"Não tem outra Marielle"

Deputadas "herdeiras" da vereadora morta há 500 dias falam sobre preconceito no Legislativo e seu legado

Gabriel Sabóia, Igor Mello e Taís Vilela Do UOL, no Rio Márcia Foletto/Agência O Globo
Pedro Ladeira e Zo Guimarães/Folhapress

Talíria Petrone, 34, e Renata Souza, 36, têm mais em comum do que serem mulheres negras oriundas da periferia do Rio eleitas para casas legislativas dominadas por uma esmagadora maioria de homens brancos e bem-nascidos.

Ambas tiveram as vidas marcadas pela convivência com Marielle Franco e hoje carregam consigo a responsabilidade de dar sequência ao seu legado, brutalmente interrompido quando a vereadora do PSOL foi atingida por quatro tiros em emboscada no bairro do Estácio, região central da capital fluminense.

Este sábado (27) tem um duplo significado para elas: a data marca 500 dias dos assassinatos de Marielle e do motorista Anderson Gomes, e também seria seu aniversário de 40 anos se ela estivesse viva.

Somente um ano depois do crime, em março, a Polícia Civil e o MP-RJ (Ministério Público do Rio) prenderam Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, dois ex-policiais apontados como os assassinados da vereadora. Os mandantes e a motivação do crime, porém, não foram descobertos até hoje.

Renata, hoje deputada estadual pelo PSOL, e Talíria, deputada federal pelo mesmo partido, eram mais que amigas de Marielle. Renata, também criada na Maré, era sua chefe de gabinete. Talíria esteve lado a lado de Marielle quando ambas tomaram a decisão de entrar na política em 2016 --a amiga foi eleita para uma vaga na Câmara do Rio, enquanto ela se elegeu na vizinha Niterói.

A vivência de ambas na Câmara dos Deputados e na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) tem percalços que, segundo elas, estão intimamente ligados à condição de serem mulheres negras na política: casos de racismo e assédio, ameaças de morte e constantes ataques vindo de colegas e das redes sociais.

Também há o vazio da perda de Marielle e o peso de dar sequência ao seu legado. Chamadas de herdeiras, preferem ser vistas como sementes. "Não gosto da ideia de herdeira porque isso apaga a Marielle", explica Talíria Petrone. "Não tem outra Marielle".

As deputadas falam a seguir sobre a herança de Marielle e as dificuldades enfrentadas como parlamentares.

500 dias sem Marielle: o que dizem suas herdeiras

Evandro Leal/Agencia Freelancer Evandro Leal/Agencia Freelancer
Reprodução

Não retroceder na luta mantém Marielle viva, diz Talíria

"É natural que me vejam [como herdeira de Marielle] porque o motivo da minha candidatura a deputada é a execução da Marielle. Mas não gosto da ideia de herdeira porque isso apaga a Marielle.

Porque ela existia enquanto pessoa, e ela agora não existe mais. Desde a morte da Mari, as pessoas se preocuparam muito comigo. A gente brincava que ela era a Talíria do Rio e eu era a Marielle de Niterói. [Chora] Só que ela foi assassinada.

Não tem outra Marielle. Nem as três companheiras que foram candidatas depois disso, ninguém substitui a Marielle. O que é possível e é muita responsabilidade é não deixar as lutas que a Marielle encampava brilhantemente morrerem.

Essa é a forma de o corpo ter sido interrompido, mas de a memória seguir muito viva. Ela virou uma coisa muito maior do que qualquer uma de nós. Ela é um símbolo mundial de luta contra o racismo, pelo direito de mulheres amarem mulheres, contra a pobreza. Marielle foi uma mulher favelada e esse é um lugar onde não tem pão, mas tem tiro do Estado.

A responsabilidade que sinto hoje é sempre lembrar que eu não sou a Marielle. E que ela foi assassinada. Lembrar que ela foi morta com quatro tiros em um crime político é muito importante para que não esfrie a luta por justiça.

Não sou a Marielle, mas tenho muito orgulho de ter construído o início da minha vida parlamentar com a Marielle e de seguir com ela de alguma forma. E a responsabilidade que eu tenho diante disso é não retroceder nas pautas. Essa é a forma de cumprir com a responsabilidade que eu sei que tenho em memória de Marielle. É a forma também de ela estar viva de certa forma, mesmo que não seja seu corpo.

A execução da Marielle provocou também um levante de mulheres negras. Sementes sabendo que tem que brotar em todos os campos. Essa dor e indignação se transformou em um levante. Gente que passa a conhecer mais sua história e sua memória. Outras que vieram antes da Marielle. Essa é a forma de Marielle seguir viva.

A risada da Marielle é inesquecível. Ela vinha grandona, "toda toda". Ela era muito poderosa. Dava um tapão no ombro e falava: "E aí negona, vamos parar com isso". Eu gosto de às vezes ver uns vídeos e ficar escutando a risada dela."

Reprodução/redes sociais

"Um medo que me transforma em pessoa que luta", diz Renata

"Aquele dia foi de muito trabalho na Câmara dos Vereadores e ainda íamos para o debate na Casa das Pretas de onde Marielle saiu antes de ser assassinada. Debatíamos a possibilidade de ela se candidatar a vice-governadora na chapa do Tarcísio Motta [PSOL]. Eu fui para o debate na Casa das Pretas com a Marielle e o Anderson.

Ao final da reunião, ela teve um ato que diz muito quem era Marielle: convidou as suas três assessoras --eu, Dani Monteiro e a Mônica Francisco, as três mulheres sempre citadas como herdeiras políticas dela-- para fazermos falas.

Ao final, eu a abracei e disse: "E aí, Negona, gostou do evento?" (Renata chora). Ela respondeu: "Foi lindo. Vamos pra cima, negona".

Ainda a vi descendo a escada para ir embora com Anderson. Chamei um Uber e voltei para o Complexo da Maré, onde fomos criadas.

Cheguei e meu telefone tocava. Eram jornalistas querendo confirmar a morte. Eu desmentia dizendo que estava com ela há 15 minutos. Quando recebi a confirmação, fui até o local, mas não tive coragem de olhar para o carro. Essa lembrança sempre volta a mim, é desesperador.

Ser herdeira do legado da Marielle não é um peso, é um desafio. Marielle, ao virar um ícone mundial, me trouxe uma reflexão que beira o medo, mas um medo que não me engessa.

É um medo que me transforma em uma pessoa que luta para que outras pessoas não tenham medo. Carregar as pautas que ela carregava é honrar esta mulher ancestral. Isso nos traz uma responsabilidade extra, sem dúvidas."

Marcelo Camargo/ Agência Brasil Marcelo Camargo/ Agência Brasil
Cleia Viana/ Câmara dos Deputados

Talíria: Barrada no dia da posse

O Congresso é um horror, é a representação muitas vezes da senzala e da casa grande. (...) No meu primeiro dia na Câmara, não queriam me deixar tomar posse. Foi algo muito violento.

Naquele dia, estava me sentindo poderosa: um vestido colorido, um black em uma mulher negra. Estava me sentindo forte, tinha sido eleita com mais de 100 mil votos. Aí cheguei e me perguntam: "Cadê seu convite para a posse?". Como assim convite? "Eu vou tomar posse", respondi.

E insistiram: "Mas na posse de quem você está vindo?". A pessoa não estava entendendo. Será que eu não estava me expressando bem? Tinha um negócio aqui no meu peito mostrando que eu era deputada!

Essa foi a primeira vez de muitas que se seguiram. Mesmo com o broche de deputada, foram muitas vezes que fui orientada a deixar o elevador privativo para deputados e ir para o elevador de pessoas comuns --embora nós devêssemos ser pessoas comuns.

Teve um dia em que eu fui barrada duas vezes na porta do plenário porque não foram capazes de ver um broche em uma roupa colorida. Justamente por sermos poucas não é mais fácil identificar as deputadas negras? Mas nosso corpo não é natural lá. Na porta do Congresso pediam meu crachá, mesmo eu estando com meu botton de deputada. Isso só mudou quando passei a andar com escolta em Brasília.

Você precisa enfrentar a violência das redes. Precisa enfrentar as críticas à sua forma de falar e se vestir. E tem que provar o tempo todo que foi eleita e precisa ser tratada do mesmo jeito que outros parlamentares.

Então isso [ter sido barrada na posse] foi um indicativo muito forte do que eu enfrentaria. Ali no Congresso é tudo potencializado, diferente do que eu vivia na cidade de Niterói. É violento porque é muito corporal: a ousadia de um deputado piscar, botar a língua para fora. Isso dentro do plenário. Acontece algumas vezes até você falar: "Perdeu o que aqui?". Aí ele recua. Foi quando entendi que era um jogo corporal. Que era preciso falar firme.

Minha primeira fala foi para defender o Jean [Wyllis, ex-deputado do PSOL que renunciou ao mandato após seguidas ameaças]. Eu ainda estava muito tímida. É muito terno, é muito fazendeiro, muito banqueiro, muita gente da arma. Aquilo que você denunciava estava ali do seu lado, então pegar o microfone naquele lugar é intimidador. Mas, ao mesmo tempo, vem uma força impressionante. Aquilo para mim foi libertador. Falei para mim mesma: agora vou usar esse microfone porque fui eleita para isso."

André Rodrigues/UOL

"Vou erguer a voz quando um homem branco tentar me deslegitimar", diz Renata

"Esses seis primeiros meses de legislatura têm sido muito simbólicos. Os ataques em plenário dirigidos a mim raramente são políticos.

Eles tentam atingir a minha autoridade enquanto parlamentar. Já ouvi que sou "cheia de marra" e que "tenho nariz em pé". Disse a eles que não tenho nariz em pé, mas que tenho a cabeça erguida, sim.

Vou erguer a minha voz a cada vez que um homem branco tentar me deslegitimar. A minha defesa à vida é intransigente.

Um deputado em plenário chegou a dizer que tinha pena do meu marido. Isso é um ataque claro à mulher. É a visão que eles têm da mulher negra, que deve estar varrendo o chão da sua cozinha. Mas isto tem mudado e Marielle foi uma grande cicerone.

A Negona nunca quis estar sozinha na política, ser a única. Ela queria companheiras que defendessem o corpo da mulher livre, que defendessem as práticas feministas.

Tenho medo, sim, a cada embate que travo na Alerj. Qual será a relação dessas pessoas, desses deputados, com as máfias e milícias do Rio de Janeiro?

Só sei que preciso respaldar a minha segurança. Não tenho uma ameaça concreta, mas tomo cuidados em relação a isso. Marielle também não tinha ameaças quando foi executada. As falas e deboches desses deputados ferem a memória de alguém que foi morta sumariamente executada e revelam muito quem são essas pessoas, em qual lado eles estão na nossa sociedade."

Pedro Ladeira/ Folhapress

Talíria: gritos de deputados abafam discurso

Acho que as provocações são deliberadas para construir uma ideia da mulher que perde o controle, da histérica.

Todas as vezes que começo um discurso na Câmara começam junto os gritos dos deputados. Isso não acontece com todos, mesmo entre os companheiros de esquerda. É uma tentativa de desestabilizar. Às vezes, eu me descontrolo porque não é fácil.

Teve uma situação em que devia ter me controlado mais. Foi quando o ministro da Educação [Abraham Weintraub] estava lá no plenário, era uma comissão geral, e ele foi ouvido. Era o mesmo dia das primeiras manifestações contra os cortes na educação [15 de maio, quando estudantes foram às ruas em todo país].

De cara, eu estava bastante irritada porque queria estar nos atos, não no Congresso Nacional. Estou parlamentar, mas sou militante, educadora. Queria muito estar na rua. Lembro que cheguei cedíssimo para ser a primeira da fila e interpelar o ministro. Decidiram não usar a lista que a gente fez, por isso tinha a chance de eu não falar. Eu me senti completamente desrespeitada, com raiva do que é aquela Casa. E até um pouco desiludida.

E aí veio a fala do ministro. Foi completamente desrespeitosa com os profissionais de educação, dizendo que tinha pesquisa que tinha que ficar engavetada. Naquele dia foi meu primeiro contato direto com ele. Na hora que fui falar já estava muito indignada. Fiz uma fala muito dura. Não me arrependo dela, porque era a fala do tom. As ruas estavam lotadas pedindo a cabeça do ministro e alguém precisava dizer que ele não entendia nada de educação.

Tem um deputado do Pará que costumeiramente me interrompe na CCJ [Comissão de Constituição e Justiça]. No meio da minha fala, ele começou a gritar muito no microfone desligado. Ele estava na minha frente, era impossível não ouvir. Ele é conhecido por ser uma pessoa perigosa. Depois eu soube que perturbou o Jean o mandato inteiro, ia acuando o Jean. E ele não vai me acuar.

Acabei minha fala e desci do púlpito. Estava com raiva, se pudesse voava em cima dele. Botei o dedo na cara dele e falei: "Fica esperto, deputado". Ele levou um susto e perguntou: "Com você?". E eu respondi: "Com o povo, deputado. Fica esperto com o povo".

Isso virou uma grande confusão. A Carla Zambelli [deputada do PSL-SP] veio para cima de mim, me chamando de maconheira. Eu nem fumo maconha, embora apoie a legalização!

Comecei a ficar muito nervosa, fui para cima dela e virou uma briga física. Uma coisa ridícula. Olha a cena do Parlamento brasileiro: ao mesmo tempo estava lá o Pastor Sargento Isidório (Avante-BA) com a Bíblia na mão me defendendo: 'Parem de perturbar a professora! Vocês estão com o diabo no corpo'. Porque é um cara de origem popular e também estava indignado quando acabam com a educação pública.

Isso virou um vídeo comigo colocando o dedo na cara dela que teve muita repercussão. Deu trabalho para minha equipe de comunicação. Sou uma ariana impulsiva. Não acho que foi minha responsabilidade, mas acho que podia ter evitado. Isso é dar munição para esses setores continuarem com seu ódio. Nesse dia, confesso que saí e fui tomar uma cerveja porque me senti vitoriosa.

Teve um segurança do plenário que veio no meu ouvido e falou: "Deputada, xingar é quebra de decoro. Quando for assim fala no ouvido". Foi bom extravasar, mas isso se reverteu em muita violência, ameaça de morte. Tem que medir também, não dá para perder a cabeça sempre naquele lugar."

Divulgação

Talíria: mais medo após assassinato de Marielle

"Fiquei quatro meses com escolta da Polícia Militar depois da execução da Marielle. Quando fui eleita, nossa equipe conversou muito porque já achava que era importante relatar ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), esse conjunto de ameaças, para tomarmos uma decisão juntos. Eu fui muito resistente porque detesto esse acompanhamento da minha vida, com limites que me impõem. Estava mais segura e disse que não queria isso naquele momento.

Em abril, o chefe da Polícia Legislativa me ligou. Disse que recebeu um comunicado da inteligência da Polícia Federal de que eu estava em risco e que era necessária uma proteção à minha vida. Prontamente a Polícia Legislativa fez a escolta e eu fui tomar as providências que me indicaram, como fazer uma queixa na PF.

O Rodrigo Maia enviou um ofício ao governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, pedindo que aqui no Rio ele se responsabilizasse pela minha proteção. Um mês depois, sem receber nenhuma resposta, ele enviou outro ofício. A bancada do PSOL pediu uma reunião com o governador e não foi atendida. Até hoje não houve nenhuma resposta.

Fomos até a imprensa publicizar minimamente o que estava acontecendo e ele respondeu para a imprensa dizendo que isso não era atribuição dele. Recentemente liguei e mandei uma mensagem por WhatsApp para o vice-governador [Claudio Castro, do PSC] a esse respeito, mas ele não respondeu ou retornou. Então acho que não há nenhum apreço por parte do governador do estado pela minha vida.

Essa última ameaça se trata do planejamento de um plano de execução. A orientação de proteção é da própria PF. Mas tem uma coisa que eu preciso dizer para quem nos apoia e para quem nos odeia: isso é transitório. Acredito que em algum momento isso seja revertido.

Tenho medo. E acho que mudou depois da morte da Marielle. Quando matam a Marielle em uma capital brasileira, no centro da cidade. Um crime tão planejado com alguém tão próximo, com as mesmas bandeiras. Isso gira uma chave e traz uma concretude para esse medo. O medo é maior depois da execução da Marielle.

Mas é tão grande quanto a certeza de que não tem outra chance. Você acha que eu nunca pensei no que estou fazendo com a minha vida? Sou professora, podia estar dando minha aula. Isso tem impacto na minha família, no meu relacionamento, no desejo da maternidade.

Mas, toda vez que eu penso, vejo que parar seria impossível. A injustiça não pode ser natural. Ainda mais com a execução de Marielle. Ela coloca de forma mais explícita a necessidade da luta. É isso que ela traz como gatilho para esse novo momento. Detesto andar com escolta, mas essa é a forma de minimizar esse medo.

Eu sou muito livre, sou da rua. E sempre fui meio destemida, de ir às duas da manhã para meu sambinha na Lapa. Agora tem lugares que eu não posso mais ir. A boêmia virou a cozinheira e cuidadora de plantas.

Sempre quis ser mãe, mas é difícil. Já é pela própria tarefa de ser deputada, de ficar entre Brasília e Rio. Mas não sei se quero ter mais um 'serzinho' que vai depender do meu cuidado envolvido nesse conjunto de ameaças. Não é fácil para o meu eu mulher e para minhas características pessoais de muita liberdade.

Não estou me sentindo sozinha porque tem muita gente que me acolhe. Tem muita violência e é muito pesado, mas também tem muito abraço."

*Na ocasião em que negou escolta a Talíria no Rio, o governo de Witzel justificou, por meio de nota, que "por se tratar de um pleito na esfera federal, o gabinete concluiu que este deve ser verificado pela Polícia Federal". A nota cita um decreto de 1973.

PAULO CARNEIRO/AGÊNCIA O DIA/AGÊNCIA O DIA/ESTADÃO CONTEÚDO

"Ela teria sido presidente da República, tenho certeza disso", diz Renata

"O Rio de Janeiro é uma ressonância dessa escolha por uma política de segurança pública que não preza pela segurança das pessoas.

No Rio, temos um aumento significativo de letalidade policial. Informei isto à ONU [Organização das Nações Unidas] e à OEA [Organização dos Estados Americanos], e também citei o uso de helicópteros como plataforma de tiros. O que o governador Wilson Witzel fez diante disto? Pediu a minha cassação.

Uma mulher negra, vinda de uma região carente, não por acaso, foi a primeira perseguida do governador. O mesmo governador que esteve em um ato de campanha no qual a memória de Marielle foi destruída. Isto me dá a certeza de que esse é o lugar em que eu deveria estar, de fato.

Existe uma distorção do olhar para a mulher negra na política. Acham que só falaremos sobre questões de gênero e etnia. Eu, por exemplo, tenho um doutorado que tematiza a segurança pública.

O olhar para a mulher negra é deslegitimador. Quando uma mulher negra vem candidata, e aconteceu comigo, diziam que eu disputaria votos com outras mulheres negras, ignorando que cada uma dessas mulheres tem a sua especificidade.

Quando igualam as mulheres negras desta maneira, é para não ocuparmos lugares de poder. Aqui na Alerj temos a Mônica Francisco que trabalha com economia solidária, temos Dani Monteiro que tem um trabalho voltado para a juventude. Somos mulheres com atuações diversas, mas na fala alheia somos sempre igualadas e rebaixadas.

Nós, que trabalhávamos com a Marilelle, sempre sonhamos em vê-la no Senado. Nós já víamos Marielle como uma gigante, mas ela mostrava que não queria viver disso para sempre. Ela sempre me disse: 'Renata, vamos escrever artigos acadêmicos. Eu não vou viver da política'.

Ela sabia que aquilo podia ser passageiro. Marielle era uma intelectual. Ela teria sido presidente a República, tenho certeza disso."

Topo