A 100 quilômetros de Manaus, 95 mil habitantes vivem às margens do rio Solimões na cidade de Manacapuru. Ali, 246 pessoas já morreram até a noite de terça-feira (19) em decorrência da infecção pelo novo coronavírus.

A taxa pode parecer pequena, mas representa uma situação dramática: o município tem a maior mortalidade média por covid-19 no estado, de 222 por cada 100 mil habitantes.

Lá, o UOL encontrou uma cidade que luta contra as próprias limitações para tratar os doentes com um hospital de campanha superlotado, sem leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e sem sequer a possibilidade de conseguir transferir pacientes para a capital.

Para piorar o que já era caótico, em uma madrugada de terror na semana passada, Manacapuru enfrentou falta de oxigênio por quase oito horas.

Madrugada de horror

Na madrugada da quinta-feira (14), o hospital de campanha de Manacapuru viveu uma madrugada de falta de oxigênio —assim como as unidades de saúde de Manaus. No local havia cerca de 35 pacientes necessitando do insumo, que acabou por volta das 23h ainda da quarta-feira. Apenas dez balas [como são chamados os cilindros de 50 kg] restavam.

O diretor clínico do Hospital Geral de Manacapuru, Ângelo Macedo, precisou decidir quem usaria o material que restava.

Eu dividi, infelizmente tive de escolher — por idade, por comorbidade — e ainda fizemos gambiarras para dividir um para três. Chegamos a ambuzar [ventilar manualmente] pacientes até sem oxigênio para dar um conforto.

Todos os médicos que estavam na cidade foram ajudar como podiam, mas não havia muito o que fazer. No hospital de campanha, o grande tanque de oxigênio estava vazio havia pelo menos dez dias. O abastecimento estava sendo feito recarregando cilindros, que precisavam ser levados diariamente para Manaus. Logo após a saída da reportagem do local, um caminhão chegou para reabastecer o hospital com oxigênio.

Foi um desespero, o pior dia da minha carreira de médico, algo que nunca imaginei passar. Se qualquer outro insumo faltasse, nós contornávamos. Mas sem oxigênio? Foram sete mortes até voltar o oxigênio. Quando saí do plantão, não aguentei e praticamente desmaiei de cansaço aqui na porta.

Ângelo Macedo, diretor clínico do Hospital Geral de Manacapuru

"Nos viramos com o que temos"

Carlos Madeiro/UOL

Manacapuru está diretamente afetada pelo colapso da rede hospitalar em Manaus, o que faz com que a cidade não consiga, há pelo menos duas semanas, enviar à capital amazonense pacientes em situação grave.

Como a cidade faz se precisa de uma internação em UTI? "Não faz, [em Manaus] não estão recebendo; precisamos nos virar com o que temos aqui", conta o secretário municipal de Saúde, Rodrigo Balbi.

Ao todo, Manacapuru tem um hospital e 19 UBSs (Unidades Básicas de Saúde) —todos recebendo pacientes com covid-19. Nos postos de saúde, os casos leves são triados e atendidos e, nos casos mais graves, os pacientes são encaminhados para o hospital de campanha.

O problema é que o hospital de campanha está com os 57 leitos ocupados há dias. É o Hospital Geral que está recebendo os novos casos.

No momento da visita da reportagem, três pacientes estavam na observação, aguardando um leito para subir à área de internação.

Em frente ao hospital de campanha, o Hospital Geral tinha outros 19 pacientes. "Este local deveria ser só para pacientes que não estão com covid-19, mas não temos vaga no hospital de campanha e tivemos de usar para atender todos", afirma Balbi.

Uma das pacientes internadas no Hospital Geral era a mãe de Alexandre Duarte, 31, que tem 73 anos está no local desde a sexta-feira.

Ela tentou, por dois dias, tratar [a covid-19] tomando chá caseiro, mas não adiantou. Ela piorou e precisou vir, mas está melhorando.

Alexandre Duarte, 31, que está com a mãe internada

Carlos Madeiro/UOL

Dos pacientes internados ontem, 15 estavam em estado grave e um deles intubado. O caso mais grave é o do sogro do agricultor Gerlem Ferreira da Silva, 41, de 63 anos e que mora no distrito de Repatriamento de Tuiué.

Ele é da zona rural, não queria vir [ao hospital], ficou em casa dois dias medicado. Disse que preferia porque tinha medo de vir e estar cheio.

No entanto, na madrugada de quinta-feira, teve uma falta de ar forte e precisou procurar o serviço médico. "Viemos para cá por volta das 4h, chegamos às 6h. Ele ficou na sexta e sábado estável, mas na madrugada de domingo piorou e aí precisaram intubar", afirma.

Carlos Madeiro/UOL

Sem UTI, chance de vida diminui

Sem ter como mandar para uma UTI, o médico Ângelo Macedo diz que há perdas e menor chance para um paciente. "Sem dúvida não ter um suporte de UTI para um paciente grave faz muita diferença. Lá ele tem multiacompanhamento, veem funções renais, cardiológicas, fisioterapia intensiva", conta.

Ele afirma ainda que a cidade não tem estrutura para manter pacientes graves e, por ser município-polo, recebe pessoas de outras cidades. Além disso, há carência de profissionais como médicos e fisioterapeutas respiratórios.

"Nosso espaço seria para estabilizar casos graves e transferir para Manaus, que concentra a alta complexidade. Na primeira onda, a gente conseguia, tinha um fluxo bom. Agora, pelo menos desde o dia 5, a gente não está conseguindo mais mandar. Então aqui a gente trata da melhor forma possível, dentro do que gente tem", completa.

Carlos Madeiro/UOL

Repique nas curvas

A lotação em Manacapuru repete agora, com detalhes mais trágicos, o cenário da primeira onda da pandemia de covid-19, quando a cidade contabilizou mais de 150 mortes.

À época, a cidade conseguiu atender a todos com o hospital de campanha —mesmo lotado— e as transferências para Manaus. No intervalo entre as ondas, por um momento, a cidade parecia ter se livrado do vírus, sem registrar inclusive mortes, relata o secretário municipal.

Tivemos dois dias, por exemplo, sem nenhum atendimento no hospital, mas mesmo assim nunca o desativamos porque sabíamos que poderia mudar —como mudou.

Agora, isolada pela falta de suporte de UTI, a Prefeitura decidiu investir às pressas para ampliar o hospital e tentar tratar todos. "A gente quer abrir pelo menos mais 30 vagas. A demanda não para de crescer, a curva está crescente e acentuada, temos de nos preparar", afirma Balbi.

Tentamos ao máximo trabalhar a prevenção, mas é difícil. A juventude agora que é mais acometida. Aqui é uma cidade de passagem, as pessoas vêm para ir a outros locais; e esse vírus --especialmente essa nova cepa-- tem um alto poder de transmissão.

Rodrigo Balbi, secretário municipal de Saúde

Sem ar e sem saída

"Nos viramos com o que temos"

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