Contagem de mortos pelo óleo

Corais, tartarugas, aves, peixes e várias partes do ecossistema são afetados por material tóxico no Nordeste

Carlos Madeiro Colaboração para o UOL, em Maceió* VEETMANO PREM/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

Corais, tartarugas, aves, peixes, ostras, mariscos. Não são poucos os grupos de animais na lista de mortos pelo óleo encontrado nas praias do Nordeste, mas pode haver ainda mais.

Ainda não é possível saber a real extensão da devastação, que hoje completa dois meses. Vários ecossistemas da região foram afetados.

"Todos os ambientes costeiros foram afetados em diferentes intensidades, dependendo do tamanho da mancha que os atingiu, densidade no momento em que encostou, estágio da maré e hora do dia. Isso porque o calor ajuda a amolecer a mancha e, durante a noite, é mais difícil o trabalho de remoção", explica a oceanógrafa Mônica Costa, da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).

Para ela, o número de animais atingidos tem aumentado. "Inicialmente havia poucos registros de encalhes —vivos e mortos. Mas isso vem crescendo significativamente agora. Devem estar ocorrendo em toda parte. Mas nós não temos registro e acesso à informação. Ainda", afirma.

Costa diz que há relatos de pesquisadores de que uma parte do óleo está se enterrando na areia. "A mancha já pode ser detectada a alguns centímetros da superfície da areia. Isso era esperado, pois é o comportamento que foi registrado em outros eventos que atingiram praias", diz.

"Isso é extremamente preocupante, pois demonstra que esse óleo deverá permanecer na praia por algumas décadas, subindo e descendo no pacote sedimentar, mas com um movimento líquido para baixo."

Centro de Descontaminação de Fauna Oleada da UERN

A conta é maior

O número de mortos do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis) inclui apenas animais oleados.

Até ontem, eram 107 na contagem oficial do órgão, com 81 mortes:

  • 74 tartarugas marinhas
  • 22 aves
  • 11 outras espécies diversas

O número de animais mortos, entretanto, é bem maior. "Desses 107 temos apenas vertebrados. Estamos falando de tartarugas, aves, golfinhos, animais de grande de porte que conseguiram ser vistos. Não se tem uma conta dos invertebrados ou dos vertebrados de menor porte. Então esse é um número é que reflete apenas os chamados animais relacionados à megafauna marinha", diz Flávio Lima, do projeto Cetáceos da Costa Branca, ligado à UERN (Universidade Estadual do Rio Grande do Norte), que atua no socorro aos animais afetados.

Pesquisadores da UFPE e da UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco) já sabem que o óleo se decompõe em partículas microscópicas e afeta a teia alimentar de pequenos invertebrados.

A constatação foi feita em uma baía habitada por corais na APA (Área de Proteção Ambiental) Costa dos Corais, na praia de Tamandaré, litoral sul de Pernambuco.

"Encontramos microfragmentos de óleo em torno de 2 milímetros nas amostras de plâncton", afirma Mauro de Melo Junior, professor do Departamento de Biologia da UFRPE e um dos coordenadores do estudo. "Da mesma forma que os micro e nanoplásticos estão entrando na teia alimentar marinha, acredito que já esteja ocorrendo com o óleo que chegou a nossa costa", afirma.

Reprodução

Aves migratórias prejudicadas

O óleo também já atingiu 11 das 16 principais áreas para aves migratórias na região e afeta um ciclo histórico de viagens das espécies. Ao todo, oito estados têm seus principais pontos atingidos. Em carta, 14 especialistas do Grupo de Assessoramento Técnico e colaboradores do Plano de Ação Nacional para Conservação das Aves Limícolas Migratórias relatam os problemas.

"Essas aves têm um comportamento: se reproduzem no hemisfério Norte no verão deles, mas essas regiões congelam no inverno. Elas chegam lá e, em um intervalo de três meses, geram filhote, os alimentam e, assim começa a esfriar, voltam. As aves começam a chegar por aqui em setembro e outubro", afirma o professor Renato Gaban-Lima, do Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde da Ufal (Universidade Federal de Alagoas).

Secretaria de Justica e Direitos Humanos de Pernambuco / Divulgação

Rio contaminado

Apesar de ainda em fase preliminar, o estudo dos rios apontam para problemas. Em Alagoas, o rio Coruripe teve óleo constatado a 7 km de sua foz, em vistoria no dia 24. A equipe retirou 75 kg do material do rio e de duas margens.

"Estão começando a surgir os resultados do óleo. Os pescadores já estão sofrendo. Alguns com receio de saírem ao mar e perderem as redes, por causa do óleo, e outros pescam e ninguém quer comprar. As meninas das ostras estão reclamando da mortalidade", disse Zilma Borges, coordenadora do Instituto Amigos da Natureza. "A cada dia a situação se agrava."

Cláudio Sampaio/Ufal Penedo

Corais atingidos

Uma descoberta do óleo em sedimentos e corais foi feita durante visita da equipe do Laboratório de Geologia e Geofísica Marítima e Monitoramento Ambiental da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) no último dia 16.

As amostras foram coletadas do estuário do rio Pium (berçário das espécies) a até 5 km mar adentro.

Eles encontraram manchas de óleo em corais e em sedimentos marinhos nos parrachos de Pirangi do Sul, no litoral leste do estado.

Os parrachos são um conjunto de recifes de coral que formam piscinas naturais, com águas transparentes. A presença de óleo foi identificada em corais a três metros de profundidade. "Foram coletadas 30 amostras e em 28 delas havia indícios de óleo", diz a pesquisadora Patrícia Eichler, professora visitante de geologia na UFRN e da pós-graduação em ciências ambientais da Unisul (Universidade do Sul de Santa Catarina), que comandou o levantamento.

"Houve uma penetração nas camadas mais internas do solo marinho. O que isso acarreta é que não mata apenas a epifauna —que vive sob o fundo do mar—, mas também a infauna —que vive dentro do sedimento marinho a até a 10 cm [de profundidade]. É um impacto ambiental violento", explica ela.

Em Alagoas, pesquisadores mergulharam e acharam e acharam óleo nos recifes no Pontal do Peba, próximo à foz do rio São Francisco.

O local é um rico estuário de espécies marinhas. A extensão do dano será mapeada pela Ufal, que pretende ver a melhor forma de limpar o local.

Pedro Accioly/Divulgação

A dificuldade de limpar os mangues

Um dos maiores danos ao ecossistema é relacionado à chegada do óleo em mangues. Levantamentos em manguezais nas praias de São José da Coroa Grande, Tamandaré e Rio Formoso, em Pernambuco, constataram presença de óleo. Também há manguezais afetados em outros estados como Alagoas e Bahia.

"É muito difícil limpar o mangue. Ele é, talvez, o ecossistema mais vulnerável, pois não existe protocolo no mundo para retirar [a contaminação]. De suas raízes, não se consegue tirar [o óleo], pois o óleo, quando chega à lama, acaba afundando e contaminando tudo", diz Clemente Coelho, doutor em oceanografia biológica e professor da UPE (Universidade de Pernambuco).

Cláudio Sampaio/Ufal Penedo

Milhares de mariscos mortos

Em Feliz Deserto, em Alagoas, uma vistoria na segunda-feira (28) da força-tarefa da Ufal constatou milhares de mariscos mortos sob a areia da praia.
Segundo o professor Cláudio Sampaio, da unidade Penedo da Ufal, o local está coberto de animais em cima da areia.

"Ainda chega pouco petróleo lá, mas suficiente para matar esses moluscos, que são parecidos com ostras, mas que aqui na região recebem o nome de massunim. Havia milhares de mortos lá", conta.

Na Bahia, pesquisadores da UFBA (Universidade Federal da Bahia) analisaram amostras de 38 animais recolhidos de praia, entre peixes, moluscos e crustáceos. Todos apresentaram óleo no corpo. Ainda não se sabe a carga contaminada do material em seus organismo.

Por conta da contaminação, vendedores de peixes e demais alimentos pescados têm relatado queda nas vendas.

O governo federal, para aliviar o drama os pescadores, estendeu por dois meses o seguro defeso, que é pago normalmente para proteger os animais em período de desova.

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