Entidades cobram ajuste, mas ignoram gastos com 18 novas vagas de deputado
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Agronegócio, comércio, indústria e bancos reclamaram sobre a possibilidade de elevação na alíquota de IOF e exigiram corte de gastos. Mas os mesmos setores ignoraram o possível aumento de despesas resultante da criação de 18 cadeiras de deputado federal.
O que aconteceu
Nenhuma entidade se manifestou sobre o assunto. O UOL procurou esses setores, mas eles não quiseram falar sobre a votação prevista para hoje no Senado do projeto que aumenta de 513 para 531 o número de deputados no Congresso.
Especialistas avaliam que as entidades não reagem para não prejudicar interesses próprios. Eles afirmam que reclamar da proposta pode atrapalhar lobistas do agro, comércio, indústria e bancos na obtenção de decisões favoráveis futuras.
A consequência é não haver pressão contra o projeto. O silêncio não é novidade. Ocorreu em maio, quando a proposta foi aprovada na Câmara. A omissão se repetiu na semana passada, quando o Senado marcou a data para a votação.
O UOL consultou as seguintes entidades:
- CNI (Confederação Nacional da Indústria);
- CNC (Confederação Nacional do Comércio);
- CNA (Confederação Nacional da Agricultura);
- Febraban (Federação Nacional dos Bancos).
Foram feitas duas perguntas. A primeira é se haveria manifestação caso o aumento de deputados fosse aprovado. Mas nenhuma delas prevê emitir nota.
A outra questão é se há contradição por parte das entidades. Todas têm histórico de defender o ajuste fiscal, mas não criticam uma medida que aumenta as despesas. Nenhuma delas quis responder à pergunta.

Deputado que lidera a ofensiva contra o projeto, Pezenti (MDB-SC) lamentou a atitude das entidades. Ele avalia que elas teriam poder de pressão para barrar propostas e escolheram não usar esta força.
Não é a população que tem que ir "para a rua" ou para a rede social. Pezenti diz que o cidadão vota em um representante e cabe ao escolhido agir de acordo com a vontade do eleitor.
Pezenti diz crer que o projeto não será aprovado hoje. O deputado afirmou que conversou com senadores e houve compromisso de 29 deles em votar contra, mas são necessários 41 votos.
Somente sete senadores se declararam a favor da proposta. Restam 45 indecisos ou que não se posicionaram. Pezenti admite temer o que este grupo fará, mas lembra que está mais perto do número mínimo do que os adversários.
Ele ressalta que a criação de cadeiras de deputado é impopular. Pesquisa do Datafolha revelou que 76% da população não quer mais vagas na Câmara.
Discurso contraditório
Cálculos da Transparência Brasil estimam um aumento anual de gastos em R$ 76,65 milhões. Não se levantar contra esta situação vai na contramão do histórico das entidades.
Houve nota pública do agro, comércio e indústria por causa da sugestão de elevar o IOF. O texto pedia eficiência para chegar ao equilíbrio fiscal e solicitava ao mesmo Congresso que agora está criando despesas que fosse contra a proposta do governo.
O presidente da Febraban, Isaac Sidney, defendeu enfrentar os problemas estruturais. Mas a entidade silenciou sobre o projeto que torna ainda mais cara a estrutura do Parlamento brasileiro - apontado como um dos mais caros do mundo e que custará R$ 15 bilhões só neste ano.
Série do UOL aborda o alto custo do Congresso. Reportagens apontam privilégios com funcionários, reembolsos de saúde e gastos com comida, viagens, moradia, combustíveis e celular.

Para não atrapalhar o lobby
Doutor em administração pública e professor da FGV, Eduardo Grin afirma que as entidades preferem se omitir. Ele explica que todas mantêm lobistas em Brasília e fazer pressão contra interesses de deputados e senadores pode dificultar sua situação no futuro.
O especialista ressalta que a capacidade de pressão é exercida em projetos em que há margem para vantagem. Grin diz que agro, comércio, indústria e bancos focam em legislação sobre benefícios para si, como ter interesses atendidos na reforma tributária.
Pós-doutor em direito público, Acacio Miranda vê contradição nas entidades. Ele lembra que todas fazem discursos por corte de gastos e, quando convém, ignoram determinados assuntos, como aumentar o custo da Câmara com criação de vagas, por conveniência política.
Discurso vazio da Câmara
Miranda ressalta que os parlamentares falam uma coisa e fazem outra. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), repete que é contra aumentar gastos, mas foi um dos patrocinadores da criação das vagas de deputado.
O Congresso também aprovou medidas contrárias ao equilíbrio fiscal. A prorrogação do Perse e da desoneração da folha de pagamento transferiu bilhões dos cofres públicos para empresários.
Miranda cita ainda a falta de cobrança a deputados e senadores. O especialista afirma que no Brasil as decisões são sempre atribuídas ao Poder Executivo, e os parlamentares conseguem aprovar leis danosas sem sofrer pressão.
Desencanto da sociedade
Instituição ligada ao interesse social, a Transparência Brasil não emitirá nota. O professor Grin estranha o silêncio pelo papel que se espera desta instituição. A atitude repete a imobilidade da população.
As redes sociais e ruas não registram mobilização contra o aumento do número de deputados. O assunto é bastante antigo e o projeto foi revelado em primeira mão pelo UOLem janeiro deste ano.
Acacio Miranda vê desesperança na população. Ele diz que reações enormes ocorridas no passado não produziram a mudança esperada.
O especialista cita as marchas de junho de 2013. A população foi para as ruas por não se sentir respeitada e representada pela classe política. O saldo foi negativo.
A então presidente, Dilma Rousseff (PT), ficou fraca, e os parlamentares se aproveitaram. O impeachment levou ao aumento do poder do Congresso, que aproveitou o contexto para criar emendas impositivas que permitem a senadores e deputados gastarem R$ 50 bilhões por ano em suas bases eleitorais.
As manifestações de 2013 levaram à polarização e à farra das emendas que têm as digitais de Eduardo Cunha [então presidente da Câmara e depois cassado], avançando sobre a fraqueza da Dilma.
Acacio Miranda, pós-doutor em direito público
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