Proposta com novas regras para carreira indispõe Tarcísio com cientistas

Uma proposta do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), enfrenta oposição de cientistas contratados como servidores públicos estaduais. Após pressão, o governador recuou de algumas medidas, mas pesquisadores continuam se queixando de postura do governo.

O que aconteceu

Projeto tramita em regime de urgência na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo). Enviado em maio e alterado em junho por Tarcísio após reação negativa, o texto muda regras para pesquisadores vinculados a 16 institutos estaduais.

Um deles é o Instituto Butantan, maior produtor de vacinas e soros da América Latina. Também há órgãos que realizam atividades como melhoramento de espécies de café, feijão e outras variedades de alimentos, estudos sobre o comportamento de vírus e bactérias e desenvolvimento de novos medicamentos.

Proposta original de Tarcísio acabava com o RTI (Regime de Tempo Integral) para cientistas, sem colocar uma nova norma. Hoje, a regra impede que o pesquisador contratado pelo estado mantenha outros vínculos empregatícios.

Fim do regime foi criticado por entidade de classe. De acordo com a APqC (Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo), o fim do regime prejudica a realização de experimentos com seres vivos —que, às vezes, precisam ser feitos fora do horário de expediente convencional e se tornam inviáveis num cenário em que o cientista tem dois empregos.

O RTI também desempenha um papel crucial na formação de novos talentos na área de pesquisa. Os pesquisadores em RTI, como atribuição inerente ao seu cargo, exercem atividade docente nos Programas de Pós-Graduação, reconhecidos e recomendados pela Capes
APqC em carta enviada a Tarcísio em maio

Tarcísio recua e propõe nova estrutura

Após pressão de pesquisadores, uma nova proposta enviada por Tarcísio à Alesp cria "dedicação exclusiva". A regra será regulamentada por decreto —caso seja aprovada e sancionada.

"Dedicação exclusiva" proposta por Tarcísio carece de regulamentação, diz associação. "Para que modificar o RTI para essa nova nomenclatura 'dedicação exclusiva'? Não há justificativa. Muitos pontos da proposta estão com previsão de regulamentação depois. Isso gera insegurança jurídica."

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O texto afeta cerca de mil cientistas em institutos de pesquisa submetidos a três secretarias. São elas: Saúde, Agricultura e Abastecimento e Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística. Além do Instituto Butantan, integram a lista o Instituto de Pesquisas Ambientais, que faz pesquisa e capacitação profissional nas áreas de biodiversidade, botânica, geociências e ciências florestais, e o Instituto Agronômico de Campinas, focado em ciência, tecnologia e inovação na agricultura.

O que muda no plano de carreira

Projeto em discussão aumenta tempo necessário para que pesquisadores cheguem ao topo da carreira. Hoje, são necessários, no mínimo, 16 anos para que os cientistas alcancem o nível máximo. A nova regra aumenta esse tempo para 24 anos, ao criar novos níveis e categorias.

Mudam também os valores relativos aos salários. Hoje, um pesquisador iniciante (nível 1) ganha salário bruto de cerca de R$ 5.300. Caso acumule benefícios como, por exemplo, por tempo de serviço, a remuneração bruta pode chegar a quase R$ 20 mil após 16 anos. Pela proposta, os cientistas entram ganhando R$ 9.000 e, após 24 anos de trabalho, receberão mais de R$ 22 mil.

Mudança dificulta atração de cientistas, diz categoria. A APqC cita que uma bolsa de pós-doutorado da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), por exemplo, paga hoje R$ 12 mil líquidos, o que a torna mais atraente para pesquisadores do que ingressar na carreira de servidor do estado.

Comissão que define promoções também mudaria. Hoje, o grupo tem 13 membros escolhidos pelo governador a partir de indicações dos cientistas. Já a proposta do governo prevê um grupo com 12 integrantes —em uma lista com 24 nomes— e um de escolha livre do governador.

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Cientistas dizem que não foram ouvidos

"Não estávamos pedindo mudanças", disse presidente da APqC. Segundo Helena Lutgens, os pesquisadores sequer foram ouvidos na elaboração do projeto e sempre defenderam a realização de concursos e melhora nos salários.

Já o estado fala em "garantir mais estabilidade, transparência e valorização do trabalho técnico, estratégico e altamente qualificado" da categoria. A incorporação de gratificações ao salário-base é vista como parte desse esforço, assim como a reorganização da carreira —proposta para que haja "evolução com base em mérito e qualificação".

Antes da proposta, decisão de Tarcísio de vender centro de pesquisa uniu agronegócio e cientistas. Parte integrante do Instituto Agronômico de Campinas, a Fazenda Santa Elisa teve a possibilidade de venda analisada pela Secretaria de Agricultura, o que foi criticado pela APqC e pela Federação da Agricultura e Pecuária de São Paulo.

Má recepção à ideia fez com que governador desistisse da venda. Noticiada pelo UOL em novembro de 2024, a situação teve desfecho no fim de abril, quando Tarcísio afirmou que só venderá "aquilo que de fato for ocioso", em visita ao Agrishow, evento em Ribeirão Preto (SP).

Para a APqC, decisão refletiu "força da mobilização". "Todas as fazendas experimentais têm enorme importância para a ciência e para o meio ambiente. Não podem ser rifadas, porque pertencem ao povo de São Paulo, e não a governos", disse Helena à época. Entretanto, Tarcísio não descartou a venda de outros imóveis.

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