O modelo brasileiro de incorporação de medicamentos de alto custo ao SUS se inspirou no sistema desenvolvido nos anos 1990 pela saúde pública do Reino Unido (NHS).
Lá, existe o Nice (Instituto Nacional de Excelência em Saúde e Cuidado), órgão criado em 1999 que reúne equipes técnicas multidisciplinares para avaliar as evidências científicas de remédios de alto custo para ter certeza se os ganhos em saúde para a população em geral justificariam a inclusão da droga no sistema público.
Por aqui, um órgão parecido só surgiu em 2011, com a fundação da Conitec, mas as semelhanças terminam aí.
Professor do Departamento de Política, Gestão e Saúde da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo), Fernando Aith afirma que as decisões do Nice são colegiadas, ao contrário do Conitec, que é apenas um órgão consultivo.
"No Brasil, quem delibera continua sendo, monocraticamente, a autoridade política, no caso o secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde". Hoje quem comanda a pasta é Sandra de Castro Barros.
Além disso, o Nice criou um índice, um teto de custo-benefício para decidir se incorpora um medicamento ao sistema britânico.
"Eles têm um cálculo que avalia os benefícios que o novo medicamento suspostamente traz em relação ao custo de remédios já na praça. Se esse número for abaixo do teto, o remédio é incorporado, se não, não é incorporado", explica. "Isso não existe no Brasil."
O NHS anunciou em março do ano passado um acordo com a Norvatis que garantiu um desconto (valor não revelado) para incorporar o Zolgensma ao sistema público britânico.
Segundo o professor, o Nice tem legitimidade no Reino Unido porque é um órgão eminentemente técnico. "Não há ingerência política sobre o processo de análise. Se o Nice decidiu que não vai incorporar, nenhum juiz vai determinar que a Inglaterra dê o medicamento, ao contrário do Brasil", onde "o juiz acaba desconsiderando as decisões da Conitec".
Ao UOL, a Conitec disse apenas que a lei que o criou e o decreto que o regulamenta "preconizam a participação social em todas as demandas avaliadas pela comissão".
Promotor de Direitos Humanos de São Paulo, Reynaldo Mapelli Júnior tratou do tema em sua tese de doutorado em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP. Para ele, o SUS não deveria ofertar medicamentos "ainda não aprovados pela Conitec", como é o caso do Zolgensma.
"Medicamento de alto custo precisa ser aprovado pela Anvisa e depois pelo Conitec para que seja incluído em políticas públicas", defende.
Ele concorda que nem sempre a prescrição médica e a decisão judicial respeitam esse critério. "Em geral, quando se diz que o remédio é fundamental, não é: existem alternativas terapêuticas para aquele tratamento."