Linha de frente

Tensões do último combate entre China e Taiwan persistem na memória dos moradores da ilha de Kinmen

Ben Blanchard e Ann Wang Da Reuters, em Kinmen (Taiwan) ANN WANG/REUTERS

Manequins de soldados e bunkers secretos

Situada na linha de frente entre Taiwan e China, a ilha de Kinmen foi a última região onde os dois países travaram um grande combate. O ano era 1958, no auge da Guerra Fria. Ali, décadas depois do conflito, as lembranças da guerra permanecem gravadas nas mentes dos moradores. Em velhos bunkers, manequins de soldados com armas em riste apontam para o território chinês.

A China considera Taiwan como sendo parte de seu território e nunca renunciou ao uso de força para colocá-la sob controle de Pequim.

Um recente aumento das tensões ocorreu no início do mês. A força aérea chinesa realizou quatro dias de incursões em massa na zona de defesa aérea de Taiwan, começando em 1º de outubro. A ação alarmou as capitais ocidentais e Taipé. Paira a suspeita de que Pequim possa estar planejando algo mais drástico.

Em Kinmen, a menos de uma hora de avião de Taipé e voltada diretamente para os altos edifício de Xiamen, na China, não há sentimento de pânico ou restrições às visitas de Taiwan. Apenas surpresa por questionarem se as visitas à região ainda são aconselháveis.

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Este é um local muito seguro. Seja economicamente ou nas vidas das pessoas, não sentimos nenhum impacto das tensões no estreito

Ting Chien-kang, Diretor do departamento de turismo do governo de Kinmen, do lado de fora de uma casa em ruínas, que foi brevemente ocupada por tropas comunistas em uma invasão por fim abortada à ilha em dezembro de 1949

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Tiros não assustavam embarcações chinesas

Chen Ing-wen caminha até um afloramento rochoso a cerca de 3 km da costa da China, na ilha de Kinmen, controlada por Taiwan, e demonstra como, quando era soldado, ele costumava atirar de lá em traineiras chinesas que se aproximavam demais.

"Era apenas para assustá-los, mas eles não tinham medo", disse Chen, 50 anos, que prestou seu serviço militar em Kinmen de 1991 a 1993. "Não estávamos tentando matá-los, apenas alertá-los para se afastarem."

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Lembrança dos disparos de artilharia ainda assombram moradores

Kinmen, assim como o arquipélago de Matsu (mais acima na costa chinesa), é controlada pelo governo em Taipé desde que as forças da República da China fugiram para Taiwan em 1949, após derrota para os comunistas na guerra civil.

Bombardeios regulares só cessaram em 15 de dezembro de 1978, quando Washington reconheceu formalmente o governo de Pequim em vez do de Taipé. Àquela altura, no entanto, os disparos em dias alternados jogavam apenas panfletos de propaganda.

Mesmo assim, as cápsulas de artilharia podiam e, com frequência, matavam pessoas, assim como assustavam os moradores. A lembrança assombra os habitantes de Kinmen até hoje.

"Não quero que isso aconteça de novo", afirma Jessica Chen, 53 anos, dona de uma casa de chá, que lembra dos disparos de artilharia. "As pessoas podem achar que a situação está tensa, mas estamos acostumados a ela."

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Um ponto vulnerável entre Pequim e Taipé

Em seu ponto mais próximo, o posto de observação de Mashan, a ilha principal de Kinmen fica, na maré baixa, a menos de 2 km do território controlado pelos chineses. Foi de lá que o ex-economista-chefe do Banco Mundial, Justin Lin, cruzou a nado para desertar para a China em 1979.

Uma guarnição militar muito reduzida permanece até hoje. O número contrasta com os 100 mil mobilizados no auge dos combates, com tanques percorrendo ocasionalmente as estradas secundárias e soldados guardando entradas escondidas para postos de comando escavados sob a rocha espessa.

Com novas armas, incluindo mísseis de precisão, qualquer ataque chinês provavelmente ignoraria Kinmen e se concentraria diretamente em alvos militares em Taiwan. No entanto, dependente da China para fornecimento regular de água, Kinmen poderia sofrer facilmente um bloqueio.

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Túnel do tempo

O governo de Kinmen trabalha arduamente para promover a ilha como sendo mais do que apenas um monumento da guerra, esperando atrair visitantes jovens para se encantarem suas lontras e observarem pássaros, para se hospedaram em novas pousadas e se deliciarem com as ostras locais.

Mas o túnel do tempo no qual Kinmen se situa pode ser visto por toda parte, apesar de grande parte dele ser mantido intencionalmente para os turistas.

A antiga linguagem em placas de propaganda, cuidadosamente preservadas, chama os comunistas de "bandidos". Estátuas do falecido líder Chiang Kai-shek, hoje vilanizado por muitos taiwaneses por sua ditadura brutal, o saúdam como "salvador do povo".

Alguns transformaram as tensões do passado em fontes de lucro, como os renomados fabricantes de facas de Kinmen, que transformam em lâminas velhas cápsulas de artilharia. Mas nem eles desejam o retorno dos velhos tempos em que precisavam se esconder em abrigos antiaéreos para escapar dos ataques comunistas.

Uma reunificação seria melhor, não uma guerra. A coexistência pacífica é muito melhor

Lin You-hsin, 60 anos, Fabricante de facas em Kinmen

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