No Fio da Navalha

Deltan Dallagnol sofre pressão inédita com divulgação de conversas que põem em xeque atuação da Lava Jato

Diego Toledo Colaboração para o UOL, em São Paulo Alice Vergueiro/Folhapress

"Vejo um movimento de reação [...] em que se busca tirar a credibilidade de agentes públicos que atuam na operação [Lava Jato], para promover os retrocessos que possam permitir que poderosos que praticaram crimes graves alcancem impunidade", afirmou o procurador da República Deltan Dallagnol nesta sexta-feira em seu perfil do Twitter.

Se defender atacando é uma estratégia que ele sempre usou enquanto um dos líderes públicos da Operação Lava Jato.

Porém, desde junho, quando conversas privadas entre integrantes da força-tarefa, e principalmente entre o procurador e o então juiz Sergio Moro, o paranaense de Pato Branco tem sido alvo de uma pressão inédita até então contra seu trabalho.

A temperatura se elevou a ponto de ministros do Supremo Tribunal Federal estudarem medidas contra Dallagnol.

Nos últimos cinco anos, o nome do procurador apareceu como um dos protagonistas de uma nova geração de agentes públicos dedicados ao combate à corrupção. A fama garantiu reconhecimento e visibilidade para o coordenador da Lava Jato.

A série de reportagens capitaneada pelo site The Intercept Brasil despertou dúvidas sobre a lisura na atuação de Dallagnol. O UOL passou a integrar recentemente o grupo de parceiros na análise das mensagens e divulgação de seu conteúdo.

O procurador passou a ser alvo de críticas de quem vê nas mensagens indícios de que ele extrapolou suas atribuições, contou com ajuda indevida de Moro nos processos da operação e tirou proveito pessoal de sua exposição como porta-voz da Lava Jato.

"O Dallagnol acabou prejudicando a imagem construída pelo Ministério Público", avalia o jurista Lenio Luiz Streck, que sempre foi crítico ao que considera abusos da Lava Jato. "O Ministério Público deve ter um mínimo de isenção. Ele não pode atropelar regras éticas, morais, para atingir os seus fins. O Dallagnol não teve isenção. Em tudo que ele fez, o lema é que os fins justificam os meios."

"Existe um saldo extremamente positivo no combate à corrupção e existe também, por outro lado, um dano à imagem do Deltan, em decorrência dessas mensagens", opina o promotor de Justiça Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção e admirador do trabalho da Lava Jato sob o comando de Dallagnol.

"Esse conjunto de mensagens, ao que tudo indica obtido de forma criminosa, tem uma situação desagradável, desconfortável. Mas não podemos perder a noção do todo", acrescenta Livianu. "O balanço da Lava Jato é absolutamente positivo. É inegável que nunca se trabalhou com tanta profundidade e com dados tão exitosos no combate à corrupção no Brasil."

Procurado pela reportagem, Dallagnol não quis fazer comentários.

Geraldo Bubniak/AGB/Estadão Conteúdo

Religião, família e apelo midiático

Aos 39 anos de idade, Deltan Dallagnol é casado e pai de três filhos -- duas meninas e um menino. Seu pai atuou como procurador no Ministério Público do Paraná.

Em 2002, logo depois de se formar em direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), prestou concurso para se tornar procurador da República. Como a legislação exigia que o candidato ao posto tivesse concluído há pelo menos dois anos o curso de direito, Dallagnol teve de assumir a função amparado por uma decisão judicial, que considerou a exigência inconstitucional.

Assim como Moro, Dallagnol se especializou no combate à lavagem de dinheiro e crimes contra o sistema financeiro, e atuou no caso Banestado - operação que investigou evasão de divisas no Banco do Estado do Paraná e é considerada um embrião da Lava Jato.

Mais tarde, fez um curso em Harvard, nos Estados Unidos, revalidado como mestrado pela UFPR.

Rodrigo Félix Leal/Futura Press/Estadão Conteúdo

Rosto da Lava Jato

Desde que passou a ser conhecido como coordenador da força-tarefa da Lava Jato, a figura de Dallagnol sempre esteve presente no noticiário.

Na ocasião mais marcante delas, Dallagnol fez a apresentação de Power Point em que o Ministério Público apontava a participação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no esquema de corrupção investigado pela Lava Jato.

Críticos viram na iniciativa uma tentativa de manipular a opinião pública diante de uma suposta falta de provas mais consistentes. Já os apoiadores entenderam a apresentação como uma maneira didática e ilustrativa de explicar as acusações contra o ex-presidente.

A popularidade decorrente dos avanços da Lava Jato também foi alimentada pela presença constante do procurador em redes sociais. As publicações misturam mensagens de combate à corrupção com imagens da vida em família e cenas de lazer - em 2014, por exemplo, Dallagnol fez uma viagem para surfar na Indonésia.

O procurador também não esconde sua devoção religiosa. Fiel da Igreja Batista, Dallagnol chegou a traçar um paralelo entre sua fé e a atuação na Lava Jato em uma entrevista em 2015 a um programa da igreja.

Do meu ponto de vista, em razão da minha cosmovisão cristã, me parece que Deus está abrindo uma janela de oportunidade para mudanças, e que depende de nós contribuir com a transformação desse país.

Geraldo Bubniak/AGB/Estadão Conteúdo Geraldo Bubniak/AGB/Estadão Conteúdo

Questionado

O estilo que Dallagnol ajudou a impor à Operação Lava Jato é motivo de debate entre observadores do sistema jurídico brasileiro.

Se por um lado, a impetuosidade na defesa da punição a crimes de corrupção é bem vista pela sociedade, por outro, os sinais de desrespeito a normas legais e as dúvidas sobre as reais motivações desse ímpeto se tornaram combustível para críticas.

"O Dallagnol é produto de uma geração de agentes políticos do Estado com pretensões de impor os seus pressupostos morais em cima da Constituição ou por cima do Código de Processo", critica o jurista Lenio Streck. "Criou-se um imaginário jurídico punitivista, em que o direito acabou sendo deixado de lado, substituído por juízes políticos e imorais."

"Eu vejo Deltan Dallagnol como um dos membros do Ministério Público mais aguerridos", defende o promotor de Justiça Roberto Livianu. "É um procurador extremamente combativo, estudioso, preocupado com suas responsabilidades e que procurou, dentro das possibilidades que havia, construir um trabalho vigoroso de combate à corrupção nesse patamar inédito."

Fernando Frazão/Agência Brasil

Lava Jato: mais de 400 acusados

Desde 2014, a Operação Lava Jato já teve mais de 60 fases em seus esforços de combate a esquemas de corrupção. A força-tarefa apresentou acusações contra mais de 400 pessoas e mais de 150 réus já foram condenados. O Ministério Público Federal calcula que quase R$ 4 bilhões de recursos públicos já foram recuperados por meio da operação, montante que pode aumentar considerando acordos de leniência.

Os frutos positivos da Lava Jato esbarram, no entanto, nos indícios de possíveis abusos que teriam sido cometidos pela força-tarefa e que foram revelados nas mensagens obtidas pelo The Intercept Brasil e divulgados em parceria com diversos veículos de imprensa.

O Supremo Tribunal Federal deve analisar nos próximos meses se essas mensagens podem ser usadas ou não como provas legais para questionar a conduta de Sergio Moro e dos procuradores da Lava Jato. A legislação prevê que informações obtidas de maneira ilícita não podem ser aceitas como prova, mas admite que elas sejam usadas para beneficiar um acusado que tenha sido prejudicado em um processo.

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