O bom filho ao ataque torna

Investigado pelo MP, Carlos Bolsonaro retoma rotina de provocações nas redes e inflama oposição e apoiadores

Diego Toledo Colaboração para o UOL, em São Paulo Sergio Lima - 13.ago.18/AFP

A quietude de Carlos Nantes Bolsonaro (PSC-RJ), 36, segundo filho do presidente Jair Bolsonaro (PSL), foi, na verdade, um hiato.

Após pedir licença da Câmara Municipal carioca, o vereador reabriu a fábrica de polêmicas produzidas nas redes virtuais e gerou reações dos presidentes da Câmara e do Senado.

Ao se explicar, Carlos defendeu que havia sido mal interpretado e voltou ao ataque, chamando jornalistas de "Canalhas".

Destempero? Agressividade desmedida? Especialistas ouvidos pela reportagem se dividem e classificam o comportamento de Carlos de "estratégia" ou simplesmente de "improviso" que vem dando certo.

Também nesta semana, soube-se que o filho '02' é alvo de procedimentos do Ministério Público do Rio, que suspeita de uso de funcionários fantasmas no gabinete do vereador.

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Cliques polêmicos

É Carlos, ou o "pitbull", como o próprio pai já o descreveu, que acompanha o presidente da República — que se recupera de mais uma cirurgia por conta do atentado que sofreu no ano passado.

Além dos cuidados com a saúde do pai, "Carluxo", como era chamado na família quando criança, também se dedica a impulsionar a família Bolsonaro nas redes sociais. E foi no Twitter que Carlos Bolsonaro voltou a protagonizar debates na última semana.

O comentário sobre a lentidão das "vias democráticas" teve dois efeitos: inflamou a militância bolsonarista, que viu no tuíte mais uma crítica justa à política tradicional brasileira, e, ao mesmo tempo, despertou reações negativas em diferentes setores da sociedade, preocupados com um possível aceno do governo Bolsonaro ao autoritarismo.

Principal coordenador das atividades da família Bolsonaro nas redes sociais, Carlos oscila entre períodos em que dispara mensagens fortes contra adversários e outros em que se afasta por alguns dias. Foi assim quando lançou críticas a ex-ministros do governo do pai como Gustavo Bebianno e o general Carlos Alberto dos Santos Cruz.

Nos dois casos, depois da fase mais aguda dos ataques aos ex-aliados, Carlos Bolsonaro saiu de cena por alguns dias. Mesmo assim, Bebianno e Santos Cruz caíram de seus cargos.

Bebianno chegou a dizer que o filho do presidente "fez uma macumba psicológica na cabeça do pai" e afirmou que foi demitido porque "quando o presidente Carlos Bolsonaro toma uma decisão, não tem volta".

"Ele tem uma grande capacidade de influência sobre o pai, porque o pai já demonstrou publicamente o quanto é vulnerável aos filhos, o quanto acaba não tendo autonomia para domar os filhos", avalia o cientista político Marco Antonio Carvalho Teixeira, da FGV-SP.

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Suspeitas de "rachadinha"

Na última quarta-feira (11), a imprensa noticiou que o Ministério Público do Rio de Janeiro abriu dois procedimentos para investigar Carlos Bolsonaro pela suspeita do uso de funcionários fantasmas em seu gabinete de vereador como parte de um esquema conhecido como "rachadinha" -- em que servidores devolvem parte de seus salários para o parlamentar a quem estão vinculados.

Carlos pediu licença do cargo de vereador no início da semana e atribuiu posteriormente o afastamento à necessidade de acompanhar o pai no hospital. Longe da atividade parlamentar, intensificou as atividades nas redes sociais. No Twitter, manteve o estilo que o caracteriza desde que começou a usar a ferramenta em 2009: partiu para o ataque.

No tuíte, criticou adversários sem identificá-los. Em geral, os alvos são grupos ligados a forças políticas de esquerda e a maior parte da grande imprensa, que Carlos considera inimiga.

"Quanto menos o governo Bolsonaro consegue entregar para a sociedade, maior é a tendência dele levantar uma cortina de fumaça pra desviar a atenção das pessoas". Marco Aurélio Nogueira, cientista político e professor da Unesp.

"É mais ou menos como se ele dissesse: 'ah, eu não posso fazer o que eu prometi, porque me impedem', seja o que for esse 'me impedem'. Essa fumaceira que o Carlos solta é uma tentativa de desviar a atenção", acrescenta Nogueira.

O professor da Unesp avalia que as suspeitas investigadas pelos procuradores do Rio podem causar algum dano à imagem dos Bolsonaro, mas que o prejuízo junto ao eleitorado mais fiel tende a ser limitado.

"Algum desgaste sempre causa, mas, dadas as circunstâncias todas que elegeram o Bolsonaro, é muito difícil que seja um desgaste profundo, que provoque uma desmontagem muito grande dessa base eleitoral", opina o cientista político.

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Influenciador digital do clã Bolsonaro

Desde muito antes da bem-sucedida campanha eleitoral do ano passado, Carlos já era o influenciador digital do clã Bolsonaro. O trabalho começou em 2010, quando insatisfeito com as menções negativas ao pai na internet, criou um blog da família, com fotos antigas e textos em defesa das ideias e da atuação do futuro presidente e de seus filhos.

Nos anos seguintes, Carlos passou a coordenar as publicações nos perfis do pai e de seus irmãos. O filho do presidente também se aproximou de jovens que criaram páginas de sucesso nas redes sociais em apoio a Bolsonaro, como José Matheus Sales Gomes, da Bolsonaro Zuero, e Tercio Arnaud Tomaz, da Bolsonaro Opressor.
Sales Gomes e Arnaud se tornaram assessores de Carlos Bolsonaro e o ajudaram na campanha do pai em 2018. No início deste ano, foram nomeados no Planalto para cargos de assessoria do presidente.

Em meio à articulação com outros influenciadores de direita, Carlos Bolsonaro também se aproximou de seguidores do ideólogo Olavo de Carvalho. Apesar de nunca ter sido aluno de Olavo, o filho do presidente tem amigos olavistas, como Filipe Martins, que hoje atua como assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais.

Mesmo depois da chegada de Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto, Carlos seguiu no controle das publicações do pai nas redes sociais. Algumas das mais polêmicas mensagens do presidente, como aquela que mencionava "golden shower" e condenava excessos que foliões teriam cometido no Carnaval, são atribuídas à atuação do Zero Dois e de seus aliados.

"Ele é um operador, do ponto de vista estratégico. É um cara que se preparou, desde a campanha, para atuar de maneira feroz nas redes sociais", avalia Marco Antonio Carvalho Teixeira, da FGV-SP.

Já Marco Aurelio Nogueira, da Unesp, vê Carlos Bolsonaro mais como alguém com um perfil de agitador político. "Não acho que ele seja um articulador típico", argumenta. "A parte mais fundamentalista dos seguidores do bolsonarismo quer ver o circo pegar fogo, quer a radicalização. E ele faz esse papel de assoprar a brasa, para não deixar que ela apague."

Dida Sampaio / AE Dida Sampaio / AE

Laços de família e perfil enigmático

Hoje Carlos Bolsonaro tem mais tempo de mandato como vereador do que tinha de idade quando se elegeu pela primeira vez, aos 17, em 2000. Em sua primeira eleição, disputou contra a própria mãe, Rogéria Nantes, que havia se separado de Jair Bolsonaro e tentava a reeleição.

Em março deste ano, em uma rara entrevista, quando conversou com a jornalista Leda Nagle, Carlos disse que a disputa provocou "um pequeno problema familiar". Mas acrescentou que o episódio foi superado, e hoje a mãe é uma das pessoas mais importantes de sua vida.

Os laços com o pai também se fortaleceram durante o período em que Carlos se dedicou a cuidar da saúde do presidente, após o atentado do ano passado. Em janeiro, ele quebrou o protocolo e desfilou no banco traseiro do Rolls Royce que levou Jair Bolsonaro e sua mulher, Michelle, para a cerimônia de posse. Um mês antes, Bolsonaro chegou a publicar um texto, no aniversário do filho, em que exaltava a sua relação com Carlos.

Discreto na vida pessoal, Carlos Bolsonaro já sinalizou que não deve se candidatar à reeleição para vereador no ano que vem, depois de cinco mandatos. Rumores indicam que ele poderia se lançar ao Senado em 2022 por Santa Catarina, onde vive a sua namorada, Paula Bramont, e para onde ele se mudaria após deixar o cargo no Legislativo municipal do Rio.

O UOL entrou em contato com o gabinete de Carlos Bolsonaro para pedir que ele comentasse os assuntos abordados nesta reportagem, mas não obteve resposta.

Para o cientista político Marco Antonio Carvalho Teixeira, da FGV-SP, as ações de Carlos Bolsonaro criam a imagem de uma figura "incontrolável" e, por conta desse perfil, é difícil tentar prever os seus próximos movimentos.

"Ele é um personagem enigmático", afirma Carvalho Teixeira. "A atuação dele não é uma estratégia construída. É uma resposta a situações conjunturais imprevistas, mas sem pensar nas implicações."

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