Pandemia com bolso reforçado

Na maior favela de Maceió, auxílio emergencial impulsiona Bolsonaro, mas corte gera reclamações

Carlos Madeiro Colaboração para o UOL, em Maceió Beto Macário/UOL

"Foi algo muito bom para mim: comprei uma televisão, uma bicicleta e ainda enchi minha geladeira velha de comida", diz Daniela de Lima Santos, 30, ao comentar sobre o poder do auxílio emergencial do governo federal na pandemia de coronavírus que assola o país há cerca de sete meses.

O UOL visitou o maior complexo de favelas de Maceió, na orla lagunar, onde vivem centenas de famílias que precisam de benefícios sociais para sobreviver.

Daniela admite que era crítica do governo e mudou a avaliação. "Esse auxílio ajudou tanto, que penso em votar, sim, [em Jair Bolsonaro] até como uma forma de gratidão."

Ela mora com o marido —que faz bico de servente de pedreiro— e não tem filhos. Conta que estava na fila de espera do Bolsa Família até março, sem resultado, quando veio a pandemia e passou a ser contemplada com a ajuda mensal de R$ 600.

O presidente Bolsonaro alcançou em agosto o maior percentual de aprovação desde o início de seu mandato em janeiro de 2019, segundo dados do Datafolha. O grande impulso veio pela mudança de visão entre os mais pobres e menos escolarizados, e entre os moradores da região Nordeste —públicos que davam ao presidente historicamente os piores índices.

Na pesquisa feita entre 11 e 12 de agosto, o índice de ruim ou péssimo no Nordeste caiu 17 pontos (de 52% para 35%), por exemplo. Também houve queda de 13 pontos entre os mais pobres do país (de 44% para 31%), e na parcela menos escolarizada (de 40% para 27%).Para especialistas, não há dúvida que o pagamento do auxílio emergencial foi fundamental para a alta na aprovação do presidente em meio à pandemia.

Em 2018, o presidente venceu o 2º turno na capital alagoana, mas no estado a vitória foi do petista Fernando Haddad.

Beto Macário/UOL
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Todos os entrevistados ouvidos pelo UOL afirmaram não ter votado em Jair Bolsonaro em nenhum dos dois turnos da eleição de 2018, mas alguns confirmaram o cenário visto pelo Datafolha e mostram hoje uma inclinação favorável à reeleição do presidente em 2022.

Outros admitem que pensam em votar no presidente, mas reclamam do corte de 50% efetuado no valor do auxílio e preferem aguardar. E ainda há os que sigam rejeitando Bolsonaro, alegando que não foi ele quem decidiu dar o auxílio.

Vizinha de Daniela (citada no início do texto), Marcia Maria Nascimento, 52, tem seis filhos e mora com dois deles (um de 14 e outro de 25 anos). Ela conta que recebia antes da pandemia R$ 190 de Bolsa Família.

Agora, com R$ 1.200, ela revela um grande salto na qualidade de vida. "Eu peguei o primeiro dinheiro e comprei camarão e peixe e comecei a vender na rua. Fiz um negócio para mim com a ajuda desse auxílio. Hoje tenho como ganhar um trocado a mais."

Eleitora de Fernando Haddad em 2018, ela admite que o auxílio a fez mudar de opinião sobre a imagem de Bolsonaro e diz que votaria nele em 2022.

"Eu não prestava atenção no governo, só fiz isso depois desse auxílio para cá. Mas hoje acho que ele está fazendo um bom governo, voto nele", afirma. Ela espera que o presidente vá manter uma renda mínima mais alta que o Bolsa Família após o fim do auxílio emergencial. "Eu estou confiante. Tudo que ele prometeu cumpriu, então acho que ele vai nos dar essa ajuda para sempre", afirma.

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No mesmo dia em que a reportagem visitou o local, na última terça-feira (29), aliados falaram do novo programa social ainda em discussão, o Renda Cidadã, que viria a substituir o Bolsa Família. Não há detalhes sobre qual será o valor de transferência, e entre os moradores da favela há um clima de incerteza.

Este mês todos começaram o auxílio emergencial com valor cortado pela metade: quem recebia R$ 600 passou a ter R$ 300; já quem tinha R$ 1.200, sacou R$ 600.

"Olha, eu consegui comprar muita coisa pra mim quando o valor tava inteiro, foi muito bom. A vida ficou muito melhor, mas esse mês já começaram a tirar", diz Fabiana Silva Nascimento, 35, que recebia R$ 112 de Bolsa Família antes da pandemia.

Ela cita que até pensa em votar em Bolsonaro, mas apenas caso ele recomponha o valor inicial de R$ 1.200 (que era pago a mães chefes de família). "Por que baixar? Tem de ficar pelo menos o mesmo valor. Se ele fizer, eu voto nele de certeza", afirma.

Mesma opinião tem Franceísa Reis do Santos, 21, mãe de um filho de dois anos. "Ele pensa que R$ 1.200 é muito? A gente pega esse dinheiro e ele some. Consegui comer uma carne de mais qualidade, mas a gente não merece menos que isso, não! Ele tem de fazer um jeito de seguir dando o mesmo valor. Aí muita gente vai votar nele entre os pobres."

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Na favela de Maceió há ainda aqueles que, mesmo recebendo, dizem não confiar no presidente.

"Gosto dele não, sei que ele não queria dar esse auxílio no começo", diz Flávia Francisca de Lima, 35, mãe de cinco filhos. "Esse dinheiro foi muito bom, comi pizza —coisa que não fazia há anos, e ainda reformei minha vendinha", completa.

Já Maria de Fátima, 65, afirma que tenta há meses se inscrever, sem sucesso, para receber o BPC (Benefício de Prestação Continuada) destinado a idosos pobres. Com a pandemia, ela acabou recebendo o auxílio emergencial e diz que conseguiu comprar um barraco na comunidade. "Paguei R$ 1.500 e me livrei do aluguel [pagava R$ 300 por mês]", afirma.

Ela diz que mora com os três netos e ficou "muito frustrada" ao saber da redução do valor do auxílio em 50%, o que a fez ter "tristeza" com o presidente. "Eu não acho isso certo. Nós somos pobres, precisamos muito. Ele deveria ter mantido, e não dar com uma mão e tirar com outra."

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