A vida após o inferno

75 anos depois, sobreviventes de Auschwitz contam o que viveram no campo de concentração

Michael Blum e Guillaume Lavallee Da AFP Menahem Kahana/AFP

No 75º aniversário da liberação do campo de Auschwitz, uma equipe da AFP se reuniu com os últimos sobreviventes do Holocausto residentes em Israel.

Oriundos da Europa, esses sobreviventes foram para Israel após a Segunda Guerra Mundial, depois de terem passado parte de sua infância, ou adolescência, nos campos de extermínio. A maioria perdeu parte de sua família nesses campos.

Marcados por toda vida pelos campos da morte, são mulheres e homens, cujo número exato continua sendo difícil de estabelecer. Hoje, fazem parte dos últimos testemunhos do inferno do Holocausto, o extermínio sistemático de cerca de seis milhões de judeus por parte da Alemanha nazista. Um milhão deles assassinados no campo de Auschwitz.

Estas são suas histórias:

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Vozes da tragédia

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Orgulho da tatuagem

Szmul Icek, número 117568, nasceu em 20 de setembro de 1927, na Polônia

Szmul Icek perdeu a fala em um acidente, mas, mesmo antes, não seria capaz de contar o que se passou em Auschwitz. Quando menciona seus pais e suas irmãs, assassinados pelos nazistas, não consegue conter as lágrimas.

Apesar do afeto de sua esposa, de sua única filha e dos netos, nunca conseguiu cicatrizar as feridas.

Antes de se mudar para Israel há alguns anos, esse judeu belga de origem polonesa costumava esconder o número que tem tatuado no braço. Mas, desde passou a viver no Estado hebreu, ele o exibe com orgulho e se nega a esconder seu passado traumatizante.

Mesmo com dificuldade para se expressar, tenta, com a ajuda da mulher —que ainda criança viveu escondida durante a guerra—, reconstituir as etapas de sua prisão e da separação do restante da família. Um passado doloroso que continua a atormentá-lo dia e noite.

Ao contrário de outros resgatados, nunca voltou a Auschwitz e não lê livros sobre esse assunto. "Não sei explicar o que aconteceu", admite Szmul com os olhos marejados, perdido em suas lembranças.

Dois de seus irmãos também sobreviveram.

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Medo das lágrimas

Avraham Gershon Binet, número 14005, nasceu em 15 de janeiro de 1938

Avraham Gershon Binet era um menino de 6 anos quando chegou a Auschwitz, mas diz que guarda lembranças precisas daquele lugar, que chama de "inferno".

Hoje um homem corpulento, Binet conta que não chorou, porque tinha medo de que o matassem por suas lágrimas.

"A cada dia, matavam crianças por nada. Eu não chorava, sou forte", conta ele, em seu apartamento de Bnei Brak, nos arredores de Tel Aviv.

Sua vida atual gira em torno do estudo do Talmud, texto fundamental do judaísmo, ao qual dedica horas todas as manhãs. Podem ter roubado sua infância, mas agora, durante sua aposentadoria, tenta fazer tudo o que não pôde quando jovem: estudar os textos sagrados, como seus pais queriam.

Foi deportado junto com seu irmão e sua irmã, que sobreviveram.

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O narrador do terror

Dov Landau, número 161400, nasceu em 10 de agosto de 1928, na Hungria

Acostumado a contar sua história em público, Dov Landau já viajou mais de 100 vezes para Auschwitz com grupos, principalmente escolares, para narrar sua história durante a guerra.

Orgulhoso de sua numerosa descendência (91 pessoas, todas residentes em Israel), relata sua história como se falasse de um filme de terror: da prisão de sua família até sua libertação no campo de Buchenwald, em 1945, após a terrível marcha da morte desde Auschwitz, onde viu morrer metade de seus companheiros de campo.

Das últimas semanas no campo de Buchenwald, conserva sua calça de prisioneiro. Sorrindo, ele diz que engordou e, desde então, a peça já não lhe cabe mais.

Quando cumprimenta alguém, o aperto de mãos de Dov Landau é forte. Continua usando sua voz grave como cantor em uma sinagoga próxima de sua casa, em Tel Aviv.

Dov conta os horrores da época, guardando uma certa distância, o que permite que continue contando sua história sem ser derrotado por suas próprias lembranças.

"Meu pai me disse: 'vamos nos separar, não nos veremos nunca mais'... Colocou sua mão em minha cabeça e disse: 'você sobreviverá a esse inferno e eu só lhe peço uma coisa: continue sendo judeu!'", relata Dov Landau em seu pequeno apartamento, que parece um museu da memória do Holocausto, com um grande número de fotos e de arquivos.

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Escondida nas latrinas

Helena Hirsch, número A 20982, nasceu em 23 de maio de 1928, na Romênia

Ela se move lentamente com um andador, mas seu espírito continua muito vivo. Helena Hirsch, que vai completar 92 anos, define-se como uma "heroína".

"Se hoje continuo viva, é porque sou uma heroína", afirma a nonagenária, cuja memória permanece intacta.

De origem romena, Hirsch conta, com riqueza de detalhes, como conseguiu superar a dura prova dos guetos e dos campos de trabalho, nos quais ficou presa. Entre eles, o de Auschwitz, para onde foi deportada em 1944.

Escondida nas latrinas de seu bloco quando seus companheiros foram enviados para as câmaras de gás, deve o fato de ter sobrevivido várias vezes a sua grande determinação, somada a uma sorte que não consegue explicar.

Hoje, vive em um pequeno apartamento de Bnei Brak, subúrbio de Tel Aviv, no quarta andar de um prédio modesto, sem elevador. Devido a seu estado de saúde, não pode sair de casa e, nas poucas vezes em que recebe visita, relata a história de sua luta contra a morte e de sua "vitória" contra os nazistas.

É a única sobrevivente de sua família.

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Ajuda das bonecas

Malka Zaken, número 79679, nasceu em 1928, na Grécia

Malka Zaken tem 91 anos, mas, quando conta sobre sua infância, recupera o olhar e a voz da menina que foi arrancada dos braços da mãe, junto com uma boneca, e enviada para Auschwitz.

Em seu humilde apartamento de Tel Aviv, vive rodeada de bonecas, que a permitem —diz ela— lembrar os anos felizes antes daqueles que os "alemães levaram de nós".

Nascida na Grécia, tinha 12 anos quando teve de enfrentar as ameaças diárias de morte em um campo em que a sobrevivência dependia da boa vontade dos nazistas.

Foi encarregada da tarefa de dobrar a roupa dos judeus assassinados nas câmaras de gás, e agora conta com pudor sobre os golpes e o medo. Quando as lembranças parecem mais difíceis, olha para suas bonecas e se tranquiliza.

"Não se preocupe, os alemães não vão nos levar", murmura para Sean, a boneca "americana" de quem, afirma, sente-se próxima.

Ela conseguiu reencontrar duas de suas seis irmãs depois da guerra, mas elas já morreram.

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Cobaia de médico

Saul Oren, número 125421, nasceu em 1927, na Polônia

Em um francês impecável, Saul Oren, um homem religioso que passou muitos anos na França após a guerra, narra sua infância em um povoado próximo de Oswiecim (Auschwitz), no coração de uma comunidade ortodoxa. Uma infância interrompida pela invasão alemã da Polônia em 1939.

Escolhido por um médico nazista de Auschwitz como cobaia de experimentos médicos, foi enviado para um campo de concentração alemão, de onde foi libertado em 1945.

Escreveu suas memórias, nas quais conta que nunca se esqueceu da "fome" que passou em Auschwitz. "A fome em Auschwitz era atroz. Ninguém consegue imaginar o quanto", diz, com a voz trêmula.

Saul Oren, uma testemunha incansável do Holocausto, continua contando o que passou, porque se sente na tarefa de "transmitir" essa vivência como uma missão.

Reencontrou-se com seu irmão Moshé, que esteve com ele em Auschwitz. Ambos migraram para Israel.

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Cara a cara com o inimigo

Shmuel Blumenfeld, número 108106, nasceu em 1925, na Polônia

A memória de Shmuel Blumenfeld está intacta. Lembra-se de cada gueto, de cada campo, de cada companheiro. E há décadas se deu conta disso.

Do terraço de seu apartamento, em uma torre de Bat Yam, nos arredores de Tel Aviv, vê-se o Mediterrâneo. No interior, as dezenas de fotos, diários e documentos que se acumulam em mesas e paredes escondem a casa.

Sobrevivente de Auschwitz e da marcha da morte, transformou-se em carcereiro em Israel e teve de ficar cara a cara com o responsável pelo transporte de judeus para os campos de concentração quando trabalhou na custódia de Adolf Eichmann antes de seu julgamento, realizado em 1961, em Jerusalém.

De frente com o criminoso nazista, fez sua vingança, mostrando seu número tatuado no campo e dizendo para ele: "seus homens não terminaram o trabalho, estou vivo". Shmuel conta a história sorrindo.

De suas viagens para a Polônia nos últimos anos, trouxe terra dos lugares em que seus familiares foram assassinados, que conserva em uma pequena bolsa já amarelada. Pediu a seu filho que seja enterrado com ela.

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Pizza em Auschwitz

Danny Chanoch, número B2628, nasceu em 1933, na Lituânia

Protagonista do documentário premiado "Pizza em Auschwitz", que o mostra comendo pizza junto com os filhos durante uma viagem à Polônia organizada para ensinar a eles onde tinha vivido, Danny Chanoch surpreende seus interlocutores pelo bom humor.

Encadeando piadas e jogos de palavras, inclusive sobre o Holocausto, explica, sorridente, que depois de Auschwitz "não há nada no mundo de que possa me queixar".

Em algumas frases, menciona cenas de matanças e barbárie a que assistiu ainda criança. Logo depois, põe-se a cantar uma ária de ópera em italiano, ou propõe beber algo para relaxar o ambiente.

Ainda assim, o fato de rir de si mesmo e o bom humor não bastam para esconder completamente as feridas deixadas por aqueles anos no "inferno", que nunca chegaram a acabar.

"Auschwitz continua vivendo aqui, em minha casa", diz, rindo.

Após a guerra, encontrou seu irmão na Itália e, com ele, migrou em 1946 para a então Palestina.

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O único resgatado

Menahem Haberman, número A 10011, nasceu em 1927, na Checoslováquia

Em uma casa de repouso de Jerusalém desde que sua mulher faleceu, Menahem Haberman é o único habitante do centro sobrevivente de Auschwitz.

Dos oito irmãos, foi o único resgatado. Ele conta que, no dia seguinte de sua chegada a Auschwitz, quando compreendeu que sua família havia sido exterminada, ele decidiu que viveria.

Sobreviveu ao gueto, aos diferentes campos de trabalho anexos ao de Auschwitz, à marcha da morte e à tuberculose no campo de Buchenwald.

Seu orgulho são seus filhos e netos, principalmente os que serviram no Exército israelense, visto por ele como símbolo da "vitória" contra os nazistas, de sua vitória pessoal e a do povo judeu, apesar dos milhões de mortos durante o Holocausto.

Apesar de sua "vitória", diz que não poderia esquecer.

Não podemos esquecer. Não posso. Conheci tanta gente que era melhor do que eu... Por que eles morreram, e eu continuo vivo?

Após a guerra, reencontrou-se com seu pai.

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As "coisas maravilhosas" no Holocausto

Batsheva Dagan, número 45554, nasceu em 1925, em Lodz (Polônia)

Repleta de energia apesar de seu 94 anos, a educadora e psicológica Dagan publicou seis livros sobre o Holocausto, cinco dos quais infantis. Pioneira do ensino do Holocausto, dedicou sua vida a dar o testemunho do que aconteceu.

Queria sobreviver para contar ao mundo

Recusa ser classificada como "resgatada" e prefere se apresentar como uma "sobrevivente", pois, para ela, ter vivido em Auschwitz não quer dizer que foi resgatada.

Apesar do desafio, também vê coisas positivas na ideia de transmitir a história para as crianças.

O Holocausto não são unicamente horrores. Havia coisas maravilhosas, como a ajuda mútua, o apoio moral, a capacidade de compartilhar um pedaço de pão, a amizade... Continuamos sendo muito humanos

Foi a única sobrevivente de sua família.

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De prisioneiro a policial

Shmuel Bogler nasceu em 1929, na Hungria

Era o mais jovem de dez irmãos e foi deportado para Auschwitz com grande parte de sua família. Conseguiu escapar da morte ao ser enviado para um campo de trabalho com um dos irmãos.

Sobrevivente da marcha da morte com seu irmão, tentou migrar para a Palestina sob mandato britânico, em maio de 1947.

Foi detido pelos britânicos, que o libertaram meses depois. Caiu nas mãos da Legião árabe jordaniana em maio de 1948, quando combatia pela defesa de localidades judias no sul de Jerusalém.

Me perguntava se passaria toda vida sendo prisioneiro

Virou policial, foi comandante adjunto de um departamento da polícia israelense e testemunho incansável do Holocausto, principalmente desde que se aposentou e publicou suas memórias.

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