Arthur Lira (PP) tinha férias de menino da roça na infância. Corria para o sítio da avó e passava semanas roendo rapadura, pescando, matando passarinho com estilingue e andando a cavalo. Dormia em uma casa sem luz elétrica e voltava a Maceió todo estropiado, mas completamente feliz.

A criação nos grotões de Alagoas desde os 5 anos introjetou nele os valores do Nordeste rural. Ou você tem casca ou não aguenta o tranco.

E é assim que o presidente da Câmara dos Deputados lida com as questões da política até hoje —e espera fazer isso até quando aguentar. Pragmatismo é mato.

O "CEO" do centrão foi o primeiro do alto escalão do poder a ligar para Lula e parabenizá-lo pela vitória na eleição presidencial. Mesmo sendo de direita e tendo se juntado a aliados de Bolsonaro.

Nessa toada, também foi reeleito este ano com 90% dos votos na disputa pela Câmara dos Deputados, um recorde na casa.

O apego ao senso prático não é uma escolha deliberada, mas uma imposição que o filho do ex-senador Benedito de Lira (PP) aprendeu cedo.

Gabriela Biló/FolhaPress/Claudio Reis/Agência Enquadrar/Folhapress Gabriela Biló/FolhaPress/Claudio Reis/Agência Enquadrar/Folhapress

Filho de um linha-dura

Arthur estudou em escola de freira, o Colégio Sacramento de Maceió. Esteve com a mesma turma da quinta série até o último ano do Ensino Médio. Diz que 94% dos amigos passaram no vestibular e se orgulha disso.

Nada que fosse novidade para Arthur. Aprovado em direito quando estava no segundo ano, repetiu o desempenho no terceiro ano do científico —forma como as pessoas de sua idade, 54 anos, chamavam o Ensino Médio na época. Mas o bom desempenho escolar contém uma mácula.

Em uma ocasião Arthur ficou de recuperação em ciências. Linha-dura, o pai lembrou que todos os dias a mãe tirava o Chevette da garagem para levá-lo à escola. A dinâmica mudou e, dali em diante, o garoto iria a pé.

A distância era longa, mas o tempo concedido, curto. Ele tinha 15 minutos para chegar na escola. E era obrigado a ligar do orelhão para confirmar aos pais que estava no colégio.

Até hoje Arthur usa a desculpa clássica de todo estudante para justificar a recuperação: foi implicância da professora.

João Montanaro/UOL João Montanaro/UOL

Pegada de vaqueiro

Na faculdade, Arthur estudava com filhos de usineiros que iam para aula de Escort XR3 e Gol GT, o ápice dos carros esportivos da década de 1980. Ele tinha outro interesse, a vaquejada.

O pai reclamou que era coisa de malandro, de quem não trabalha. Ressaltou que os praticantes viviam se quebrando.

Foi inútil. A vaquejada virou um modo de vida, que já lhe rendeu 300 troféus e incontáveis escoriações pelo corpo.

Entre os 19 e os 41 anos, Arthur montava em todos os finais de semana. As pessoas perguntavam se ele conhecia a Europa, e o garoto só tinha estado nas canchas de vaquejada. A modalidade consiste em perseguir um boi montado num cavalo, agarrar o bicho pelo rabo e lançá-lo ao solo com um puxão.

Como o pai previra, a dinâmica entre animais com centenas de quilos correndo num espaço fechado causou inúmeros acidentes. Arthur não tem um dedo intacto nas mãos, já quebrou uma costela, lesionou os braços e os ombros e rompeu uma série de ligamentos.

Em um dos dedos não tem as falanges, nome dos ossos que recheiam a pele. Ele é tão maleável que vira um "S" e envolve os dedos vizinhos como uma trepadeira abraçando o tronco de uma árvore. Mas a sequela mais impressionante é um buraco que Arthur tem no bíceps esquerdo, consequência de um rompimento.

A modalidade é bruta para o homem e o boi. Algumas vezes o puxão para jogar o animal no chão é tão forte que arranca o rabo do animal com cartilagem e tudo. Esta é a criação do homem que nos últimos anos andou tomando vinhos caros com gente do mercado financeiro.

Vaquejada virou negócio

Arthur ganhou fama e fez da vaquejada um negócio. Criou o próprio evento em uma área a 20 km de Maceió, com show e estacionamento seguro. Armas eram proibidas. O motivo: o medo de uma discussão por mulher ou bebida terminar em tiro.

Ele próprio ia para portaria e convencia até policial e juiz a deixar o revólver de fora.

A organização, pontualidade e o conhecimento de Arthur no meio catapultaram o evento. Durante 15 anos a final do Campeonato Brasileiro de Vaquejada aconteceu no local. Ele viveu essa vida até 2011, primeiro ano em Brasília.

A carreira na vaquejada acabou numa queda em Caruaru (PE) que causou a ruptura de ligamentos.

Arthur percebeu que a atividade de deputado federal já era incompatível com a modalidade. Escolheu a política.

Vale lembrar que a vaquejada é criticada por organizações em prol da defesa de animais por impor sofrimento a eles. Em 2016, chegou a ser proibida pelo STF e, um ano depois, acabou liberada pelo Congresso via PEC.

Álvaro, o herdeiro

Arthur se afastou das competições, mas ainda tem ligação com a modalidade e está organizando a retomada dos eventos. Já tem um programado para o final do ano.

O parque que abriga a vaquejada se chama Arthur Filho, nome do primogênito que pouco se parece com o pai. Trata-se de um garoto de 23 anos recatado, sério e que não curte vaquejada e nem política.

O filho Álvaro é o contrário. Cópia mais nova de Lira, gosta de jogar conversa fora, forró, política e é campeão de vaquejada. Só não angaria troféus na mesma velocidade do pai porque passa bastante tempo em Brasília.

Quando volta a Alagoas, é celebrado e só não começou na vida pública por falta de idade. Alvinho está com 17 anos.

O garoto tem o pai como orientador na vaquejada e será o mesmo na política. Entre as lições a serem passadas está a maneira como os nordestinos são vistos no Sul e Sudeste. Arthur relata casos reiterados de preconceito.

Ele cita que durante um evento com o mercado financeiro escutou um ricaço esbravejar que não seria uma pessoa do "Norte" a dizer aos donos do PIB como o país seria administrado. O empresário multimilionário desferiu a afronta e saiu da sala.

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Chefe tóxico

Se empresários endinheirados chegaram a rejeitar Lira por preconceito, alguns assessores não gostam dele por um motivo pertinente: dizem que são tratados como gado. Ele é descrito como um chefe tóxico.

Dois secretários-gerais da Mesa, principal função de assessoramento das sessões, deixaram o cargo nos dois anos e meio de Arthur no comando da Câmara.

Pessoas afirmam que folgas, férias e feriados são cassados. Há relatos de ordens para auxiliares interromperem viagens internacionais.

Burnout e crises de ansiedade são sequelas mencionadas por quem trabalhou com Arthur.

Tem gente que mudou o toque de celular após pedir demissão. Aquele som estava associado às demandas do ex-chefe e servia de gatilho para ansiedade e sensação de rebaixamento.

Arthur tem entendimento diferente. Afirma que os consultores da Câmara têm salário inicial de R$ 26 mil e precisam apresentar uma entrega compatível com os rendimentos. E justifica que não se pode mais permitir longas emendas de feriados como era comum acontecer em Brasília.

Ainda ressalta que seu turno de trabalho é longo. Acorda no máximo às 8 horas e vai dormir de madrugada.

O corpo de Arthur está pagando o preço destas jornadas exaustivas. Ele terminou o semestre com dor nas costas e está tomando remédio para perder peso. Rendeu-se a injeções similares ao famoso Ozempic. No caso de Arthur, o remédio 'milagroso' é importado.

Fora do sério com a ex

Injeções aliviaram as costas de Arthur, mas a falta de tempo para exercícios faz o reencontro com a dor ser uma certeza de curto prazo. Mas este assunto está longe de ser a maior dor de cabeça.

O bom humor desaparece quando surge o assunto Jullyene Lins.

A ex-mulher acionou a Justiça acusando Arthur de agressão. Ela perdeu o processo, mas volta e meia dá entrevistas sobre o assunto. Jullyene reiterou recentemente as denúncias de agressão e afirmou ter sido estuprada pelo parlamentar. No boletim de ocorrência, Jullyene disse ainda que foi ameaçada de morte. Lira nega as acusações.

Pessoas próximas contam que ele costuma sair do sério quando o assunto vem à tona. Mesmo contra a orientação de assessores, acionou a Justiça para tirar reportagens do ar.

A avaliação é de que a atitude deu visibilidade às entrevistas e levou Arthur a ser chamado de defensor da censura. Apesar de contrariados, os aliados não abandonam a defesa. Fazem comentários negativos sobre a ex e sacam um argumento que consideram definitivo.

Contam que Jullyene tem uma filha de um relacionamento anterior ao casamento com Arthur. Depois da separação, a garota escolheu ficar com ele.

Ueslei Marcelino/Reuters/Mauro Pimentel/AFP Ueslei Marcelino/Reuters/Mauro Pimentel/AFP

Uma pitada de política

O convívio com a ex é impossível. A convivência com gente poderosa tem altos e baixos. Sobre Bolsonaro, Arthur reconhece que o ex-presidente tem defeitos e às vezes se aproximava do extremo. Mas diz que o capitão tinha desprendimento suficiente para delegar poder.

Com Lula a relação é diferente. Arthur acompanhou a vitória do petista na Residência Oficial da Câmara, em Brasília. Aguardava o resultado rodeado de aliados políticos. Todos do time Bolsonaro.

Confirmada a derrota do ex-presidente, Arthur ficou arrasado. Novos acordos teriam de ser fechados e nada garantia que se manteriam tão vantajosos para ele e o centrão.

O presidente da Câmara foi o primeiro expoente da República a reconhecer o resultado. Se manifestou antes de todos, até de Alexandre de Moraes, presidente do TSE. Na sequência, ligou para Bolsonaro e consolou o então presidente dizendo para ter paciência porque haveria uma nova eleição em 2026.

Lula foi acionado na sequência e recebeu os parabéns. Foi a primeira vez que ele conversou com o presidente eleito. Os companheiros de centrão ficaram perplexos com Arthur. Mas ele afirma que jamais vai chamar Lula de "ladrão" ou "bandido".

A avaliação dele é de que o presidente está enferrujado e com a cabeça muito parecida com 2003. Ainda assim, a ressurreição política não passa despercebida.

Arthur Lira tem sido uma espécie de maestro da entrada do centrão no governo. A parlamentares relatou já ter tranquilizado o presidente Lula sobre o risco de abertura de um processo de impeachment: 'Ele não precisa ter esse receio'.

Sem tempo para piscina

A atividade política que tira o tempo dos exercícios de prevenção a dor nas costas também atrapalha o lazer. Arthur mora na mansão destinada ao presidente da Câmara e jamais entrou na piscina. A parte da casa que consegue aproveitar é a churrasqueira.

O ministro Celso Sabino comanda os espetos e a turma se reúne ao redor de um barril de cachaça. Também há momentos de lazer nas viagens a Alagoas. Ainda que a presença de Arthur cause uma romaria de prefeitos, vereadores e secretários municipais, ele reserva um tempo para a família.

A companhia dos filhos é extremamente valorizada. Trata-se de algo natural, mas que ganhou ainda mais relevância devido ao desmoronamento do casamento com Jullyene. A relação estava em crise e o casal tinha uma viagem marcada. Ela engravidou.

O fim da relação teve de esperar e aconteceu após o bebê sair da incubadora. Desta forma, Álvaro nunca conviveu com o pai e a mãe juntos. Arthur fazia questão de pegar o menino todo final de semana e, com o tempo, o garoto preferiu morar com ele.

Quem manda em Arthur

Quando está no modo pai, Arthur se derrete por Malu, caçula fruto do seu casamento com Angela, a atual esposa. A dificuldade de dizer não à garota é tamanha que a casa da família virou uma creche de pets: são seis cachorros.

Malu é uma menina morena com cabelo liso, sorriso largo, bochechas salientes e que claramente puxou a mãe. Quando ela fala, aparecem as janelinhas típicas de uma criança de 8 anos que está trocando os dentes de leite por permanentes.

Arthur chama as filhas de princesas, mas Malu desfruta de adjetivos exclusivos: "Minha vidinha" e "meu amorzinho". Ele ressalta que a filha tira só 9,5 e 10 e chora para não perder uma manhã de aula. À tarde, a menina faz inglês e equitação.

Mas é nos momentos espirituosos de Malu que o pai se derrete. Como quando ela pegou o microfone durante um evento e agradeceu a presença de todos. O amor por cavalos é outro fator que aproxima ainda mais os dois.

Pedro Ladeira/Folhapress Pedro Ladeira/Folhapress

Aposentadoria?

No alto de seus 54 anos, Arthur já acumulou poder e maturidade suficientes para considerar a aposentadoria uma opção. Muito se fala nele concorrendo ao Senado, mas esta não é a única possibilidade para o futuro. O raciocínio a respeito dos próximos passos está ligado a uma característica pessoal e à família.

Arthur se considera um cara que não faz planos de longo prazo. Pela lógica dele, quem mira em algo muito distante perde o foco com o presente. Agindo assim desde sempre, ele virou presidente da Câmara e não vê razão para mudar.

A possibilidade de continuar deputado incomoda. Seria um revés ter mandado na Câmara por quatro anos e voltar a ser mais um. O Senado vira mesmo a evolução natural, mas ele não quer chegar para ser mais um. A intenção é eleger aliados para a Câmara e chegar turbinado para ocupar postos chave no Senado.

Outra possibilidade apontada no seu entorno seria ele assumir algum ministério ao deixar a presidência da Câmara. Algo que Arthur prefere não discutir, no momento.

O trabalho agora é viabilizar sua força para a próxima eleição, mas não tem problema se der errado. Arthur quase não conseguiu participar da criação da filha mais velha, que hoje mora em São Paulo. Ele conseguiu ser mais presente na vida dos filhos, mas nos primeiros anos Arthur Filho e Álvaro moravam com a mãe.

Malu está com 8 anos e tem adoração pelo pai. Arthur já foi vereador, deputado estadual, federal e presidente da Câmara mais votado da história. Vai terminar o mandato com 57 anos e está aberto a novos projetos se não tiver envergadura política para chegar por cima no Senado.

Ele não liga para os comentários de que não aguentaria ficar longe da política e encara o futuro como um conjunto de possibilidades. Ele abandonou a vaquejada pela política. Talvez decida fazer o caminho inverso e passar muito tempo no sítio roendo rapadura, pescando e lidando com bois em cima de um cavalo.

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