O controle também passou pela academia e a classe intelectual do país. Ainda nos primeiros anos de seu governo, Orban criou novas academias de ciência, dirigidas por leais seguidores de seu partido. Tais estruturas passaram a concentrar grande parte do dinheiro do Estado, com professores com salários mais elevados.
Os investimentos em Humanas despencou, acadêmicos foram demitidos por promover seminários sobre o discurso de ódio.
Num caso específico, um intelectual foi acusado de corrupção por ter aprovado a tradução de uma obra de Platão. O governo alegava que já existia uma tradução e que não era necessário uma segunda.
O governo também criou supostas avaliações de desempenho das instituições, principalmente relativas às Ciências Humanas. Com o argumento de que eram pouco eficientes, tiveram seus recursos bloqueados e o orçamento para pesquisa sumiu.
A partir de 2013, novas regras foram estabelecidas para as universidades, com a criação do cargo de chanceler, destinado a cuidar do orçamento da instituição. Resultado: o poder do reitor foi diluído e, no fundo, a autonomia das universidades acabou. Só recebia dinheiro quem tivesse um programa alinhado com os objetivos de Orban.
Um dos maiores golpes na academia foi ainda perpetrado contra a Universidade Centro-Europeia (CEU), que já anunciou que encerrará suas ativerdes em Budapeste e irá se mudar para Viena. Uma vez mais, não houve um tanque derrubando os portões da universidade. Numa série de mudanças de legislações, o governo acabou determinando que uma instituição de ensino estrangeira precisava cumprir uma série de condições. Uma delas: assinar um acordo com o governo.
O tratado foi negociado por meses e concluído. Mas Orban jamais assinou o documento e a universidade que servia de centro de resistência terá de sair. Financiada pelo bilionário George Soros, a CEU entrou no ranking do Times das 100 melhores universidades do mundo em ciências sociais. O jornal alemão Die Zeit ainda chegou a colocar seu departamento de ciência política como um dos cinco melhores da Europa.
A história da Hungria também passou a ser alvo de investidas do governo, criando entidades paralelas aos institutos tradicionais e, literalmente rescrevendo a história. "Houve uma captura do Estado por um grupo", denunciou Nagy. "O governo está tentando criar uma nova narrativa do país, uma realidade paralela", afirmou.
O professor conta que aqueles que resistem buscam financiamento no exterior. A resistência também pode ser encontrada nas ruas de Budapeste. Um estátua inaugurada por Orban passou a ser o símbolo da recusa de parte da população em aceitar a versão da história apresentada pela extrema-direita.
Nas artes, aliados de Orban foram colocados em locais estratégicos, comandando teatros e museus com temas de interesse do governo. Na Opera Nacional, por exemplo, a programação deste ano está dirigida ao cristianismo, uma das bandeiras da extrema-direita.
Artistas talentosos e populares que não aceitavam a linha ultraconservadora desapareceram dos principais palcos, enquanto atores medíocres passaram a ser amplamente financiados pelo estado.
Em 2018, uma exposição sobre Frida Kahlo foi acusada pelos jornais pró-Orban de estar "promovendo o comunismo". Também no ano passado, a Opera Nacional foi obrigada a cancelar as apresentações do musical Billy Elliot depois que uma campanha foi conduzida na imprensa aliada ao governo, chamando a obra de "uma propaganda homossexual".
Um editorial no jornal Magyar Id?k considerou que a história do garoto que queria aprender ballet poderia "transformar crianças em homossexuais". Desde 2016, a Opera havia encenado o musical em 90 ocasiões. Mas teve de cancelar os últimos 15 shows programados.
Enquanto isso, outro jornal ligado ao governo, o Figyel?, publicou uma lista de pesquisadores "acusados" de trabalhar em estudos sobre "direitos gays e ciência de gênero".
Outra forma de controlar a produção artística tem sido a publicidade. Mesmo pequenos teatros passaram a ser obrigados a apresentar seu plano de financiamento e publicidade a uma agência estatal.
Nada disso, porém, impediu o novo secretário da Cultura de Bolsonaro, Roberto Alvim, de se reunir e fechar um acordo com o ministério da Cultura da Hungria, na semana passada.
Sociedade Civil
Outro foco dos ataques de Orban tem sido as ONGs, ativistas ou qualquer movimento que questione de forma dura o governo.
Para Márta Pardavi, co-presidente da ONG Hungarian Helsinki Committee, a realidade é que o governo não quer a existência de controles externos. Já Judit Wirth, diretora da entidade NANE, dedicada à combater a violência de gênero, destaca que uma das formas de intimidação foi a proliferação de controles de auditoria e de impostos, principalmente entre 2014 e 2016. Além disso, todas as entidades que recebem algum tipo de recursos do exterior passaram a ser registadas por "agentes externos".
Apesar de o país ter cerca de 60 mil ONGs, elas passaram a ser excluídas do processo de elaboração de políticas públicas.
Kovac, do gabinete de Orban, justifica. "Temos uma regra. A democracia não é a regra das instituições, de ONGs e entidades internacionais. Mas o governo é das pessoas. Isso é feito por eleições. Elas podem ter opiniões e causas. Mas elas precisam entender que nunca foram eleitas. Reivindicar capacidades políticas não faz sentido", disse.