O caso do hospital gaúcho investigado pela Cmed não é exceção. Algumas redes privadas seguem usando a tabela da Cmed como parâmetro na hora de pedir reembolso para os clientes - sejam eles pessoas físicas, planos de saúde ou mesmo o SUS.
Como a tabela tem preços muito maiores do que os hospitais pagaram de fato, os clientes acabam sendo lesados.
E os hospitais privados passam a contar com uma fonte de receita extra. O ressarcimento pela tabela da Cmed pode representar "a principal fonte de renda de muitos hospitais brasileiros", segundo estudo de 2021 do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Em ofício enviado para consulta pública sobre precificação de medicamentos, em 2021, o Cade afirmou que a prática atual "incentiva a compra ineficiente, gerando custo a consumidores, a planos de saúde e inclusive ao SUS, que muitas vezes se vale dos serviços de hospitais privados para dar conta de certas demandas do serviço público".
Especialistas, entidades de defesa do consumidor e planos de saúde defendem a rediscussão sobre o modelo de regulação de preços de remédios no Brasil, visando contornar as distorções geradas pela tabela da Cmed.
O modelo de precificação dos medicamentos deve mudar. Está incentivando a inflar, de forma fictícia, o preço. Unimed-RS, em ofício enviado para consulta pública sobre precificação de medicamentos, em 2021
Uma das opções na mesa é reduzir os valores da tabela da Cmed. As farmácias são contra.
É falta de visão de economia. Se eu sou um laboratório instalado na Suíça, quando eu for lançar o próximo produto, não vou querer registrar no Brasil, porque o Brasil muda as regras no meio do jogo. Sergio Mena Barreto, CEO da Abrafarma, que agrega as maiores redes de farmácias do país
Já alguns representantes da indústria criticam a própria existência da tabela, como Nelson Mussolini, presidente-executivo da Sindusfarma, que representa a indústria farmacêutica. "Hoje, posso dar desconto de 50% porque tem matéria-prima sobrando. Amanhã, está faltando e vou ter que vender com 30% de desconto. Eu sou frontalmente contra o controle de preços. O mercado tem que se autorregular. Aí não tem toda essa celeuma de 'desconto'," defende.
Outras sugestões de mudança envolvem a definição de regras para o uso da tabela por farmácias e hospitais - assim como o TCU já fez em relação às compras públicas.
No caso das farmácias, um dos principais temas pendentes de regulamentação é justamente a exigência do CPF para pagar metade do dobro.
Nas compras em lojas físicas, o consumidor ainda tem a opção de procurar por drogarias que dão o "desconto" sem o CPF.
Nas compras online, a identificação é obrigatória e não há, atualmente, a opção de recusar que seus dados sejam usados pela farmácia. De olho nisso, grandes redes estão orientando os próprios vendedores no balcão a dizer que no app é mais barato.
"É possível dar o desconto sem exigir o CPF. Algumas grandes redes exigem porque querem montar um banco de dados para entender o que o cliente consome", afirma Adão Fonseca, diretor comercial da Rede Melhor Compra, associação de farmácias independentes que não exigem CPF
O Estado, que pode regular a venda de remédios e o uso de dados de saúde, segue fazendo vista grossa, abandonando o consumidor à própria sorte.