Radicalismo à espreita

Extrema-direita usa crise como munição para ganhar novos adeptos nos EUA e na Europa

Jamil Chade Colaboração para o UOL, em Genebra (Suíça) Reprodução

No Brasil, nos Estados Unidos ou na Europa, grupos vêm se reunindo para pedir o fim das quarentenas. Se em cada região do mundo o argumento é diferente, alguns aspectos os unem: em todo canto vê-se bandeiras nacionais nas manifestações.

Pesquisadores de diferentes institutos apontam como uma extrema-direita organizada tem usado a pandemia como oportunidade para expandir o número de adeptos. Com quarentenas afetando dezenas de países, milhões de pessoas em casa passaram a ser bombardeadas por teorias da conspiração.

Nada disso é novo. Estudos demonstram que, em momentos de crise e medo, há um fortalecimento do extremismo. Um desses estudos foi apresentado pelo Federal Reserve Bank (Fed), o banco central norte-americano. De acordo com o levantamento, existiria uma relação entre o fortalecimento do nazismo na Alemanha e efeitos da gripe espanhola de 1918.

O estudo, publicado pelo economista Kristian Blickle, examinou os gastos de cidades e o voto em partidos extremistas na Alemanha nos anos entre 1925 e 1933. A constatação é de que aquelas regiões mais afetadas viram uma alta no apoio aos extremistas de direita, como o Partido Nazista, principalmente em 1932 e 1933. Historicamente, o fortalecimento do grupo liderado por Adolf Hitler esteve ligado à recessão vivida pelo país nos anos 20 e a humilhação diante da derrota na Primeira Guerra Mundial.

Mas, para o Fed, existem evidências de que a pandemia também teve seu papel estimulando "o ressentimento de estrangeiros entre os sobreviventes, levando os eleitores para partidos cuja plataforma se igualava a tais sentimentos".

Não é por acaso, que, diante do risco de uma queda de Produto Interno Bruto (PIB) inédito e graves problemas sociais, o Fundo Monetário Internacional (FMI) passou a sugerir aos governos que incrementem seus gastos para ajudar trabalhadores, distribuam benefícios sociais e que paguem até mesmo parte dos salários do setor privado.

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Vírus "estrangeiro"

Nas últimas semanas, a Europa ficou chocada com imagens de ricas cidades suíças como Genebra ou Lausanne que, ao anunciar a distribuição de alimentos, viram filas de mais de mil pessoas se formarem. A pandemia estava tornando visível os pobres em uma das sociedades mais abastadas que o planeta já testemunhou.

Se nos anos 20 e 30 essa recessão se transformou em radicalismo, especialistas alertam que, desta vez, todos os ingredientes estão sobre a mesa para alimentar o extremismo: o medo, a insegurança financeira, desemprego, morte e a percepção de que a culpa é de um vírus estrangeiro.

Desta vez, porém, a máquina de propaganda é outra: a internet. Há poucos dias, 25 mil emails da OMS e outras entidades foram hackeados. O que surpreendeu é que, assim que os dados foram divulgados, imediatamente os grupos de extrema-direita estavam prontos para os difundir em uma velocidade surpreendente, com memes e um discurso de ódio coordenado.

Aly Song/Reuters

"Bioarmas contra o corona-chan"

Em Londres, o Institute for Strategic Dialogue revela que o recrutamento já está ocorrendo. "Grupos e indivíduos de extrema-direita estão usando de forma oportunista a pandemia para fazer avançar seus movimentos e ideologias", constata a entidade, considerada como uma das referências no mundo neste tipo de monitoramento.

Entre esses grupos, o coronavírus é chamado de "corona-chan" e, segundo os pesquisadores, a situação atual tem sido usada até mesmo para sugerir a ideia de uma Segunda Guerra Civil, nos EUA. Poucos acreditam no risco de tal deflagração. Mas o chamado é uma inspiração à violência.

Ataques contra judeus também tem se proliferado e postagens relacionando George Soros com o vírus aumentaram em 750% entre fevereiro e março.

Alguns grupos ainda chegam a falar em transformar seus corpos em espécies de "bioarmas", capazes de transmitir o vírus a opositores políticos. Formados em grande parte por supremacistas brancos, tais grupos sugerem até mesmo ataques contra hospitais.

Outro fenômeno é a existência de milhões de jovens e adolescentes nos EUA e na Europa, confinados em suas casas. Para eles, a Internet passou a ser sua principal atividade na quarentena e, claro, presas potenciais para grupos de extrema-direita.

Desorientados e sem saber qual será o futuro, parte desses jovens poderia sucumbir às teorias de conspiração que chegam a envolver até mesmo a ativista Greta Thunberg.

No caso da Europa, líderes como Angela Merkel ou Giuseppe Conte viram suas taxas de popularidade subir diante da pandemia, o que rapidamente levou analistas a ver uma queda da influência de líderes populistas como Matteo Salvini ou o partido Alternativa para Alemanha.

Um dos cenários de fato desenhados em Berlim é o fortalecimento do centro, diante dos resultados positivos obtidos por Merkel no combate contra a pandemia.

Pesquisadores alertam que, em grande parte da Europa e mesmo em regiões mais afetadas, o teste virá quando as economias, em forte queda, começarem a demitir milhões de pessoas.

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Extremismo no radar

Um recente estudo realizado pela agência Zinc Network indicou que grupos radicais já se prepararam justamente para esse momento. A estratégia tem sido a de se aproximar das comunidades mais afetadas, apresentando-se como resposta à crise que vai afetar as famílias.

Alguns deles, porém, têm sido mais explícitos. O Movimento Nórdico de Resistência, de caráter neonazista, chegou a postar em suas redes sociais que a pandemia seria necessária para gerar uma "insurreição nacional".

Na Alemanha, grupos como Die Rechte e Der Dritte Weg insistem na necessidade de que as fronteiras fiquem fechadas e que a pandemia é uma "distração" do governo para esconder um suposto plano de abrir o país para mais estrangeiros.

Num recado forte, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Antônio Guterres, alertou que a pandemia gerou um "tsunami de ódio e xenofobia" e pediu que líderes mundiais assumam a responsabilidade por um discurso diferente.

Em alguns locais, a narrativa de ódio já se traduziu em violência. O FBI, polícia federal norte-americana, fez um alerta sobre os riscos de que membros de grupos de extrema-direita ataquem policiais judeus. Outro foco seriam os asiáticos, considerados como "responsáveis" pelo vírus.

Não por acaso, a insistência do presidente Donald Trump de chamar a covid-19 de "vírus chinês" é alvo de preocupação, já que reforçaria a xenofobia desses grupos.

Chip Somodeville/AFP/Getty Images

"Surfando" o coronavírus

Um caso ainda mais grave foi o do supremacista branco Timothy Wilson, que planejava ataques contra um hospital do Missouri (EUA) com pacientes da covid-19.

"Wilson considerou vários alvos e acabou se instalando em um hospital de área na tentativa de prejudicar muitas pessoas, visando uma instalação que está fornecendo cuidados médicos críticos no ambiente atual", disse o FBI em um comunicado. O ataque nunca aconteceu e, num tiroteio com a polícia, Wilson morreu.

Cassie Miller, do Southern Poverty Law Center, organização dos EUA ligada aos direitos civis, avalia que tais grupos também consideram que a pandemia é uma oportunidade para aumentar o recrutamento. "A ala mais extrema dos nacionalistas brancos e neonazistas acredita estar pronta para tirar proveito dessa confusão", disse.

Enquanto o Presidente Trump tem obtido o apoio de alguns supremacistas brancos, os mais radicais — conhecidos como os Accelerationists— o veem como insuficientemente extremo.

Nos grupos de Telegram, esses radicais elogiam a forma de Trump acusar a China como responsável. Mas, segundo Miller, torcem para que o governo não consiga controlar o vírus. "Eles esperam que o caos leve mais gente a ficar frustrada com o status quo e comecem a empurrar para posições políticas mais extremas, provocar agitação política ou até mesmo começar a agitar por medidas mais revolucionárias para acabar com o sistema político atual", disse.

Ainda que defendam a violência, Miller cita como alguns indivíduos desse grupo notaram que a situação "parece estar se agravando por si só, não exigindo nenhum envolvimento adicional de sua parte para se aproximar de um ponto de crise". "Não precisamos acelerar nada", disse um podcaster branco supremacista ao Telegram de seus seguidores. "Parece estar indo muito rápido, obrigado".

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