Talíria Petrone, 34, e Renata Souza, 36, têm mais em comum do que serem mulheres negras oriundas da periferia do Rio eleitas para casas legislativas dominadas por uma esmagadora maioria de homens brancos e bem-nascidos.
Ambas tiveram as vidas marcadas pela convivência com Marielle Franco e hoje carregam consigo a responsabilidade de dar sequência ao seu legado, brutalmente interrompido quando a vereadora do PSOL foi atingida por quatro tiros em emboscada no bairro do Estácio, região central da capital fluminense.
Este sábado (27) tem um duplo significado para elas: a data marca 500 dias dos assassinatos de Marielle e do motorista Anderson Gomes, e também seria seu aniversário de 40 anos se ela estivesse viva.
Somente um ano depois do crime, em março, a Polícia Civil e o MP-RJ (Ministério Público do Rio) prenderam Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, dois ex-policiais apontados como os assassinados da vereadora. Os mandantes e a motivação do crime, porém, não foram descobertos até hoje.
Renata, hoje deputada estadual pelo PSOL, e Talíria, deputada federal pelo mesmo partido, eram mais que amigas de Marielle. Renata, também criada na Maré, era sua chefe de gabinete. Talíria esteve lado a lado de Marielle quando ambas tomaram a decisão de entrar na política em 2016 --a amiga foi eleita para uma vaga na Câmara do Rio, enquanto ela se elegeu na vizinha Niterói.
A vivência de ambas na Câmara dos Deputados e na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) tem percalços que, segundo elas, estão intimamente ligados à condição de serem mulheres negras na política: casos de racismo e assédio, ameaças de morte e constantes ataques vindo de colegas e das redes sociais.
Também há o vazio da perda de Marielle e o peso de dar sequência ao seu legado. Chamadas de herdeiras, preferem ser vistas como sementes. "Não gosto da ideia de herdeira porque isso apaga a Marielle", explica Talíria Petrone. "Não tem outra Marielle".
As deputadas falam a seguir sobre a herança de Marielle e as dificuldades enfrentadas como parlamentares.