E agora, Mercosul?

Sem alcançar objetivos econômicos desde sua criação, futuro do bloco gera dúvidas com governo Bolsonaro

Talita Marchao Do UOL, em São Paulo Arte/UOL

Antes mesmo de tomar posse, o governo de Jair Bolsonaro já deu declarações sinalizando que o "Mercosul não é prioridade". Mas nem só o Brasil tem repensado o papel no bloco comercial sul-americano.

A Argentina deixou claro durante a última cúpula do G20, realizada em Buenos Aires, que compartilha a ideia brasileira de que o bloco é um dos mais protecionistas do mundo e precisa se abrir. Na realidade, os governos dos quatro criadores --Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai-- dividem a vontade de fazer acordos sem a necessidade de carregar o bloco inteiro para a mesa de negociações.

No seu histórico, o Mercosul foi criado no início da década de 1990 para fortalecer a cooperação econômica desses países. Mas, além de assuntos do mercado e de investimentos, o projeto também tinha contornos estratégicos e militares. Após uma comum ditadura militar longeva, a proposta tinha uma importância política, já que sinalizava um apoio à democracia de todos os envolvidos.

Contudo, passados 27 anos, há críticas de que o bloco ainda não funciona. Seria o momento de acabar, então, com ele?

Na avaliação de três especialistas no assunto entrevistados pelo UOL, a resposta é não. Mas também é consenso que o mais provável é que ele passe por profundas mudanças nas mãos da equipe de Bolsonaro e do argentino Mauricio Macri, ambos interessados em assinar acordos bilaterais para tirar suas economias do buraco.

Os entrevistados

Gabo Morales/UOL

Celso Lafer

Ministro das Relações Exteriores nos governos dos presidentes Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso, chefe da Missão Permanente do Brasil junto às Nações Unidas e à OMC (Organização Mundial do Comércio) em Genebra, de 1995 a 1998. Ainda foi presidente da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e é membro da ABL (Academia Brasileira de Letras).

Valter Campanato/Agência Brasil

Graça Lima

O embaixador José Alfredo Graça Lima foi diretor do Departamento Econômico e de Subsecretário-Geral para Assuntos de Integração, Econômicos e Comércio Exterior. Também integrou o corpo de peritos da OMC, foi o principal negociador comercial do Brasil entre 1998 e 2002 para a OMC, o Mercosul, a Alca e a União Europeia. É integrante do conselho do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

Keiny Andrade/ Folhapress

Matias Spektor

Argentino, é professor e coordenador do curso de Relações Internacionais da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e autor de "Kissinger e o Brasil" (2009) e "18 Dias: Quando Lula e FHC se Uniram para Conquistar o Apoio de Bush" (2014). Doutor pela Universidade de Oxford, é colunista semanal da Folha de S. Paulo e tem artigos publicados pelos jornais The New York Times e Financial Times.

Jorge Araújo/Folhapress

Era uma vez uma história com um final não tão feliz

No final da década de 1980, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai iniciavam seus processos de redemocratização depois de décadas de ditadura militar. Era preciso se reposicionar diante da nova realidade política interna de cada país e, ao mesmo tempo, olhar para as transformações econômicas do mundo com a queda do Muro de Berlim, em 1989, e o fim da União Soviética, em 1991.

Nesse contexto, Brasil e Argentina criaram, em 1991, o Mercosul --ou Mercado Comum do Sul. Faziam parte do bloco o Paraguai, com quem essas duas nações compartilham a hidrelétrica de Itaipu, e o Uruguai, cuja economia é (até hoje) fortemente ligada à dos vizinhos.

Os principais responsáveis por essa assinatura foram Fernando Collor de Mello, atualmente senador, mas que sofreria um processo de impeachment logo no ano seguinte, e Carlos Menem, ex-presidente argentino e também agora senador que foi condenado (de maneira prévia) e recentemente absolvido de uma acusação de contrabando de armas.

“Tanto Menem quanto Collor tomaram iniciativas. Na dimensão política, o Tratado de Assunção [que criou o Mercosul] poderia fortalecer as recíprocas agendas políticas internas. Além disso, na época, ambos estavam preocupados em reforçar os valores da democracia, dos direitos humanos, e o acordo significava isso”, disse em entrevista ao UOL Celso Lafer, ex-ministro das Relações Exteriores dos governos Collor e posteriormente de FHC.

Impostos

“Quando você cria um mercado comum, uma das coisas previstas é a criação de uma tarifa externa comum (TEC). E naturalmente foi o que se negociou. A lista de exceções da TEC era inclusive revista com uma certa regularidade. Além disso, o nível tarifário do Brasil era maior do que o da Argentina, do Uruguai e do Paraguai. A TEC foi trabalhada, nós reduzimos as nossas tarifas e eles acabaram elevando o nível das tarifas deles também para a construção dessa tarifa comum”, relembra Lafer.

O ex-chanceler diz que o tratado previa a “ideia de que se negociaria em conjunto, como faz normalmente um mercado comum, uma união aduaneira”. "A ideia do Mercosul, desde o primeiro momento, no aspecto econômico, era a de que ele seria uma plataforma de inserção competitiva em um mundo que, na década de 1990, ao mesmo tempo que se globalizava, se regionalizava”, conta Lafer. “É a ideia de que é inteligente fazer a melhor economia da sua geografia”, diz.

Naquele momento, eram criados blocos como o Nafta, por exemplo, entre EUA, México e Canadá --que o presidente americano, Donald Trump, renegociou recentemente.

Para o embaixador José Alfredo Graça Lima, negociador brasileiro na criação da OMC, a própria ideia de ter um espaço comum chamado Mercosul era enganosa. "Não existia um mercado comum propriamente dito na época, isso seria uma obra a ser construída. Começou com a inspiração, quando foram lançadas as bases para esse mercado comum, mas com um limite pouco ambicioso", diz o diplomata em entrevista ao UOL.

Para Graça Lima, que foi um dos principais negociadores do Mercosul com a Alca e a União Europeia, o projeto funcionou muito bem a partir de 1995, facilitado pela estabilidade proporcionada pelo Plano Real e pela boa fase da economia argentina durante o governo Menem. "O comércio se expandiu e se multiplicou, apesar de dois pontos importantes sempre ficarem de fora [das negociações]: o açúcar e o setor automotivo", diz.

Cooperação para controlar militares

O ex-chanceler lembra ainda que este não era o único aspecto de união: os militares eram outro ponto de atenção nos dois países. “Tanto Menem quanto Collor enfrentaram o processo da redemocratização e tinham uma preocupação de exercer um controle efetivo sobre as Forças Armadas. E esse controle passava por um programa nuclear que os dois países desenvolviam secretamente”, explica Lafer. “Eles fizeram uma série de medidas de construção de confiança mútua para a hipótese de uma nuclearização de natureza militar”, destaca o ex-ministro. 

Lafer lembra outro evento significativo da década de 1990: a criação da União Europeia, em 1993. Foi "uma grande novidade" e “extremamente interessante no plano internacional", analisa. "Pela primeira vez você reuniu cooperativamente os países europeus e os colocou funcionando em conjunto com organizações supranacionais.”

“Essa experiência europeia marcou muito a reflexão brasileira. Além disso, a União Europeia tinha muito interesse em propagar o que estava fazendo, por isso oferecia assistência técnica --o que, no nosso caso, foi útil”, diz Lafer. “Mas, apesar de útil, o aprofundamento do processo europeu não estava no horizonte imediato do Mercosul.”

Órgãos supranacionais, como comissões e tribunais, por exemplo, nunca foram criados pelo Mercosul. Também faltam concessões, já que, ainda que cidadãos dos países integrantes e associados possam ir e vir apenas com a cédula de identidade válida, a integração não é completa. Na UE, em comparação, o cidadão de um país pode viver e trabalhar em outro dentro do bloco. No Mercosul é necessário ter permissão para isso --ainda que a entrada como turista seja facilitada por 90 dias.

Alan Marques/Folhapress

Tropeços

O maior problema que o Mercosul já enfrentou foi durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso, com a mudança do câmbio. “Não foi algo desejado. Foi uma coisa imposta pelo mercado. Mas é claro que trouxe grandes consequências para as trocas comerciais no âmbito do Mercosul. E os nossos parceiros sentiram isso em profundidade”, relembra Lafer, então no cargo de ministro das Relações Exteriores pela segunda vez.

Foi também no governo FHC que foram iniciadas as negociações para a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), proposta por Bill Clinton em 1994, dias antes da posse de Fernando Henrique, e do acordo com a União Europeia, negociação até hoje não teve sucesso. O projeto da Alca foi rechaçado em 2005, durante o governo dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e de Néstor Kirchner. Entre os maiores críticos do acordo das Américas, estava o venezuelano Hugo Chávez.

Nos anos seguintes, o Mercosul teria ainda outras duas saias justas, agora diplomáticas. A primeira foi a suspensão do Paraguai em 2012, depois do impeachment relâmpago que removeu Fernando Lugo da Presidência. O grupo pressionou o Paraguai, defendendo só reabilitar o parceiro depois novas eleições livres. O bloco, à época, era comandado por Dilma Rousseff, a argentina Cristina Kirchner e o uruguaio Jose Mujica.

A segunda crise foi com a inclusão da Venezuela no bloco, cujo processo estava paralisado pela recusa do Congresso paraguaio (o mesmo que depôs Lugo) em ratificar a entrada. Anos depois, a Venezuela acabou sendo suspensa pelo bloco.

Em comum nas duas sanções, foi aplicado o Protocolo de Ushuaia, que reafirma o compromisso dos integrantes com a democracia --ainda que o uso da cláusula democrática seja até hoje questionado no caso paraguaio.

Com a posse do novo comando no Brasil, em janeiro, a tendência é que o Mercosul ganhe novos contornos. Pelas mais recentes declarações de Macri, Brasil e Argentina estão alinhados de que é preciso abrir o bloco e devem atuar juntos para viabilizar esse processo.

ANTONIO SCORZA/AFP

Mercosul é um bloco com ideologia?

O Mercosul é restrito demais para o que estamos pensando. O Mercosul, quando foi feito, foi totalmente ideológico. O Brasil ficou prisioneiro de alianças ideológicas e isso é ruim para a economia

A frase foi dita pelo futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, em outubro, e deixou muita gente apreensiva com a possibilidade do fim do bloco. A ideia de eliminar a tal ideologia do Mercosul --não só do bloco, mas do próprio Itamaraty-- também tem sinais claros vindos do futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que já deu várias declarações nesse sentido.

"O viés ideológico existiu em um determinado período. Mesmo que o Mercosul não tivesse um caráter ideológico, os personagens e atores envolvidos no grupo eram comprometidos com uma determinada linha de pensamento, com uma determinada ideologia, e isso não é segredo para ninguém", diz o embaixador Graça Lima. "Em um determinado momento, os líderes de Brasil, Argentina e Venezuela falavam um pouco a mesma língua. E o Mercosul era, sobretudo, dominado pelos três. Paraguai e Uruguai, até pelo tamanho das suas economias, não apareciam tanto", reflete o diplomata.

Graça Lima aposta que "um pouco dessa recordação está na mente dos que vão assumir". "O Mercosul passou por um período mais político do que de natureza comercial. Teve aquela grande confusão com a suspensão do Paraguai, por exemplo. Além da inclusão da Venezuela da forma como foi feita. Não foram bons momentos do bloco. O Mercosul ficou com uma péssima reputação por causa disso", avalia o embaixador.

O ex-chanceler Celso Lafer ressalta que foi nessa fase que o bloco ganhou desenvolvimento político. "Além de Lula, o casal Kirchner também teve impacto nessa questão, porque existia uma relação de ideias semelhantes", diz.

"Enfiaram a Venezuela garganta abaixo do Mercosul, sem que ela tivesse, do ponto de vista técnico, trabalhado as regras para a aceitação do grupo, sem que ela compatibilizasse as suas normas internas ao sistema", avalia. "Nada disso foi feito. A entrada da Venezuela foi a oportunidade de introduzir esta visão ideológica do governo dentro do Mercosul", afirma Lafer.

Lafer diz que este caráter ideológico já não está mais presente no bloco. "Acho que o governo Temer conseguiu 'desideologizar' a política externa brasileira, procurou fazer da política externa uma política de Estado, e não uma política de governo", diz, "Acho ainda que o Itamaraty trabalhou isto muito bem sob o comando de Aloysio Nunes [atual ministro das Relações Exteriores]. Ele teve muito clara a percepção da importância de conduzir uma política levando em conta os interesses nacionais e não se deixando tropeçar por viés ideológico", afirma o ex-ministro.

O embaixador concorda com a avaliação de Lafer. "Esta não é a situação atual. Tivemos uma mudança de governo na Argentina, mudou o governo no Brasil também, ainda que com a questão do impeachment. Teve a eleição no Paraguai também. E a Venezuela foi suspensa. Então essa caracterização ideológica já ficou para trás", avalia Graça Lima.

"O Mercosul é um ativo importante do Brasil do ponto de vista econômico, pelo significado das relações econômicas do Brasil com seus parceiros do Mercosul, notadamente a Argentina e vice-versa. E o bloco é politicamente relevante porque estamos vivendo em um mundo semelhante à década de 90: que se regionaliza e, ao mesmo tempo, se globaliza. Na medida em que o Mercosul recupera a sua vocação econômica, como está recuperando --e o governo Temer contribuiu muito para isto-- vira também um ativo econômico", diz Lafer.

"Você cria relações de proximidade e de cooperação com seus vizinhos, e a América do Sul é a circunstância do 'eu diplomático' brasileiro. A Bacia do Prata tradicionalmente sempre teve uma dimensão importante da nossa inserção na nossa vizinhança. O regionalismo econômico e político são importantes. Cuidar da nossa vizinhança é algo importante. E cuidar bem dos vizinhos é um ativo político do Mercosul e, nesse sentido, é um ativo político importante", conclui Lafer.

Sergio Moraes/Reuters

O G20 e a repaginação do Mercosul

Apesar da afirmação crítica de Paulo Guedes, nem todo o governo Bolsonaro concorda com o fim do Mercosul. O vice-presidente eleito, general da reserva Hamilton Mourão, afirmou que, "antes de pensarmos em extinguir, derrubar, boicotar, temos que fazer os esforços ainda necessários para que atinja os seus objetivos". "Tem que haver uma conversa maior com os nossos vizinhos. Principalmente com a Argentina", disse em entrevista para a Folha de S. Paulo.

Durante a cúpula do G20, terminada em Buenos Aires no início de dezembro, o presidente Mauricio Macri também reconheceu que o Mercosul é um dos blocos mais protecionistas do mundo e disse que, em conversas com o presidente Michel Temer (MDB), ambos coincidiram que “tanto a Argentina quanto o Brasil querem se abrir". "Nós nos demos conta de que nos equivocamos, e os países que se abriram nos últimos 20 anos são os que mais cresceram, muito mais do que Argentina e Brasil”, disse o argentino no fim do encontro das maiores economias do mundo, que representam hoje 85% da riqueza global.

Matias Spektor, coordenador da graduação de Relações Internacionais da FGV (Fundação Getúlio Vargas), lembra que Macri e Bolsonaro estão na mesma página quando o tema é o Mercosul, ainda que a afirmação de Guedes tenha causado perplexidade. "O problema não foi o conteúdo, foi a forma como ele disse. Do ponto de vista do conteúdo, o que o Bolsonaro acredita é exatamente o que o Macri acredita. Ele não acha que o Mercosul está funcionando ou que seja prioridade", diz.

"Ficou parecendo que era um gesto descortês em relação ao governo argentino. O Paulo Guedes poderia ter respondido assim: 'Bolsonaro e Macri acreditam exatamente na mesma coisa e vão acabar com essa mamata desse Mercosul protecionista'. Essa poderia ter sido a resposta que deixaria o Macri bem tranquilo. Ao responder da forma como ele respondeu, deu a impressão de que ele estava fazendo menos caso da Argentina. Mas não foi isso", explica Spektor.

"Na prática, quando o Bolsonaro assumir, Macri e ele devem tomar decisões para acelerar o processo de readaptar e adequar o Mercosul a um novo ambiente com dois governos que têm uma agenda antiprotecionista", afirma Spektor. "Isso não quer dizer a morte do Mercosul. É um ajuste para servir aos propósitos políticos dos dois presidentes, que é atrair investimento", argumenta o internacionalista.

"Isso não quer dizer que vá dar certo. Os dois presidentes precisam do apoio de grupos protecionistas. O Mercosul hoje é um escudo protecionista para proteger indústrias dos dois países que são pouco competitivas, como o setor automobilístico, por exemplo. Só que para acabar com isso, precisariam abrir uma guerra contra esses grupos, que hoje têm influência política nos Parlamentos", explica o professor da FGV.

Spektor diz ainda que o sucesso do Mercosul, na verdade, depende dos Executivos. "Com a Dilma e a Cristina, o Mercosul travou completamente, não fez nada de novo. Mas Lula e Néstor Kirchner fizeram muita coisa. Temer e Macri também fizeram muita coisa juntos. Lembre-se de que eles conseguiram tirar a Venezuela do Mercosul, apesar da oposição firme do Uruguai", diz o analista.

"O governo Macri não tem porque não ser prestigiado. Se você tivesse um governo Kirchner, eu diria: 'Vamos com cuidado'. Mas, com um governo como o de Macri, não vejo o porquê ter alguma hesitação [na mudança]", diz Lafer.

O que deveria mudar?

A ideia principal é que os integrantes possam fechar acordos de livre comércio bilaterais, e não mais negociar em bloco. Graça Lima afirma que hoje a negociação em conjunto seria facilmente revogável.

"Não haveria o menor problema em derrubar a resolução de negociar em conjunto. Você aprova pelos integrantes uma outra resolução que modifica a anterior. E tenho certeza absoluta que Paraguai e Uruguai não seriam contra. Eles sempre estiveram muito mais propensos a estabelecer acordos com países fora do Mercosul sem a rigidez que o bloco impõe", avalia o embaixador.

"O Mercosul é um sucesso político, mas deixa a desejar em termos comerciais. A prioridade para o Brasil parece cada vez mais clara: uma reforma tarifária autônoma e um programa de liberalização que atenda às suas necessidades, proporcionando maior produtividade para sua indústria", diz o embaixador Graça Lima.

Rafael Andrade/Folhapress

Bloco ineficiente na economia?

Marcado pelo seu forte protecionismo, o Mercosul é hoje o terceiro maior bloco econômico do mundo, perdendo para o quase extinto Nafta e atrás da União Europeia.

A Argentina continua como o principal parceiro brasileiro no bloco. Em 2017, foi quem mais importou produtos brasileiros (78%), atrás do Paraguai (12%) e do Uruguai (10%). Exportaram para o Brasil um valor praticamente idêntico (79%), enquanto compramos 11% do Uruguai e 9,5% do Paraguai.

O principal produto negociado são automóveis e veículos de carga: o Brasil exporta aos vizinhos principalmente carros (22% em 2017) e veículos de carga (8,8%) e compra mais veículos de carga (18%) e carros (15%). Em terceiro lugar entre os produtos importados pelo país estão os grãos de trigo (10%); em contrapartida, nosso terceiro produto mais exportado são partes e peças de veículos e tratores (5%). Todos os dados são do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.

Entre os nossos principais parceiros comerciais no planeta, a Argentina ocupa a terceira posição, atrás somente de China e EUA. Em 2017, o Brasil mais vendeu do que comprou dos argentinos: foram US$ 17.618 milhões em exportações contra US$ 9.435 em importações, ou seja, um saldo positivo (superávit) de US$ 8.183. Para efeito de comparação, as negociações com a China, nosso maior parceiro comercial, representaram US$ 47.488 milhões em exportações, US$ 27.321 milhões em importações, com um saldo positivo de US$ 20.166 milhões.

Se entrassem nessa comparação, as negociações feitas dentro do nosso principal bloco econômico ainda ficariam atrás de China e EUA --exportamos para os americanos US$ 26.872 milhões, importamos US$ 24.846 milhões, com saldo positivo de US$ 2.026 milhões. Dentro do Mercosul, o Brasil mais vendeu do que comprou dos parceiros do bloco em 2017: foram US$ 22.613 milhões em exportações contra US$ 11.892 em importações, ou seja, um saldo positivo de US$ 10.720.

Levando em consideração todos esses dados, Lafer e Graça Lima concordam que a solução seja renegociar. "É preferível fazer um esforço antes de acabar com o bloco", avalia o embaixador Graça Lima.

Negociador entre Mercosul e União Europeia na década de 90, Graça Lima diz que o acordo com o bloco europeu era o "único que poderia ter consertado o Mercosul e, ao mesmo tempo, ter modificado grande parte do regime de comércio" do bloco latino. "Mas esse acordo não sai nunca, e pessoalmente tenho muitas dúvidas sobre se ele um dia entrará em vigor. Pode ser que ele jamais saia do papel, já que não há interesse brasileiro", diz.

"Não vejo razão para fazer uma mudança brusca. O Brasil não deve fazer mudanças bruscas de política externa a não ser que tenha uma razão muito grande, e isso não deve de maneira nenhuma excluir a importância do Mercosul e da Argentina, Uruguai e Paraguai", finaliza Lafer.

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