefeitos", diz.

Uso de drones israelenses também tem despertado a atenção de políticos brasileiros. Em 2018, o então candidato ao governo do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, afirmou que compraria drones israelenses para operarem no estado. Além disso, Nunes ressalta que estão da mira dos políticos tecnologias de rastreio utilizadas em investigações —que Israel também tem se destacado como produtora do serviço.

Soluções que "apelem para militarização" são preocupantes, ressalta cientista político. Nunes lembra que Israel vive um contexto de exceção na relação com os palestinos e a Faixa de Gaza. "Nessa dinâmica do território, uma necessidade de aumento de controle e um controle militarizado", diz. "Não podemos estabelecer pontes de aproximação desse contexto entre Israel, a Faixa de Gaza e palestinos com o contexto brasileiro, que vive uma democracia e não há, nominalmente, inimigos."

Agenda incluiu visitas a centros de monitoramento e tecnologia

Comitiva teve agenda com a presença de autoridades e debates sobre tecnologia e segurança entre os dia 10 e 15. Na segunda-feira, delegação participou de um debate sobre assuntos econômicos, sociais e geopolíticos. Na terça, entre outras agendas, eles visitaram departamentos de políticas preventivas municipais, políticas de segurança na cidade de Kfar Saba.

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Programação incluiu visitas a centros de monitoramento e de alta tecnologia. Na quarta-feira, os prefeitos viajaram à cidade de Haifa, no norte de Israel, para conhecer parques industriais de alta tecnologia e visitaram um centro de controle e monitoramento na mesma cidade. Já na quinta, a programação era conhecer "tecnologias aplicadas à esfera municipal". No domingo, os eventos previam o debate com autoridades locais sobre disputas territoriais entre municípios urbanos e municípios rurais e desafios de segurança.

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