São 22h18 do dia 7 de junho. Dois ciclistas cruzam em velocidade com um carro da PM na rua dos Timbiras, centro de São Paulo. Mais à frente, um deles desacelera já na rua Guaianases e acena. O movimento é intenso no endereço apontado como destino de celulares roubados e furtados.

A reportagem do UOL passou 13 horas de tocaia em um hotel para observar o fluxo na região, situada no entorno da "cracolândia", a apenas 200 metros da 1ª Delegacia Seccional do Centro, e flagrou a ação de criminosos.

A rua é o principal reduto de receptação de celulares na cidade. Em apenas uma apreensão feita em fevereiro, a Polícia Civil encontrou 269 aparelhos escondidos em imóveis e prendeu quatro pessoas por receptação qualificada.

Vítimas costumam localizar os aparelhos na região usando a função de rastreamento. Em março, um tuíte viralizou mostrando que um iPhone "furtado ou perdido" no festival Lollapalooza havia aparecido no local. O caso está longe de ser o único.

Segundo investigações, quadrilhas usam empresas de fachada para fazer a receptação. Os criminosos repassam alguns dos aparelhos a passageiros de voos internacionais, espécies de "mulas", que recebem dinheiro para transportá-los a países da África, onde são revendidos.

O fluxo da rua Guaianases

Um quarteirão da Guaianases se tornou o epicentro da receptação de celulares roubados ou furtados. E nem o reforço policial no entorno, às vésperas da Parada LGBT+, parecia intimidar a movimentação, registrada em fotos e vídeos pelo UOL.

Quando anoitece, ciclistas se exibem fazendo manobras arriscadas no trecho entre as ruas Aurora e dos Timbiras, ao lado de uma delegacia. Aos poucos, são formadas rodinhas na calçada e até no asfalto. Aparelhos são negociados no meio da rua.

Questionada sobre a ação de criminosos nas proximidades da 1ª Delegacia Seccional do Centro, Polícia Civil afirma que "trabalha para combater o crime de receptação de celulares na região central da capital, por meio de ações de inteligência visando prender receptadores e restituir aparelhos".

Há três destinos possíveis para as centenas de celulares roubados ou furtados diariamente na capital paulista, de acordo com a Polícia Civil:

  • O celular pode ser desmontado e ter suas peças vendidas.
  • O aparelho pode abastecer o comércio em feiras ilegais, como na própria rua Guaianases.
  • Os telefones, especialmente os mais modernos, podem cruzar o oceano em voos internacionais, potencializando os lucros das quadrilhas especializadas.

A África se consolidou nos últimos quatro anos como uma das principais rotas. O principal motivo é a facilidade de se revender o aparelho sem que ele seja rastreado pelas operadoras brasileiras.

O número do Imei (Identificação Internacional de Equipamento Móvel, em português), sequência numérica que serve como "impressão digital" do celular, não é rastreado em países do continente.

Operadoras conseguem bloquear celulares quando há registro de roubo ou furto por causa do banco de dados desses Imeis. Na Argentina e Paraguai, é mais fácil checar a base, pois as operadoras são as mesmas. Nos países africanos, não. Eduardo Tude, consultor em telecomunicações

Driblando as autoridades

Uma das operações mais significativas contra a receptação ocorreu logo após um Carnaval, em fevereiro de 2020, quando 575 celulares foram apreendidos pela Polícia Civil com passageiros de um voo que ia do aeroporto internacional de Guarulhos (SP) para Dacar, no Senegal. Quatro pessoas foram presas.

Na época, a Receita Federal já identificava a presença de dezenas de passageiros em voos para a África com grande quantidade de celulares em bagagens, acusados pelo raio-X.

Quando o aparelho sai do Brasil, os órgãos reguladores e a polícia não conseguem mais identificar que se trata de um item subtraído, facilitando o comércio ilegal.

"Decidimos fazer uma operação para levar esses celulares até a delegacia. Foi quando descobrimos que a maioria deles tinha registro de ocorrência por roubo ou furto", diz Luiz Alberto Guerra, delegado do Deic da Polícia Civil de São Paulo.

Foi o que aconteceu com uma cabeleireira senegalesa de 36 anos, presa no dia 3 de junho deste ano enquanto tentava embarcar para o seu país com 11 celulares. Oito deles foram identificados como frutos de roubo ou furto.

Fontes na Polícia Civil indicam que apreensões do tipo são mais raras se comparadas a anos anteriores. Investigadores suspeitam que a quadrilha encontrou rotas alternativas devido às seguidas operações em Guarulhos.

Topo