No coração da balbúrdia

Um dia na UnB, acusada pelo ministro da Educação de fazer "bagunça" e "evento ridículo"

Ana Carla Bermúdez Do UOL, em Brasília Pryscilla K/UOL

Reconhecida como uma das melhores universidades da América Latina, a UnB (Universidade de Brasília) foi acusada pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, de ser uma das universidades federais que promovem "balbúrdia" em seus campi.

Em sua fala, o ministro mencionou festas e eventos políticos. "A universidade deve estar com sobra de dinheiro para fazer bagunça e evento ridículo", disse, citando como exemplos "sem-terra dentro do campus, gente pelada dentro do campus".

Após repercussão negativa, o MEC recuou e mudou o discurso. A pasta, então, passou a afirmar que o bloqueio valeria para todas as instituições de ensino --e que era necessário para cumprir a meta fiscal.

Mas o meme já estava pronto. Nas redes sociais, estudantes passaram a divulgar imagens de gente trabalhando em laboratórios e estudando em bibliotecas para mostrar a "balbúrdia" que estavam fazendo nas universidades.

A reportagem do UOL visitou o campus Darcy Ribeiro, o maior e mais tradicional da UnB, em uma sexta-feira, às 9h. No local, além de faixas contra os bloqueios no orçamento da educação, o que se viu foi muita movimentação de alunos --e muita gente estudando.

bal-búr-di-a

substantivo feminino

1. desordem barulhenta; vozearia, algazarra, tumulto
2. situação confusa; trapalhada, complicação

Fonte: Dicionário Houaiss

Pryscilla K/UOL Pryscilla K/UOL

A rotina no campus

"Eu costumo falar, com os meus amigos, que a UnB é uma prova de sobrevivência, e o prêmio final é a morte", diz Júlio César Nunes, 19.

Aluno do curso de física, o jovem define sua rotina como uma "maratona de estudos". "Você vem, estuda, vai para a aula e estuda de novo. É bem puxada a universidade; ela realmente cobra muito dos estudantes", diz.

"Passo o dia aqui todos os dias", conta Luiz Felipe Ayub, 21, que está no quinto semestre de engenharia ambiental. Além de assistir às aulas pela manhã, ele dá tutoria de disciplinas da grade curricular do curso para seus colegas.

"Minha visão da UnB talvez seja meio debilitada, porque passo muito tempo na FT [Faculdade de Tecnologia]. Aqui, eu não vejo nada que justifique balbúrdia", diz. Na manhã em que conversou com a reportagem, Luiz Felipe estava estudando --no horário, ele teria uma aula, que foi cancelada.

Pryscilla K/UOL Pryscilla K/UOL

Faz sentido tirar do ensino superior para investir no básico? Não faz, não dá para tirar de um e colocar no outro. Você vai ter um gargalo de qualquer jeito. Tem que investir no ensino básico, mas sem tirar do superior, que é o que mantém a pesquisa

Júlio César Nunes, aluno do curso de física

Se existe algum evento que justifique a acusação de balbúrdia? Para o aluno de agronomia Felipe Lara Carvalho, 18, ela representa um estereótipo, e não que acontece de verdade na universidade.

Em maio, um evento no ICC (Instituto Central de Ciências), que reúne cursos de exatas, humanas e sociais, virou alvo de críticas nas redes sociais. Era uma competição de drag queens, realizada em comemoração ao Dia Internacional de Luta contra a LGBTfobia.

"Mas isso não é feito com o dinheiro público, com o dinheiro do trabalhador", diz Felipe. "O que se vê por balbúrdia é o que muita gente pensa porque nunca pisou na UnB", afirma.

"Qualquer ambiente que tenha jovens, tem festas. Mas aqui, por ser um espaço aberto e de acesso livre, tem sido visto com maus olhos. Em outras universidades também acontece esse tipo de coisa, mas, por serem privadas, tudo fica bem escondido", diz Maia*, aluna do curso de serviço social.

Ex-aluno de escola pública, Júlio César conta ter sentido dificuldade em acompanhar as aulas quando passou na UnB. "Entrei no ano passado, mas estou fazendo o primeiro semestre de novo. Na escola pública, eu vejo que nivelam o aluno por baixo", conta.

Pryscilla K/UOL Pryscilla K/UOL

Direita ou esquerda?

Espalhados pelas paredes da UnB, há cartazes contra o machismo e dizeres em defesa dos direitos LGBT, causas que são mais associadas à esquerda. Também há placas de movimentos que se dizem antifascistas.

A atual gestão do DCE (Diretório Central dos Estudantes), por outro lado, se define como sendo de direita. Eleita no ano passado, a chapa Aliança pela Liberdade derrotou a Unidade para Resistir, que tinha o apoio de partidos como PT, PCdoB e PSOL.

Para os alunos, há de fato uma pluralidade de ideologias na universidade.

"Eu vi um pessoal migrando mais para o centro atualmente. Teve por muito tempo um discurso de esquerda, mas a direita cresceu bastante. O discurso da direita foi crescendo e foi migrando mais pessoas para o centro", diz Carlos*, aluno do curso de direito.

"Hoje, eu não consigo definir o perfil da universidade. A última gestão do DCE foi da esquerda, e foi meio caótico, porque a esquerda tem dificuldade de se manter unida."

"O perfil político depende do curso. No ICC norte tem mais cursos de humanas e, quando tem manifestação eles vão, muito levados pela esquerda. Na FT, quando tem greve, é o prédio que não fecha", diz Felipe, da agronomia.

A aluna de engenharia mecânica Rute Borges, 22, diz acreditar que há uma mistura de vertentes políticas entre os alunos. Ela também rejeita rótulos e afirma não saber se se identifica como sendo de direita ou esquerda.

"Tanto direita quanto esquerda podem vir aqui e dar suas opiniões, suas propostas. E a gente vai dizer se concorda ou não", afirma. "Por exemplo, se vier algum representante de um partido aqui dizer alguma coisa, não quer dizer que os alunos concordam com ele ou não."

Luiz Felipe, aluno de engenharia ambiental, diz se identificar mais à esquerda, assim como seu quase xará Felipe, estudante de agronomia.

"Sou de centro, porque sabe esses testes de internet? Penso no equilíbrio das duas partes. Acho importante. Me considero no centro, nem direita nem esquerda", afirma Júlio, aluno do curso de física.

Como os cortes vão afetar todo mundo, não tem mais essa de direita e de esquerda. Tem gente que votou no Bolsonaro e diz que é contra os cortes

Felipe Lara Carvalho, aluno de agronomia

Eu mesma pensava em fazer mestrado e doutorado e desisti. Queria muito fazer carreira acadêmica, mas não estou mais animada com isso

Rute Borges, aluna de engenharia mecânica

Raio-x da UnB

  • 39.624

    alunos de graduação

  • 18.172

    alunos se autodeclaram pretos ou pardos

  • 15.341

    alunos se autodeclaram brancos

  • 2.787

    docentes

  • 8.048

    alunos de pós-graduação, dos quais cerca de 2.000 recebem bolsa de pesquisa

  • 1.180

    bolsas de iniciação científica

  • 16ª

    é a posição ocupada pela UnB no ranking latino-americano do THE (Times Higher Education)

  • 109%

    é o crescimento da produção científica da UnB de 2008 a 2017, segundo o Web of Science

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